introdução por Diego Albuquerque
Faixa a faixa por Alex Tex
Alex Tex descreve seu trabalho como uma libertação pessoal. Nascido e criado em Natal, ele passou muito tempo tentando esconder seu lado artístico, mas também frequentando os espaços culturais da cidade. Agora, aos 33 anos, ele se entrega completamente à música, que para ele é uma necessidade, não uma escolha. “Eu brinco de fazer música desde criança, mas sempre fui muito inseguro e tive razões para ser”, comenta.
A carreira de Alex foi marcada por sua admiração pela cantora Marisa Monte, cuja obra influenciou suas primeiras composições e estilo. Seu nome artístico foi dado pela própria Marisa durante um de seus shows, e serviu como uma motivação para Tex finalmente se lançar. “Vi que finalmente estou no lugar certo, na hora certa e fazendo a coisa certa”, comenta Tex.
O disco “Desconsagrando” chega após o lançamento de um EP de três faixas e reflete essa jornada de auto descoberta e libertação, inspirado pelo synthpop e a house music, com influências de A-ha, Madonna, Pet Shop Boys e da música pop brasileira. O trabalho de Alex aborda temas profundos e pessoais. “Adoro canções de amor e tenho as minhas nesse disco, mas eu também precisava falar de neurodiversidade, não-monogamia, relações familiares invasivas…”, explica o artista.
Para entender um pouco mais o trabalho, Alex comenta o disco faixa a faixa abaixo. Dê play no álbum na sua plataforma de streaming preferida e leia abaixo:
01) Desconsagrando – Essa faixa é a força motriz desse disco. Quando finalizei a demo, senti que tinha encontrado meu estilo e que aquele era o som que eu queria fazer. Sabia que tinha algo poderoso nas mãos. O refrão saiu como um vômito, de uma vez só, está na música tal qual foi escrito. Foi uma descarga de raiva, naquele momento eu estava rompido com minha família e detestava quando vinham pra mim com aquele papo de “pai e mãe são sagrados”. Eu não sou cristão, então isso não faz o menor sentido pra mim. Pais e mães são seres humanos e podem ser pessoas horríveis. E às vezes a gente precisa desconsagrar mesmo, romper geral, impor respeito.
02) Maracujá em Flor – Foi inspirada em “Flor de Maracujá”, de João Donato e Lysias Enio, gravada e eternizada pela divina maravilhosa Gal Costa. É dessas canções que parecem psicografadas, saiu rapidinho, letra e melodia. Talvez seja minha melhor composição. Fiz pro meu companheiro, descrevendo o momento em que nos encontramos. Estávamos caminhando pela praia e num dado momento a maré encheu, nos deixando presos em cima de uma pedra, e entendi que era Iemanjá dando um empurrãozinho pra quebrar o gelo. Saiu no meu EP lançado em agosto, junto com “Desconsagrando” e “Desordem de Performance”, e pelo feedback que tenho recebido é a queridinha da maioria.
03) Polidireções – Sou uma pessoa não-monogâmica e queria falar sobre isso numa canção, mas não sabia como começar. Tudo que vinha à mente me parecia clichê demais, então fiquei uma semana empacado nessa ideia. Dias depois tive um sonho com Simone, uma cantora que amo desde a infância, e quando acordei me deu vontade de ouvir um disco dela. Quando ouvi ela cantar “Mar e Lua”, de Chico Buarque, me deu um estalo: vou escrever na terceira pessoa do plural. E assim nasceu “Polidireções”. Quando sentei pra produzir a demo no Fruity Loops, imaginei de cara ela abrindo com um hi-hat e uma linha de baixo de house music. É de longe uma das minhas favoritas, tenho o maior orgulho dela.
04) Virgem Nº 2 – Fiz uma viagem para o Rio de Janeiro em 2019 e fiquei maravilhado. Era a primeira vez que eu ia lá com calma e um simples trajeto de carro pela cidade já era algo de tirar o fôlego. Quando voltei pra Natal, fiquei com esses trajetos de carro na mente e me veio a ideia de escrever sobre a experiência, então queria uma canção que fluísse do início ao fim sem pausas nem refrão. Evoquei duas das minhas deusas cariocas, Marisa Monte e Marina Lima, e por incrível que pareça o título “Virgem Nº 2” só apareceu agora, com o disco já masterizado. Quis homenagear “Virgem”, de Marina, já que também sou virginiano e as duas canções tem esse link de versar sobre lugares do Rio.
05) Sexta-feira de Crise – É a minha “canção da pandemia” e curiosamente foi feita numa quarta. Talvez foi algo com a sexta anterior, não consigo lembrar porque na época eu passava 24hs chapado. Lembro de ter escrito a letra, gravado a demo e achado horrível, talvez por causa do nível de estresse em que eu me encontrava na época. Nem quis ouvir outras vezes, ficou lá jogada no meu HD esse tempo todo. Quando sentei pra ouvir todo meu material e escolher o que iria pro disco, no início deste ano, pirei com ela. Tem músicas que são assim, precisam de um tempo para maturar. Gosto da atmosfera épica que os synths criam no final, me lembra as coisas do A-ha, que é uma das minhas maiores influências.
06) Ele – Há uma faixa de Elis Regina chamada “Ela” que fala da solidão de uma mulher em seu apartamento. No final do ano passado, rompi com uma amizade de anos e estava me sentindo muito solitário, então me veio essa ideia de fazer “Ele”, a versão masculina da canção que Elis gravou. Fiz a letra e compus a melodia no violão, mas nesse processo de revisitar meu material encontrei uma base instrumental feita no Fruity Loops pra uma outra letra da qual não gosto. Para minha surpresa, a letra de “Ele” caiu como uma luva nessa base. Só precisei cortar alguns compassos e encaixou direitinho. Foi mágico.
07) Desordem de Performance – Ano passado recebi o diagnóstico de TDAH e isso explicou minha vida toda. E é claro que eu tinha que escrever algo sobre, mas como no caso de “Polidireções”, fiquei empacado na ideia. Até que um dia eu estava dando uma olhada nas minhas redes sociais e vi um post de um psicólogo explicando que o TDAH é uma desordem de performance: a pessoa sabe todos os passos, entende o processo, mas a execução é o que falha. Achei que “Desordem de Performance” era um excelente título de música e coloquei aquela ideia no papel evocando o Arnaldo Antunes que há em mim. E assim como “Ele”, a letra se encaixou perfeitamente numa base instrumental que eu já tinha.
08) Homem Criança Viada – Essa me deu muito trabalho. Assim como “Sexta-feira de Crise”, também foi feita na pandemia e também não gostei de cara. Mas havia um motivo a mais pra que eu implicasse com ela: a letra é muito, muito pessoal, mais do que todas as outras. Sou eu lidando com os traumas da homofobia na infância, versando sobre situações em que fui ridicularizado e desrespeitado. Tentei encaixar outra letra na base instrumental, mas dessa vez não rolou. Daí voltei pra ideia original, mas mudei todo o refrão e troquei de título inúmeras vezes. É uma canção que me deixa completamente despido, mas que é forte demais pra ficar entocada no meu HD.
09) Som Sagrado Feminino – Sou um fã ardoroso de vozes femininas. As cantoras ocupam praticamente 90% da minha coleção de discos. Quando criança, gostava de encostar no corpo da minha mãe pra ouvir a voz dela vindo de dentro, acho que já na gravidez me apaixonei pela voz dela e isso se refletiu no meu gosto musical. Sou louco por minha mãe e tive que testemunhar ela sofrendo violência doméstica durante toda minha adolescência, e essa canção fala um pouco sobre isso também. Quis encerrar esse disco pedindo licença à deusa-música, porque concordo com Nando Reis quando ele diz que a entidade música confunde-se com uma voz de mulher. E Gal é a inventora da cantora moderna brasileira, então coloco-a como figura central e representante de todas as deusas da música que me formaram.
– Diego Albuquerque é o criador do blog Hominis Canidae, um dos maiores repositórios de discos brasileiros da última década. O blog foi criado em 2009, no Recife, e divulga novos artistas e nomes indies da música brasileira, de norte a sul do país.