texto de Gabriel Pinheiro
Na cultura ocidental, é comum pensarmos em uma cor específica para o luto: o preto. Porém, em diferentes culturas orientais, incluindo parte da Coreia do Sul, uma outra cor representa esse processo tão único e doloroso: o branco. Essa cor, que é o resultado de todas as cores combinadas, parece uma interessante síntese do turbilhão de sentimentos que nos invade no processo de luto. É ela a cor que dá nome e direção ao livro mais recente publicado no Brasil da escritora sul-coreana Han Kang, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura. Lançado pela Todavia Livros, “O livro branco” conta com tradução de Natália T. M. Okabayashi.
Han Kang resgata uma história íntima e particular de sua família em “O livro branco”, mais precisamente de sua mãe. A perda da primeira filha, com poucas horas de nascimento, após um tortuoso e solitário parto. Esta irmã mais velha acompanhará Han Kang desde o nascimento, uma ausência presente que passa a significar, inclusive, uma condição para o nascimento e para vida da escritora sul-coreana.
“Cresci dentro daquela história. O mais indefeso de todos os filhotes de animais. A linda bebê, branca como um bolinho de arroz em forma de lua. A história de como nasci e cresci no lugar da morte dela.”
A autora começa a escrever o livro durante um período de vivência em uma cidade europeia – na época, tomada pela neve – símbolo da resistência anti-nazista. O local foi fortemente bombardeado durante a segunda guerra mundial, transformando-se quase que inteiramente em um grande campo tomado pelo branco dos prédios destroçados. Han Kang faz um interessante gesto ao dialogar uma memória coletiva e a memória particular. Apesar do trágico acontecimento, esta cidade pouco a pouco se reconstruiu, ainda que as marcas do passado sigam, como cicatrizes, acompanhando-a no presente.
“Aquela cidade foi a única da Europa a se revoltar contra os nazistas, e durante o mês de setembro de 1944 conseguiu conquistar sua autonomia ao expulsar o Exército alemão. Hitler, então, ordenou que fossem usados todos os meios possíveis para exterminar a cidade, para que ela servisse de exemplo.”
Em “O livro branco”, Han Kang parte para a elaboração de um luto por uma irmã que não conheceu. Tomado por objetos brancos – a neve, o sal, o quebrar das ondas, o bolinho de arroz branco como a irmã recém nascida – o livro é um interessante exercício de forma, construído a partir de breves capítulos numa prosa marcadamente poética, que parecem apontar para uma aproximação com a performance artística.
Essa sensação é reforçada por uma série de fotografias que acompanham a publicação. Nestes registros, tomados pelo branco do cenário e dos objetos, observamos a própria Hank Kang em uma performance realizada em seu país natal. “O livro branco” é um olhar sensível e original para a morte, a perda, o luto e, especialmente, a reconstrução, apesar de.
“No escuro, alguns objetos parecem brancos. Quando uma luz fraca escapa na escuridão, mesmo aquilo que não era tão branco emite um brilho pálido.”
– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel.