texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari
Responsáveis por um dos grandes discos nacionais de 2010 (segundo melhor álbum do ano na votação do Scream & Yell – veja aqui), o Apanhador Só decidiu rearranjar algumas músicas de seu álbum de estreia adaptando-as para os locais em que a banda é “forçada” a se apresentar de forma acústica. O resultado desta necessidade é “Acústico-Sucateiro”, que os gaúchos estão disponibilizando para download e vendendo/trocando em fita cassete.
Fita cassete? Pergunta o leitor. Isso mesmo. Segundo a Wikipédia, o cassete é um tipo de gravação de áudio lançado oficialmente em 1963, que era basicamente o mesmo que a gravação em bobinas, só que os carretos e todo o mecanismo de movimento da fita se encontravam dentro de uma pequena caixa plástica, facilitando o manuseio e a utilização. E isso gravava e tocava música (saiba mais aqui).
Inspirados nos objetos que a percussionista Carina Levitan usava no começo do Apanhador Só, o quarteto decidiu rearranjar músicas como “Nescafé”, “Maria Augusta”, “Prédio” e “Um Rei e Um Zé” utilizando sons de conduíte, cantil (de escoteiro), panela, walkie talkie, sineta de recepção e outros objetos (o encarte lista todos) gravados na sala do vocalista e guitarrista Alexandre Kumpinski.
O Scream & Yell cedeu um lote de fitas para o projeto e conversou com o guitarrista Felipe Zancanaro um dia antes da banda se aventurar em apresentações acústico-sucateiras em locais inusitados de São Paulo (no Viaduto do Chá, na Avenida Paulista, na frente da Galeria do Rock, na frente do Parque Trianon): “A gente chega e toca. Leva fitas, CDs, camisetas e sai antes da polícia nos pegar (risos). Pode acontecer”, diz Felipe.
Você pode baixar “Acústico-Sucateiro” no www.apanhadorso.com (o arquivo traz a arte completa do cassete permitindo que você faça uma fita ‘quase’ igual em casa – a versão oficial traz extras) e conferir na agenda da banda quando será a próxima “intervenção” do Apanhador Só. “A gente chama de intervenção para as pessoas entenderem que a gente pode ser chutado dali”, brinca o guitarrista. Abaixo, o bate papo.
Como surgiu a ideia deste projeto?
Em um bate papo com a Juli Baldi, radialista da Oi FM de Porto Alegre. Nós estávamos na rádio falando dos nossos próximos lançamentos, e no final estávamos conversando, e ela sugeriu: “Vocês poderiam lançar isso em fita cassete”. Isso casava com algo que já vínhamos com vontade de fazer e caia muito bem com a ideia do disco, de ser sucateiro, de mexer com sucata e de alguma forma reciclar coisas e transformá-las em instrumentos. Tem tudo a ver com a estética. A idéia deste “Acústico-Sucateiro” não é a de ser nosso segundo disco, até porque são basicamente regravações – em arranjos diferentes. Mas era algo que a gente tinha e precisava registrar.
A fita cassete fez parte do cotidiano de vocês?
Muito. Estava olhando as suas fitas e uma das coisas que eu fazia muito quando era guri, e não tinha grana para comprar disco, era comprar fitas virgens, pegar os discos dos amigos e passar para elas. Xerocava as capas e remontava ela artisticamente para caber na fita. Recriava a capa do disco para o cassete, onde o espaço é mais limitado.
E rolava as fitinhas temáticas para alguma possível paquera…
Sim, igual os caras fazem hoje em CD. Sei que o Alexandre (Kumpinski, vocalista e guitarrista) também tem um monte de fitas cassete em casa. Todos tinham, e a idéia inicial era a gente juntar todas as fitas que tínhamos em casa e gravar em cima. Algo bem reciclável. Depois vimos que havia várias que já estavam deterioradas e algumas que tínhamos dó (de gravar em cima). Aprendi a escutar Radiohead em fita cassete. O meu carro tinha toca-fitas. Era do tempo que não se roubava toca-fitas (risos). E eu gravava Radiohead nas fitinhas, reproduzia os encartes, que são fantásticos, e levava no carro. Era onde eu mais escutava.
Eu gravava muito cassete para ir ouvindo até a faculdade. E teve um tempo que rolou uma paixão por uma garota em que ficávamos trocando fitas temáticas…
O Ian Ramil, filho do Vitor, que é nosso amigo e compositor de algumas músicas (do Apanhador Só – como “Nescafé e ”Um Rei e Um Zé”), no começo criticou um pouco: “Como é que as pessoas vão escutar isso no carro? Vocês vão distribuir em fita?”. Mas não é só isso: tem o download também (no site oficial). O cara baixa e grava o disco. Só que ele pegou uma fita e ressuscitou o rádio (e ficou impressionado): “Cara, comparando o que tu escuta, o grave, as texturas são muito melhores no cassete”. E tem o fato de ser corrido, porque ele foi gravado para ser ouvido assim. Colocamos muitas intervenções entre as músicas. Barulhinhos. Bobagens que a gente foi gravando em casa. Não tinha aquela pressão de estúdio. Nos sentimos muito livres para gravar. “Ah, o cachorro latiu”. Deixa, sabe. E a máquina de lavar estava funcionando, então vamos gravá-la. A mãe do Alexandre vem e canta “O Rei e o Zé”. Caminhão de lixo gravamos uns quatro para escolher o melhor.
Como as pessoas estão reagindo?
Muito bem. Melhor do que eu pensava. Primeiro porque o disco ficou muito melhor do que a gente esperava. Achávamos que iria ser um registro caseiro das ideias que a gente tinha porque estávamos fazendo muito pocket show. A Carina Levitan já usava percussão com o Apanhador Só antes de ir para Londres, mas ficamos desfalcados um tempo. Só que a necessidade dos pocket shows (em livrarias) fez com que a gente ressuscitasse essas ideias. Começamos a fazer arranjos e começou a ficar bacana. No inicio era tudo muito aleatório. A gente tocava qualquer coisa (carrinho de fricção, gaiola) e até hoje estamos experimentando…
O que tem de instrumento neste disco? Você estava falando de gaiola…
Gaiola a gente usou para gravar uma versão de “Ramão”, do Paul McCartney, para uma coletânea organizada pelo site Rock ‘n’ Beats (baixe aqui), mas tem conduíte, cantil (de escoteiro), panela, walkie talkie, que é muito doido. Ele era do meu pai, quando ele tinha a minha idade, e eu brinquei muito quando era criança. Eu abri o walkie talkie e coloquei um monte de potenciômetro, e estamos usando ele para fazer uns solos ou código Morse (como em “Maria Augusta”), uma coisa meio funk carioca. Tem ralador de queijo, que parece reco-reco, uns tecladinhos de R$ 1,99, grelha, que já é mais antigo, algo que a Carina trouxe. Ela fez ainda uma coisa muito bacana que chamamos de móbile de chaves: é um escorredor de batata fritas com chaves amarradas na parte debaixo. Colocamos uns violãozinhos de brinquedo em “Na Ponta dos Pés”, a única música inédita do disco.
Como vocês estão pensando o disco novo?
A gente não está pensando exatamente… claro, estamos pensando porque temos vontade de lançar um segundo disco, mas ainda não temos repertório consistente e suficiente. Temos “Na Ponta dos Pés”, que não é nova, tocamos desde o lançamento do primeiro disco, então o público já conhece. Tocamos em Marília e nunca tínhamos ido para lá, mas haviam pessoas cantando “Na Ponta dos Pés”. Inclusive tinha um cara cantando uma outra que chamamos de “Torcicolo”, mas ainda não tem nome definido. É uma música que tocamos nos últimos dez shows, acho. Tem outra novíssima, “Paraquedas”, que tocamos em Pelotas e no Opinião, em Porto Alegre, apenas. É uma música bem climática. Estamos trabalhando. Existem algumas outras que a gente está tentando encontrar o lugar delas, mas não está achando. Tem uma versão do Tom Zé, “Menina, Amanhã de Manhã”, que chegamos a cogitar colocar no disco, e agora não sabemos se vamos colocar ou não. Devem ser umas seis ou sete músicas que a gente vai revezando e experimentando nos shows.
O que funciona no ensaio, funciona nos shows?
Nem sempre. No ensaio, tem coisas que a gente entra numa doidera e fica do caramba. Chega ao palco e a gente percebe que o clima não é aquele. Não sei. De repente são músicas que só vão funcionar no disco, ou a partir dele, como foi com “Um Rei e o Zé”, que até gravarmos não era uma música forte. E na gravação, o (Marcelo) Fruet foi mexendo em algumas coisas, nós também, a música foi virando um Frankenstein até que chegamos ao conceito que ela virou. E hoje ela é uma das mais fortes do show.
E até ganhou clipe…
Pois é. Tomamos como postura ousada colocarmos ela como primeira música do disco porque não sabíamos o que pensar dela. Mas o público decidiu. A música tomou tal proporção que ela acabou se transformando em uma “música de trabalho”. Virou o segundo clipe (o primeiro é da canção “Prédio”).
E os shows?
Cara, uma amiga do Fernão (Agra, baixista), que é professora em Porto Alegre e está começando a ensinar música para crianças, convidou a gente para ir lá tocar e foi uma experiência fabulosa. Ela tinha ensinado a primeira parte de “Maria Augusta” para as crianças, e quando chegamos lá as crianças cantavam “se por acaso tu disser que não me quer, eu vou correndo arranjar outra mulher” (risos). Foi de chorar. E fizemos esse lance do acústico, e as crianças ficaram encantadas com as “sucatas”. Eram umas 20 crianças e tínhamos uns 20 instrumentinhos. Cada uma batia de um jeito, uma barulheira (risos). Lembrou muito algo que só tem na fita: no final a gente sobrepôs algumas faixas aleatórias e ficou uma doidera. Tem várias coisas que só tem na fita cassete. “Pouco Importa”, por exemplo.
O show de lançamento em Porto Alegre foi em três partes: na sala da casa do Alexandre, que é bem grande. Montamos o palco e convidamos amigos próximos, pessoas envolvidas e alguns jornalistas. Tocamos entre amigos – bebendo vinho e comendo bombomzinho (risos). Depois fizemos no Ocidente, um bar clássico de Porto Alegre. Reproduzimos uma sala no palco. Colocamos sofá, televisão, videogame, mesinha de centro, um monte de referencias dos anos 90. A iluminação era concentrada em abajures. Tocamos dentro de uma sala, sentados em sofás e cadeiras. Ficou demais. Depois, o terceiro show aconteceu em um sábado, no Parque da Redenção (em Porto Alegre). Só avisamos na internet. Chegamos lá, sentamos, juntou uma galera e foi bem legal
E está rolando esse escambo das pessoas trocarem cassetes com a banda?
Sim! A pessoa leva cinco cassetes em bom estado e ela leva a nossa. A que estamos distribuindo ainda são as fitas novas que conseguimos comprar, mas já estamos recebendo várias de trocas. Muita gente levou no primeiro show em Porto Alegre. E logo vão começar a circular essas – que explicamos em um texto:
“A Apanhador Só propõe um sistema de escambo que visa a reutilização de materiais. Em troca de cinco fitas cassete fora de uso (em bom estado), a banda oferece uma fita do Acústico-Sucateiro – com projeto gráfico completo – reutilizada a partir de uma fita trocada anteriormente. As músicas presentes originalmente no lado B de todas as fitas recebidas pela banda através desse sistema são mantidas intactas. Dessa forma, se você tem em mãos uma fita reutilizada, poderá ouvir o que alguma pessoa, algum dia, já gravou nesse lado da fita. Torcemos pra que feche com o teu gosto”.
É bacana. Daqui a pouco a pessoa pega uma dessas suas fitas, e algumas delas você contou que são demos de bandas, e essa pessoa vai ouvir algo que ela necessariamente não comprou, e pode gostar ou não, mas está ali. É um dos meus sonhos realizados: lançar uma fita cassete. O próximo (sonho) é lançar um vinil.
Leia também:
– “Apanhador Só mostra um interessante mosaico de influências”, por Adriano Costa (aqui)
– Melhores de 2010 Scream & Yell: “Apanhador Só”, o segundo melhor disco do ano (aqui)
– Qual música te define? Texto sobre fitas cassete e declarações, por Marcelo Costa (aqui)
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