Manderlay
por
Danilo Corci Speculum
16//11/2005
Você gosta de ser manipulado? Mais. Aceita ser conduzido por caminhos que, com certeza, irão trazer dificuldades de entendimento, quando não derreter neurônios e convicções? Pois bem, goste ou não, o dinamarquês Lars Von Trier faz exatamente isto em todos os seus trabalhos.
Mentor do movimento Dogma 95, Trier tentou destruir as máximas cinematográficas em filmes como Os Idiotas. Depois, malandro, jogou às favas as antigas idéias para realizar o musical Dançando no Escuro. Ao assumir seu lado imprevisível, juntou as premissas do Dogma com as do cinema tradicional para iniciar sua trilogia sobre os Estados Unidos, em Dogville.
Agora, reforça ainda mais o olhar estereotipado sobre a cultura estadunidense ao realizar Manderlay. Sem vergonha alguma de admitir que não quer e não irá botar os pés em solo das listras brancas, Lars Von Trier realiza uma obra que é um idílio para quem está no baixo trópico, ainda temendo os cachos de banana de uma nova Carmem Miranda. Ao usar o feitiço contra o feiticeiro, Trier desvela os jeito de ser norte-americano como nem os mais virulentos cronistas poderiam conceber.
A fórmula revolucionária de Dogville é usada novamente em Manderlay, ou seja, sem cenário - apenas marcações - e força da atuação. A história retoma Grace (agora vivida pela genérica Bryce Dallas Howard com muita competência) no exato momento em que deixa a cidade onde ocorreram os eventos do primeiro filme e desemboca na pequena Manderlay. Ali, uma fazenda ainda mantém os costumes escravocratas. Grace, claro, como uma santa furiosa em missão, resolve intervir.
A paladina Grace encontra as fórmulas locais e resolve bater de frente, ser um modelo de libertação, de democracia, a princípio abençoada pelos negros locais, mas que, aos poucos, se revela uma armadilha sem fim. A discussão sobre passividade, desejo, racismo e, essencialmente, oportunidade são o cerne deste novo modo de enxergar os EUA pelas lentes de von Trier. Da questão da inserção na base da força, ao comportamento diante da liberdade, passando pela temida "força sexual negra", a desconstrução das ambigüidades e preconceitos estadunidense é realizada.
A liberdade preconizada pelos norte-americanos, segundo o diretor, é apenas uma força de opressão mercadológica, afinal, o que vale lá é o oportunismo, em qualquer forma. Não se engane, apesar de expor conflitos raciais, o filme é menos sobre racismo e mais sobre democracia e sobre o sonho estadunidense.
Manderlay é inferior a Dogville apenas no fato de as premissas estéticas já terem sido absorvidas. Os dois trabalhos possuem uma força literária impressionante, mas, de fato, só poderiam existir como cinema. E Lars von Trier continua aquele cínico de sempre: manipulador e um cretino que não hesita em jogar certas verdades na cara de quem quiser. Que o acusem de várias coisas, mas com Manderlay, ninguém pode chamá-lo de omisso. E omissão é o que mais se vê no cinema hoje em dia.
Leia também:
"Dogville", por Héctor
Babenco
"Dançando no Escuro", por Carmela
Toninelo
Links:
Site Oficial do filme
"Manderlay"
Texto
cedido pelo site Speculum
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