entrevista de Bruno Lisboa
Saulo Duarte é músico, compositor e produtor que nasceu em Belém do Pará, mas fez de São Paulo sua casa desde 2008. O músico paraense esteve por 8 anos à frente do projeto Saulo Duarte e a Unidade, com quem lançou três discos elogiados – “Saulo Duarte e a Unidade” (2012), “Quente” (2014) e “Cine Ruptura” (2016). A partir de 2018, Saulo deu início a carreira solo com “Avante Delírio”, seguido por uma série de singles e EPs, e chega agora com “Digital Belém” (2024), seu segundo álbum.
Como o nome adianta, “Digital Belém” propõe uma fusão entre o digital e o regional, e, para isso, Saulo precisou se reconectar com sua terra natal. Um passo já havia sido dado no EP “Jamenvú”, de 2023, dividido com Aldo Sena, um dos mestres da guitarrada paraense. Para “Digital Belém”, não só Aldo foi convocado como também Manoel Cordeiro (“Produtor renomado que ajudou a solidificar o que chamamos de pop amazônico”, explica Saulo) e Layse, “uma joia da nova geração paraense”.
Na conversa abaixo, Saulo Duarte rememora suas origens musicais, conta de seu trabalho ao lado de nomes como Russo Passapusso, Curumin, Anelis Assumpção e Ava Rocha, entre outros, revela as intenções nesse mergulho eletrônico em sua terra natal com “Digital Belém” ao lado do produtor e parceiro Lucas Martins, e, feliz e empolgado, diz que seu novo show está um “autêntico baile do terceiro mundo”! Confira o papo!
Ao ouvir sua discografia solo, pude notar que sua sonoridade é bastante diversificada, com muito foco em ritmos latinos e na música popular brasileira em suas mais variadas facetas. Nesse sentido, como se deu o início de sua relação com o universo da música?
Minha formação musical se deu de forma despretensiosa e autodidata, pelo menos num primeiro momento, e acho que parecido com todo brasileiro. Na minha infância, em Belém do Pará, convivi e ouvi os mais diversos ritmos, de forma indireta através das rádios e do que os adultos da minha convivência ouviam. Naturalmente, absorvi as influências nortistas como brega, carimbó, guitarrada, cumbia e lambada e, mais pra frente, já na adolescência e de forma mais consciente, me aproximei de ritmos como o reggae, o rock e outras vertentes da música brasileira… Acho que, como todo brasileiro, a gente absorve muitos ritmos ao longo da vida. O Brasil é um país de dimensões continentais e com uma cultura muito vasta e diversa. Como viajei muito, desde sempre, a absorção desses ritmos e influências se deu de forma natural, sendo tecida ao longo dos anos e dessas viagens.
Você atua em diversas frentes seja como musicista, produtor e/ou compositor. Por mais que estes segmentos dialoguem diretamente, quais são as alegrias e desafios inerentes ao se atuar dessa maneira? E ainda: você tem predileção por alguma delas?
Penso que o desafio maior ao transitar por essas funções seja o de identificar o que cada projeto quer de você e entregar exatamente o que é pedido. Claro que, como você bem observou, os universos se misturam e a bagagem de músico contribui para as produções musicais, por exemplo, mas cada frente dessa tem funções específicas e o barato, pra mim, está em entender o que cada projeto pede pra poder colocar toda a bagagem a favor.
Seu trabalho como guitarrista também está associado a artistas como Russo Passapusso, Curumin, Anelis Assumpção, Ava Rocha, Tulipa Ruiz, Thalma de Freitas, Céu, entre tantos outros. Como é atuar ao lado de artistas em que os fazeres musicais diferem entre si? A experiência de atuar ao lado deles contribui para o seu fazer artístico?
Meu desejo de fazer música e procurar fazer da melhor maneira possível, com capricho e respeito, me guiaram até outras pessoas que tem o mesmo objetivo. Dessa forma, essa aproximação desses artistas se deu de forma natural. A cidade de São Paulo foi e é fundamental nesse processo de conhecer gente do mundo inteiro e, a partir disso, pensar nessas colaborações como extensão natural das relações interpessoais mesmo. Todas e todos esses artistas citados são colegas ou amigos que comungam da mesma vontade de fazer música de excelência. Com certeza o meu fazer artístico é diretamente atravessado por essas experiências ao lado de artistas incríveis, são inspiradoras essas relações e sempre que volto pro meu trabalho, venho com as bagagens dos repertórios que toco com todos eles.
Adentrando ao universo de seu mais novo disco, o título do álbum, “Digital Belém”, sintetiza de forma geral o conceito do trabalho. De forma geral, quais eram as suas intenções com esse disco?
O conceito do disco foi a força motriz para essa realização. Essa estética é inédita na minha obra. Meus discos anteriores são mais orgânicos e feito com muita gente tocando os instrumentos. Já nesse novo trabalho, convidei o Lucas Martins para produzir o disco que, de cara me, fez essa provocação de buscar uma estética diferente pra esse disco, muito porque ele é muito habilidoso no manuseio das máquinas e elementos digitais. Isso me acendeu a chama da curiosidade e a partir disso eu fui tateando os signos do que viria a ser o “Digital Belém”.
Como se deu a aproximação de você e do Lucas Martins? Quais contribuições ele trouxe para o resultado final?
O Lucas é um amigo precioso que São Paulo me deu, nos conhecemos há um bom tempo, quando comecei a tocar com o Curumin. A identificação foi imediata através dos gostos em comum sobre música, futebol, arte em geral e isso fez com que nossa aproximação se desse de forma natural. Sempre o admirei como músico e produtor e já queria trabalhar com ele há tempos. Quando a gente se propôs de fazer algo juntos a ideia era um ou dois singles, mas o resultado foi tão empolgante pra mim que quis transformar num disco. O contributo dele foi definitivo. Ele teceu essa estética junto comigo, é compositor de algumas faixas e a sonoridade do disco passa muito por ele. Eu sou instrumentista e em todos os meus discos eu toco muitos instrumentos. Esse eu também toquei, mas algumas faixas deixei o Lucas livre pra criar e tocar a maioria dos instrumentos o que trouxe um sotaque diferente pra minha música. A contribuição dele foi muito importante.
As participações especiais rendem um capítulo à parte no disco, pois você reúne um time de primeira: Aldo Sena, Russo Passapusso, Larissa Luz, Layse, Anäis Sylla, Klaus Sena e Manoel Cordeiro. Como se deu o processo de seleção de participantes e quais as afinidades foram fundamentais nesse processo?
O disco foi produzido ao longo de dois anos. Fomos fazendo organicamente, construindo a sonoridade até sentir segurança da estética e a ideia era construir uma fundação sólida, com identidade clara e definida, para depois trazer essas pessoas maravilhosas para contribuírem com seus sotaques e ideias. Cada uma se deu de forma específica, mas o ponto de interseção é minha admiração e amizade com cada artista presente no disco. De primeira eu queria a participação dos paraenses, por motivos óbvios, afinal o disco se chama “Digital Belém”, então fiz um recorte cronológico quando trouxe o Mestre Aldo Sena, ato inaugural da guitarrada, o Manoel Cordeiro, produtor renomado que ajudou a solidificar o que chamamos de pop amazônico nos anos 1980 e 1990, e a Layse, que é uma joia da nova geração da música paraense… as outras participações foram o que as canções, em si, pediam. Fomos, eu e Lucas, entendendo o que cada música pedia e a partir daí contamos com as participações dessa turma toda. Um destaque importante é o Klaus Sena, que é meu parceiro de longa data, desde os tempos de Saulo Duarte e a Unidade, que mixou o disco, co-produziu algumas faixas e toca comigo nos shows desse novo projeto.
Suas letras remetem não só ao universo das relações amorosas como também fazem menção a vida na cidade e as suas dinâmicas de sobrevivência. Nesse sentido, de onde partem suas inspirações? Você se baseia na sua vivência cotidiana ou age como um observador?
Das duas formas. A música é uma extensão da minha existência, é onde desaguam meus sentimentos e onde me sinto contribuindo com o melhor de mim. Eu elaboro muitas questões pessoais através das músicas que componho. Às vezes, as letras vem fazer sentido tempos depois de nascerem. Com o tempo fui aprimorando esse processo e aprendendo a confiar no mistério… então muitas vezes atuo como observador e conto histórias e em outros são canções autobiográficas mesmo.
Como tem sido os shows e o que o público pode esperar das apresentações vindouras? E quais são os planos futuros?
Estou muito feliz e empolgado com a realização desses shows. Eu faço discos como pretexto para estar no palco e ir ao encontro das pessoas. Para mim só faz sentido se conseguir reunir pessoas e a gente celebrar a existência humana. Passei alguns anos sem fazer o meu próprio show então existe uma carga emocional muito grande ao voltar pros palcos… é uma formação nova com a presença desses elementos digitais e no repertório estão todas as músicas do “Digital Belém” além de outras canções que fazem parte da minha trajetória como “Mistério no Olhar”, “Zonzon”, “Me dei Conta”, entre outras. E todas elas adaptadas a essa estética mais digital do disco. Está sendo um barato total fazer esses shows, o público pode esperar um autêntico baile do terceiro mundo!
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br