Entrevista: Fran Healy, do Travis, fala sobre os 25 anos de “The Man Who”, o disco novo e as comparações com o Coldplay

entrevista de Bruno Capelas e Igor Müller, do Programa de Indie
fotos de Fernando Yokota

Há quem acredite que a vida seja baseada em ciclos – e o escocês Fran Healy não só faz parte desse grupo, como também vê o ano de 2024 reprisar o passado. “Se você viver o bastante, você consegue ver alguns ciclos se repetindo. É como se a vida fosse um relógio”, diz o vocalista da banda Travis, que lançou nesta temporada o álbum “LA Times”. Para Healy, o trabalho é o “mais pessoal” que gravou desde “The Man Who”, disco de 1999 que ajudou a catapultar o grupo às paradas de sucesso globais com canções como “Writing to Reach You”, “Driftwood” e “Why Does It Always Rain On Me?”.

“Entre 1994 e 1995, muita coisa aconteceu na minha vida: tomei um pé na bunda, meu vô tinha acabado de morrer, mudei para Londres. As emoções daquela época ‘ensoparam’ o que viria a ser ‘The Man Who’”, recorda-se Healy. “Com ‘LA Times’, parece que eu dei a volta num ciclo completo e estou de volta a esse tipo de emoção: agora, eu moro em Los Angeles, depois de um tempo vivendo em Berlim, me separei da minha mulher e meu filho passou maus bocados na escola.”

Produzido por Tony Hoffer, “LA Times” também é o retorno do Travis a uma boa fase, depois de uma sequência de trabalhos que o próprio Healy considera fraca. “Os discos entre 2008 e 2018 não são os nossos melhores discos. São os discos que fiz sendo pai… e eu estava mais preocupado com meus filhos. Não consegui conciliar a banda com a paternidade”, revela em entrevista ao Programa de Indie (ouça o programa aqui), realizada durante a passagem do Travis pelo Brasil no início do mês – e agora publicada na integra no Scream & Yell.

Na conversa, constantemente interrompida por ligações do filho, Healy também fala sobre a vinda à América do Sul (“Minha mãe perguntou como as pessoas conhecem a gente lá e eu mesmo não soube responder”), escolhe os cinco discos que levaria para uma ilha deserta e pondera sobre a passagem do tempo no 25º aniversário de “The Man Who”, produzido por Nigel Godrich. “Ele é um gênio, sempre foi, mas tivemos a sorte de trabalhar com ele quando estava no auge”, diz.

O escocês também fala sobre as constantes comparações com o Coldplay, cujo vocalista, Chris Martin, não só participa do disco novo em “Raze the Bar”, como também já declarou várias vezes que o Travis foi o molde para sua banda. “Não consigo pensar em duas bandas que são mais diferentes”, diz Healy. “Mas se há algo em comum, é o fato de que não precisamos pagar aluguel para viver na cabeça das pessoas.”

Fran, para começar, queria dizer que é um prazer estar aqui.
Fran Healy: Para mim também! Estou no Brasil, nem dá pra acreditar!

É sua segunda vez aqui, certo?
Yeah! Até estava falando com a minha mãe esses dias. Ela perguntou para onde eu ia e eu disse que estava indo para o Paraguai, depois para o Brasil… e ela: “mas como raios as pessoas conhecem vocês lá?”. E eu mesmo não sei responder! Não é incrível? É muito legal estar aqui. (olha para a janela e vê a chuva) Vocês até nos deram um clima bem familiar, obrigado!

Parece que está sempre chovendo em cima de você!
It’s fucking always raining on us! Nós fomos tocar no Paraguai e… na verdade, não tocamos no Paraguai. O show foi cancelado por conta da chuva! Estava chovendo tanto que não pudemos entrar no palco. Estávamos no backstage, prontos para entrar, e o nosso tour manager disse que não ia rolar. Disse que estava na hora do show, mas todo o palco estava molhado. Esperamos por umas duas horas e aí acabaram cancelando o show. O que fez o show do Brasil ser o primeiro show da turnê!

Ainda bem que o show é num lugar fechado aqui!
Graças a Deus!

Vamos começar pelo disco novo de vocês, “LA Times”. Você já disse algumas vezes que é o seu disco mais confessional desde “The Man Who”. O que você quis dizer com isso?
É o meu disco mais pessoal. Espera, meu filho está me ligando. (atende o telefone) “Ei, eu estou numa entrevista, preciso ir.” (desliga o telefone). Bem, para entender isso vamos ter que voltar ao passado. Entre 1994 e 1995, muita coisa estava acontecendo na minha vida. Eu tinha tomado um pé na bunda, estava numa banda em que as coisas estavam meio difíceis, meu avô tinha acabado de morrer, eu tinha me mudado para Londres… foi uma época muito intensa do ponto de vista emocional. E esse foi o clima que gerou “The Man Who”. Não é que as canções tenham exatamente surgido ali, mas o espírito do disco veio dessa época. É como se aquela época fosse um caldo em que o disco fosse mergulhado, sabe? As emoções daquela época ensoparam o disco. Com “LA Times”, parece que eu dei a volta num ciclo completo e estou de volta a esse tipo de emoção. Agora, eu moro em Los Angeles, depois de um tempo vivendo em Berlim. Eu me separei da minha mulher. Meu filho estava passando maus bocados na escola e ficou bem doente. E não vou dizer que a banda estava num período difícil, mas… a verdade é que estou sempre lutando pela banda. Estou sempre tentando compor, pensar em novas canções e fazer algo diferente. (toca um alarme). Vou matar meu filho! Ele faz isso: usa o Find My iPhone só para me forçar a ligar para ele. Com licença, por favor.

Claro!
“Filho, estou numa entrevista. Sim, posso te ouvir. Falo contigo mais tarde…”. Ele já desligou! Pô, acredita?

Acredito!
Mas eu estava falando de “LA Times”… Los Angeles é uma cidade interessante. Sinto que esse disco tem muito a ver com a cidade. Acho que se você viver o bastante, você consegue ver alguns ciclos se repetindo. É como se a vida fosse um relógio. Se você viver o bastante, se chegar aos 70, talvez você volte a se sentir como se tivesse 12 anos. É uma época em que você não liga pra nada ou ninguém, mas você começa a pensar sobre a morte. Aos 12 e aos 70, ninguém talvez te leve muito a sério. A vida se repete. Acho que eu completei um círculo desde “The Man Who”. Tanto que, quando fomos decidir o nome da turnê, achei que devíamos chamá-la de “Raze the Bar”, algo como “detonar o bar”. Temos um conceito bem abstrato na produção do show, que é pensar o concerto como um dia em Los Angeles. E para ilustrar isso, no fundo do telão desenhamos um círculo gigante. Foi algo que fiz logo que a banda se mudou para Londres nos anos 1990: pintei uma parede de verde e desenhei um círculo gigante em cima. Não sei bem qual era o significado, mas achei que era algo poderoso. Hoje, entendi: é um ciclo. Também preciso dizer que havia um peso muito grande no nosso disco anterior, “10 Songs” – até porque acho que os três discos que vieram antes dele não são tão bons assim, sabe? Posso estar exagerando, mas são discos que fiz sendo pai. Eu estava mais preocupado com os meus filhos. Eu não tive pai… e não acho que dá para fazer duas coisas ao mesmo tempo. Não consegui conciliar a banda com a paternidade. Felizmente, meu filho está bem – e me enchendo a porra do saco!

É engraçado você comentar tudo isso, porque existe um certo mito de que artistas felizes não fazem boas canções. Que é preciso estar mal ou de coração partido para fazer boa arte…
(interrompe) Acho que é o clima do nosso último disco, “10 Songs”. Se você ouvir bem, cada uma das músicas é sobre o meu divórcio. Eu poderia explicar tudo para você direitinho. Também acho que “Live It All Again”, do disco novo, é sobre o divórcio. Mas a maior parte de “LA Times” é sobre outros assuntos.

O que eu queria perguntar é um pouco mais amplo do que isso. Queria entender se você consegue separar o que acontece na sua vida e no seu trabalho. É possível?
Não, não posso! É por isso que os discos entre 2008 e 2018 não são os nossos melhores discos. Era simplesmente porque eu não conseguia ser um bom pai se estivesse focado na banda – ou, pelo menos, o que imagino que é ser um bom pai. Sou um cara muito focado nas coisas que faço, como se usasse um laser! E naquela época, eu não conseguia focar na banda. Nós lançamos discos porque era o trabalho que precisava ser feito, para manter as coisas rolando. Mas não acho que sejam bons discos. Estava escutando eles outro dia enquanto dirigia e é engraçado: nossa carreira começa intensa e depois o nível cai. E o nível volta a subir em “10 Songs” e nesse disco agora. Isso é a paternidade. Não dá pra fazer duas coisas ao mesmo tempo, porra. Ou você tem uma banda e seus filhos sofrem com isso – e eles vão sofrer, garanto.

Não dá pra ter uma banda sem ficar fora de casa!
Pois é. Mas mesmo se você estiver em casa, a banda é tudo! Não existe nenhuma banda que seja gigantesca em que a banda não seja o foco total de quem está nelas. Se você quiser ter sucesso, a banda precisa ser a maior prioridade de todas. E eu fiz isso. Mas assim que eu virei pai, eu falei “foda-se”. Eu não tive pai. Talvez se eu tivesse tido um, eu poderia ligar o foda-se, mas não era isso que eu queria fazer.

Travis durante show em São Paulo em 2024 / Foto de Fernando Yokota

Algum arrependimento?
Não, claro que não. Zero! Talvez meu filho se arrependa por mim… (risos).

“Raze the Bar”, a canção que dá nome à turnê atual do Travis, é uma das músicas do novo disco. Ela tem uma participação especial de Chris Martin, do Coldplay, que já disse várias vezes que o Travis foi o molde para a criação do Coldplay. Eles são o que a gente pode chamar de uma banda gigantesca.
Eles são a maior banda do mundo hoje!

E tem muita gente que acha isso meio injusto, porque o Travis é a banda que o Coldplay queria ser, mas o Coldplay é maior!
Eu não consigo pensar em duas bandas que são mais diferentes.

Sério?
Somos diferentes em muitos jeitos. Nós somos uma banda formada numa escola de artes. Eles são uma banda universitária. Eles são uma banda acadêmica, nós somos uma banda… puta, sei lá, uma banda “não vou pra faculdade!” Pessoalmente, acho que as melhores bandas vêm das escolas de arte.

Isso é uma coisa muito britânica!
É verdade. Mas preciso reconhecer: se há uma coisa que as duas bandas têm em comum, é o fato de que somos dois compositores firmes, melódicos. O que temos em comum é que não precisamos pagar aluguel pra viver na cabeça das pessoas. Chris é um grande melodista e sempre estou de olho no que ele está fazendo – e sei que ele faz o mesmo comigo! Mas eu não queria estar na maior banda do mundo. Na verdade, eu não quis. A questão aqui é que você pode ter o que quiser na vida – e eu queria ter privacidade. Eu queria ter uma vida normal, porque sinto que preciso viver para escrever canções do jeito que eu gosto. Preciso ser uma pessoa normal. Não consigo escrever se estou no topo do Everest com um tanque de oxigênio. Chris consegue. Aqui, uso a altitude como um exemplo do quão longe você pode levar uma banda. O Travis chegou alto. Não chegamos ao topo do Everest, mas fomos alto. E se você chegar ao topo do Everest, provavelmente encontrará Chris jogando tênis com Bono – e os dois estão sem tanque de oxigênio! Não sei como Chris consegue fazer isso, mas ele consegue. Algumas pessoas são feitas para viver nesse tipo de altitude. Já eu preciso estar no chão. Somos bandas diferentes, pessoas diferentes. Mas Chris é um cara incrível. Eu o conheço durante toda a minha carreira e nunca ouvi ele dizer nada de ruim sobre qualquer banda. Eu? Eu não! Xingo e reclamo de todo mundo. Porra, sou terrível. A última vez que eu o vi, lembro de dizer pra ele que o que ele estava fazendo era fenomenal, porque ele era capaz de ser uma força para o bem e trazer alegria pras pessoas. É fenomenal. Precisamos de bandas assim. Mas também precisamos de bandas que façam o que eu faço, que é um pouco diferente.

Já falamos um pouco de “The Man Who” nesse papo, mas preciso voltar a ele. O disco está completando 25 anos em 2024.
Isso não é incrível? É doido!

Parece outro dia! Você reflete sobre a passagem do tempo? (vê que Fran está olhando para o telefone). Seu filho está ligando de novo?
Não, dessa vez não. Mas queria te mostrar uma coisa. Estava esses dias falando com o produtor que fez esse disco sobre aquela época. É um disco incrível. (mostra o celular com o nome Nigel numa conversa). Cara, a gente teve muita sorte em ter trabalhando com o Nigel. Acho que ele é o melhor de todos. Na minha opinião, ele talvez esteja até mais alto do que George Martin.

O Igor provavelmente é o maior fã da história de Nigel Godrich.
Ele é um gênio. Lembro de estar na sala enquanto ele estava fazendo suas coisas de gênio. Tenho uns vídeos de quando ele estava fazendo a produção de “Sing”. Não sabia que tínhamos essa filmagem, mas um amigo me mandou um HD cheio de vídeos daquelas gravações. Tem 30 ou 40 horas das gravações desse disco. E nós temos um vídeo de Nigel sendo um gênio. Sabe o começo de “Sing”, em “The Invisible Band”? A gente tem isso gravado sendo feito! Sabe o começo de “Paranoid Android”, aquele “cting cting”, e todo o som ali, o espaço no estúdio? Ou o começo de “Kid A”? Isso é Nigel sendo genial. E tivemos muita sorte de tê-lo conosco. Ele é a porra de um gênio, sempre foi, mas tivemos a sorte de trabalhar com ele quando ele estava no auge. Ao ouvir “The Man Who”, não parece que é um disco que tem 25 anos. Parece que ele saiu semana passada. É um disco tão atual, a produção é incrível, tem um som tão incrível. Juro que não é culpa minha. Eu só escrevi as músicas, mas quem fez aquele som foi o Nigel. Não é culpa minha!

Para fechar a entrevista, Fran, temos uma coisa meio clássica no Programa de Indie. É uma coisa meio Nick Hornby!
Oh god!

Queremos saber quais são os cinco discos que você levaria para uma ilha deserta.
Sabe, eu morava em Crouch End, onde Nick Hornby escreveu “Alta Fidelidade”. É bem onde eu morava! (risos). Nick Hornby… uau. Ok, ilha deserta. Eu levaria “Blue”, da Joni Mitchell. Eu levaria… (pensa bastante). Porra, cara… eu definitivamente levaria um disco de Chet Baker. Não consigo lembrar o nome.

“Chet Baker Sings”?
Sim! Obrigado! É um que tem uma capa muito bonita. (respira). Porra, cara. Essa é uma pergunta muito difícil. (risos). Deveria ser fácil! (pensa um pouco). Acho que talvez “Music for Airports”, porque… é Brian Eno, sabe. E isso me leva a pegar “Revolver”, dos Beatles. Mas não só o “Revolver”: quero a versão de aniversário que saiu em 2023. É insana. Vocês ouviram? Porra, sabe: tem um pedacinho em que John e Paul estão conversando com os músicos antes de gravar “Eleanor Rigby”. E aí John pergunta: “what do you think, Paul”, “uh, I don’t know!”. É incrível. Eu levaria essa edição, claro. E para fechar, “Paris Texas”, de Ry Cooder.

Que baita lista. Eu visitaria a sua ilha. Talvez ela não fosse tão deserta assim.
É uma ilha bem mellow. (risos)

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

One thought on “Entrevista: Fran Healy, do Travis, fala sobre os 25 anos de “The Man Who”, o disco novo e as comparações com o Coldplay

  1. Capelas filho, descobri sua página meus discos etc…foi uma boa descoberta, eu que até talvez tenha idade pra ser teu pai, ando precisando de textos bons pra ler. Ali os encontrei. Parabéns

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