"O Grande Truque"
por Ronaldo Gazolla
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17/12/2006

Como em um bom número de mágica, O Grande Truque consegue escapar de uma armadilha que, nos tempos atuais, é quase infalível. O filme se insere naquele gênero de produção que parece se orgulhar de sua inteligência em enganar o espectador ao promover inúmeras reviravoltas na trama que obrigam uma releitura de fatos mostrados anteriormente. Mas, se na maioria das vezes esse método acaba por revelar falhas ou pura e simplesmente uma mudança sem o impacto sonhado na concepção da idéia, ao final de O Grande Truque a impressão que fica é que a história, ou pontos dela, ganha um segundo significado, mais complexo e abrangente em relação ao todo.

De fato, o filme parece sequer precisar se apoiar unicamente nas surpresas do roteiro, conseguindo se sustentar bastante bem apenas na questão da rivalidade e nas disputas entre os mágicos Angier (Jackman) e Borden (Bale). Ambos os intérpretes dos papéis fazem excelente uso do material que lhes é oferecido e estão escalados de forma a aproveitar suas especialidades como atores. Jackman usa todo seu carisma para transformar Angier em um mágico com mais presença de cena que o rival, ainda que não tão talentoso. Já Bale é o grande inventor, dono de uma personalidade pelo menos a princípio mais arrogante, criando novos números, mas nem sempre conseguindo o sucesso que poderia por não saber explorar todo o potencial de suas idéias.

Logo no início há a cena em que Angier morre diante de Borden ao tentar uma de suas mágicas. As implicações posteriores e as circunstâncias que levaram a este acontecimento serão mostradas a seguir. Partindo desde o tempo em que trabalhavam juntos como auxiliares, o roteiro acompanha o desenvolvimento da carreira dos dois mágicos que se tornam rivais após um trágico acidente. Sempre buscando um truque mais espetacular, ambos também procuram a ruína do oponente e estas duas corridas se tornam gradativamente uma obsessão tanto para Angier quanto para Borden, que não hesitam em recorrer a mentiras, roubos e traições para alcançarem os seus objetivos.

Esta é a base do filme. Pode-se dizer que se o filme fosse "apenas isso" já estaríamos no lucro. Christopher Nolan (Amnésia, Insônia, Batman Begins) comanda o espetáculo com grande sabedoria, medindo sempre os momentos em que é necessário ser mais espetacular, como nos números de mágica, com outros momentos bem intimistas e discretos, contando com duas belas interpretações da dupla central e com um Michael Caine próximo da perfeição, como o engenheiro encarregado de possibilitar os truques de Angier. Mas claro, existem a reviravoltas do roteiro, as mais importantes, claro, guardadas para o final.

Elas começam a tomar forma quando Angier recorre a Nikolas Tesla, interpretado por David Bowie, para que este lhe construa um máquina capaz de realizar "mágica de verdade" e que o próprio Tesla já teria criado para Borden. Logo no início do filme sabemos que essa máquina foi a usada por Angier em seu derradeiro espetáculo. E é a partir daí que o filme vai tomando um rumo cada vez mais espetacular, no sentido de fora do comum mesmo, envolvendo mágicas que nem sempre podem ser explicadas como simples truques. Embora essa parte final possa soar um tanto forçada, é justamente aí que toda a preparação anterior faz a diferença. Pois esse rumo não usual também lança novas luzes sobre o início da narrativa, dando novos significados e enriquecendo a trama de modo geral.

Assim, se o próprio filme constantemente parece nos perguntar se estamos olhando atentamente e se somos capazes de descobrir o truque, a sensação que fica ao final, como mais uma vez nos diz o próprio filme, é de que realmente não queremos descobrir esse truque. Queremos ser enganados. E desse modo, ao ser revelado, todo O Grande Truque ganha nova dimensão.

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