texto de Renan Guerra
O pequeno Samay, de 9 anos, mora numa pequena comunidade no interior da Índia. Sua grande paixão são as sessões no Galaxy Cinema, no centro de sua cidade. Apaixonado pela sétima arte, o menininho já sabe: seu grande sonho é ser cineasta – para o terror de seu pai. Proibido de assistir filmes, Samay consegue uma nova amizade que lhe coloca para dentro das sessões diariamente, enquanto ele cabula as aulas da escola. Entre ajudar sua família no trabalho, cabular as aulas e ver os filmes que ama, ainda sobra tempo para que Samay espalhe a sua paixão pela telona entre seus amiguinhos. Essa é a espinha dorsal de “A Última Sessão” (“Last Film Show / Chhello Show”), filme de Pan Nalin que estreou no Festival de Tribeca em 2021 – onde foi indicado ao Prêmio do Público na seção Narrativa – e no circuito indiano em 2022, e que chega agora à São Paulo com exclusividade no CineSesc.
Pan Nalin se tornou conhecido no circuito do cinema de arte em 2001 com seu filme de estreia, “Samsara”, e de lá para cá estabeleceu uma carreira sólida de autor, chegando até “A Última Sessão”, espécie de auto-ficção da própria infância de Nalin. Falado inteiramente em gujarati, um dos 22 idiomas oficiais da Índia, o filme se transformou em um sucesso de crítica tanto na Índia quanto no exterior tendo sido muito bem recebido em festivais em nos Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Japão e Argentina. Para coroar sua trajetória, o filme foi escolhido como o representante da Índia para o Oscar 2023 de Melhor Filme Internacional, sendo mencionado na shortlist prévia da Academia, em 2022.
Logo de primeira, “A Última Sessão” pode nos remeter ao clássico italiano “Cinema Paradiso” (1988), de Giuseppe Tornatore, e sim, os filmes têm suas semelhanças: duas crianças apaixonadas por cinema em uma história emotiva. De todo modo, há suas singularidades, pois cada cineasta constrói seus universos através do arcabouço do cinema de seus países, pois tanto a Itália quanto a Índia têm cinemas singulares. No filme de Pan Nalin, a história do cinema indiano é celebrada na tela, com inúmeras inserções dos filmes que o pequeno Samay assiste no Galaxy Cinema, especialmente dos filmes de Dhollywood – nome dado aos filmes produzidos na língua gujarati, amplamente falada no estado de Gujarat, região em que se passa “A Última Sessão”. Mas mais que essa rememoração das narrativas indianas, Nalin celebra as questões físicas do cinema, isto é, tanto a magia da sala, dos encontros daquele ambiente, quanto a magia que há nas películas, nas projeções e nos grandes rolos de filmes.
O Galaxy Cinema em que Samay costuma assistir seus filmes é abastecido com clássicos do cinema indiano, todos em grandes rolos de película. Por isso mesmo, o menino acaba desenvolvendo uma importante amizade com o projecionista da sala, que lhe apresenta a magia desse espaço e lhe auxilia a entender o funcionamento prático daquele espaço. Isso leva Samay a passar esses conhecimentos para seus amiguinhos, criando uma jornada de aventura bem ao estilo sessão da tarde, naquele mood “Conta Comigo” (Rob Reiner, 1986). No final das contas, Nalin faz de seu filme uma celebração apaixonada aos seus mestres do cinema: desde os diretores fundamentais da Índia, como Satyajit Ray (que ganhou uma retrospectiva na Mostra SP 2024); grandes nomes do cinema de autor, de Jean-Luc Godard a Akira Kurosawa; até os grandes mestres do cinema norte-americano, como Francis Ford Coppola e Steven Spielberg.
Com esses ingredientes todos, “A Última Sessão” se torna uma jornada emocionante e extremamente divertida, que nos cativa, nos levando dos risos às lágrimas, tudo isso movido pela paixão pelo cinema, entendendo as engrenagens de como se fazer um filme e utilizando isso a favor de uma grande história!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.