"Querida Wendy"
por André Azenha
Email
30/01/2006

O que esperar de um filme que tem a participação de Thomas Vinterberg e Lars Von Trier (criadores do movimento Dogma 95, que rendeu filmes como Festa de Família e Dançando no Escuro)? E se nesse filme ainda houver uma ponta de crítica ao governo Bush? Só pode ser algo bom, não? Pois é. Dirigido por Vinterber e roteirizado por Von Trier, Querida Wendy é um filme divertido e - por mais que pareça surreal em alguns momentos - dá algumas boas cutucadas na maneira Bush de governar. Não chega a ser uma obra-prima, mas é o tipo de filme que precisa ser visto.

A trama gira em torno do jovem Dick Dandelion (Jamie Bell, em bela atuação), rapaz sensível e inseguro, que vive em uma pequena cidade chamada Estherslope (lugar minúsculo, lembrando Dogville e Manderlay), habitada em sua grande maioria por mineradores. Quem não trabalha na mina é considerado um perdedor (primeira cutucada ao modo "macho" norte-americano de ser). Influenciado pelo pai minerador, Dick chega a trabalhar no local uma semana, quando tem certeza de que ali não é o seu lugar. Certo dia, ele se depara com uma arma na vitrine de uma pequena loja, e resolve comprá-la para dá-la de presente de aniversário ao neto da empregada Clarabelle (Novella Nelson), quem realmente lhe criou e deu atenção, mas acaba ficando com a pistola, a qual pensa ser de brinquedo.

Trabalhando em um mercado, Dick se vê orfão, sem os serviços de Clarabelle, e descobre - neste lapso de perdição - que tem fascínio pelo pequeno revólver, mesmo sendo um pacifista. Desta forma, ele monta ao lado do colega de serviço Stevie (Mark Weber), outro loser, um clube secreto de adoração às armas. Juntam-se aos dois outros perdedores da cidade, como dois irmãos (um anda de muletas e outro vive apanhando no colégio) e uma garota que passa o tempo todo na loja da mãe. Eles resolvem se chamar de dândis, passam o tempo todo ouvindo The Zombies e batizam suas respectivas "amigas". A arma de Dick, por ser fina, como uma mulher, ganha o nome de Wendy. Os dândis então decidem praticar tiro ao alvo e estudar as armas, mas a principal regra é: nunca mostrá-las e só usá-las apenas dentro do clube. Aí, percebe-se a cutucada à discussão do porte de armas na América. Pacifismo, mas todos armados até que alguém perca a paciência e resolva usar sua pistola.

Desse ponto em diante o filme sofre uma reviravolta inesperada, e coloca os dândis em conflito com o xerife local Krugsby (bem construído e estereotipado por Bill Pulman), até então amigo de Dick. É quando a crítica fica um pouco mais explícita. Em certo momento da obra, dezenas de policiais híper armados enfrentam os garotos. A pergunta: pra que tanto poder de fogo para duelar com tão pouco (referência à maneira Bush de se impôr aos países mais fracos)? O final parece surreal e chega a lembrar aquelas cenas em que no fim do filme descobrimos que as personagens estavam sonhando, mas não é sonho. Está acontecendo. Parece exagerado, mas não é.

Querida Wendy é um filme leve (principalmente em comparação com as obras anteriores de Lars Von Trier), bem dirigido por Winterberg, que expõe algumas características do amigo, como ambientes escuros, closes, a pequena cidadezinha e a narração em off (no caso, feita por Dick). Chega a lembrar Dogville em alguns momentos, como na maneira de estereotipar as personagens e criticar os EUA. E não dá para negar que, atualmente, qualquer crítica bem feita, sutil, sarcástica e irônica ao governo Bush, nos deixa com um pequeno sorriso no canto da boca.

Não dá para generalizar as pessoas do país que deu ao mundo Elvis, Nirvana, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Kiss, Jack Kerouac e tantos mais, mas quando o assunto é política, é bem legal sacanear os Estados Unidos num modo de vingança artística. Querida Wendy não se resume apenas a isso em seus 101 minutos, e merece ser conferido por ser um om filme, com um bom elenco, e mais do que nunca, destacar uma temática atual. E tem uma dupla da pesada no comando.


Leia Também:
"Dogville", por Héctor Babenco
"Manderlay", por Danilo Corci
"Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças", por Marcelo Costa
O Mito Do Americano Médio, por Carlos Eduardo Lima

Site Oficial - 'Querida Wendy'