Zeca Baleiro e Wado no Bona Casa de Música (07/12)
Texto de Marcelo Costa / Foto de Marco Barbosa
“Quando conheci Wado em 2001 com seu primeiro disco, ‘Manifesto da Arte Periférica’, percebi uma voz cheia de personalidade e fiquei impactado”, revela Zeca Baleiro ao público que esgotou os ingressos do aconchegante (novo espaço do) Bona Casa de Música, no bairro do Sumaré, em São Paulo. “Ficamos amigos e começamos a fazer canções juntos, gravei algumas nos meus discos, ele gravou outras nos discos dele”, explica Zeca, e Wado completa: “Na pandemia, a gente trocava receitas via Whatsapp… e fizemos várias músicas”. Esse show em São Paulo marcava justamente o lançamento de “Coração Sangrento” (2024), o bonito álbum que Zeca e Wado compuseram naqueles dias difíceis. No Bona, porém, o clima é de felicidade com os dois contando histórias divertidas e desnudando as canções (apoiadas apenas em voz e guitarras, sem os elegantes arranjos de cordas do álbum) como se estivessem numa pequena sala com velhos amigos conhecidos. A ótima faixa título que abre o disco também abre o show seguida de “Alma Turva” (“Aposto que todo mundo tem um amigo que dá vontade de dizer ‘tu tá com alma turva, irmão’”, brinca Zeca), “Avatar” e “Carrossel do Tempo”. Lá pelas tantas, Wado canta “Stephen Fry” (de Zeca) com o amigo emendando a sua “Fita Bruta” e confessando: “Quando combinamos isso de você canta uma música minha que você gosta e eu canto uma sua, vimos que as escolhas eram sempre canções de fracasso (risos), porque o sucesso é banal, o fracasso é sempre mais instigante (mais risos)”. A dupla seguiria em frente alternando sucessos (“Bandeira”, “Salão de Beleza” e “Telegrama” de Zeca, “Melhor”, “Pavão Macaco” e “Uma Raiz, Uma Flor” de Wado) e novidades numa noite deliciosa de amizade, cumplicidade, boas histórias e ótimas canções.
Kokoko! no Sesc Avenida Paulista (13/12)
Texto de Marcelo Costa / Fotos de Fernando Yokota
Em novembro, o duo inglês Sleaford Mods dividiu o público paulistano com um set baseado em laptop e voz: Andrew Fearn soltava a base pré-gravada no computador e ia dançar desengonçado no fundo do palco enquanto Jason Williamson cuspia (literalmente) suas letras políticas no microfone. Foi impossível não se lembrar disso ao se deparar com o palco montado para o Kokoko! no Sesc Avenida Paulista: de um lado, uma mesa com teclado e programação, do outro um kit percussivo. Coletivo musical da República do Congo que, normalmente, se apresenta como quinteto, a versão do Kokoko! que debutou no Brasil trazia apenas o mago das teclas Débruit e o vocalista e percussionista Makara Bianko, a dupla que – devido as restrições da pandemia – realmente trabalhou no segundo disco, “Butu”, lançado em 2024. O resultado, diferente da provocação clara dos Mods (algo como “dance, mas preste atenção na porra da letra”), foi uma pancadaria rave em altíssimo volume envenenada pelas intervenções impactantes de Débruit e pelas marretadas de Bianko, ou simplesmente música eletrônica percussiva foda (algo como “preste atenção às nossas letras políticas cantadas em kikongo, francês, lingala e swahili, mas… DANCE, DANCE, DANCE”). Com samples de carros e trânsito (de costas para a Avenida Paulista), “Butu Ezo Ya” abriu a noite de forma intensa emendando “Likolo”, single do disco de estreia, “Fongola” (2019), e de cara deu pra perceber que a turma do gargarejo já sabia tudo de cor, mostrando que mesmo uma banda congolesa que muita gente desconhecia até o mês passado pode fazer uma apresentação incendiária se lhe derem oportunidade. Débruit e Bianko não desperdiçaram a chance: que showzaço.
Shelter no Carioca Club (15/12)
Texto e fotos de Bruno Lisboa
Formado por Ray Cappo no começo dos anos 1990 após o fim do influente Youth of Today, o Shelter ganhou notoriedade ao fundir hardcore, cultura straight edge, influências melódicas e temas Hare Krishna. Essa combinação rendeu muitos frutos, e Cappo seguiu lançados discos até 2006, quando impôs um hiato à banda. De lá pra cá, Ray reúne o Shelter esporadicamente mantendo vivo o legado do grupo, como pode conferir uma ótima audiência que marcou presença num domingo (15/12) no Carioca Club, em São Paulo, para ver, também, as bandas brasileiras Against The Hero (coesos com seus riffs pesados e melódicos que acamam canções existencialistas), Mais Que Palavras (que passou a limpo sua carreira com destaque para o trabalho mais recente, “Dual”, de 2021) e Bayside Kings (em uma apresentação eletrizante e memorável que privilegiou canções presentes nos EPs mais recentes). 24 anos após a última apresentação em solo paulistano, o Shelter revisitou canções de seu disco mais celebrado, “Mantra” (1995) – “Civilized Man”, o hit noventista “Here We Go”, “Appreciation”, “Empathy”, “Mantra” e “Message of the Bhagavat” – ao lado de números como “Better Way”, “In Defense of Reality”, “Song of Brahma” é “Hated to Love”. Tal como um líder religioso, um Ray Cappo radiante buscou conquistar os presentes com mensagens positivas quanto a vida e a necessidade constante de mudarmos nossos cotidianos de forma coletiva. Ao longo de pouco mais de uma hora de show, houve espaço no set para novidades como “Sarangati”, faixa que não figurava nas apresentações da atual turnê, e o bem-vindo retorno da cover para “We Can Work It Out”, dos Beatles, com “Shelter”, a música, colocando ponto final em uma grande festa krishnacore.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br