Cinema: “Longlegs: Vínculo Mortal” pode não ser o filme de terror do ano, mas é um deleite de assistir

texto de Leandro Luz

“Longlegs: Vínculo Mortal” (“Longlegs”, 2024) pode não ser o filme de terror do ano – já deram uma chance para “I Saw the TV Glow”, de Jane Schoenbrun ou para “A Primeira Profecia”, de Arkasha Stevenson? -, mas é um deleite poder assistir, numa sala de cinema, um intrigante exemplar do gênero que mergulha na tradição do serial killer satânico. Na trama, uma agente do FBI (Maika Monroe) assume o insólito caso de um assassino em série que faz as suas vítimas utilizando um misterioso método de sugestão maligna. Os detetives à frente do caso não conseguem montar o quebra-cabeças e convocam Lee Harker, profissional extremamente intuitiva, que precisará inquirir o seu próprio passado para encontrar as pistas necessárias à localização do paradeiro de Longlegs, vilão-monstro interpretado com muito apetite por Nicolas Cage.

A primeira coisa que salta aos olhos no filme de Osgood Perkins é a estilização das imagens. O diretor opta por interferir pesadamente e de várias maneiras no aspecto visual de seu filme para criar uma atmosfera instável desde o primeiro plano: aprisionada por uma razão de aspecto reduzida e bordas arredondadas, a imagem mostra, do ponto de vista do carona, um carro se aproximando de uma casa – e é curioso como, com isso, o filme nos faz “andar ao lado do diabo” desde os primeiros instantes. Antes, os créditos iniciais nos foram apresentados com um fundo em vermelho, que muito lentamente deram lugar à branquidão da paisagem desta casa minuciosamente pintada a tinta branca e coberta de neve. Tanto a cor branca quanto a vermelha irão povoar do início ao fim os momentos mais importantes do longa-metragem.

Para quem reconheceu o sobrenome, sim, o cineasta é o filho de Anthony Perkins, o eterno Norman Bates de “Psicose” (1960). De Hitchcock, Oz Perkins pega emprestado uma boa noção de como engendrar o suspense, mas o que chama mesmo a atenção é a sua ambição e o tino para o marketing, duas características marcantes do mestre inglês. A campanha publicitária de “Longlegs” nas redes sociais está sendo pesada, com direito a vídeos misteriosos contendo enigmas, um site falso repleto de informações sobre os supostos crimes (thebirthdaymurders.net) e até uma linha telefônica que saúda os curiosos com uma voz sinistra que enuncia as frases “Estarei esperando” ou “Feliz aniversário”, a depender do momento da ligação. Este é o quarto longa-metragem dirigido por Perkins – o quinto, “The Monkey” já tem data de lançamento nos cinemas para 2025 – que parece interessado mesmo é no horror, não sobrando muito espaço para outros gêneros.

Outra coisa que se destaca é a atuação propositalmente apática e lacônica de Maika Monroe. Anteriormente conhecida pelo seu papel no ótimo “Corrente do Mal” (2014), no qual é perseguida por uma força sobrenatural que a “contamina” após um encontro sexual, a atriz compõe a sua Lee Harker com uma frieza incômoda, que no início até parece fazer sentido com o desenho da personagem, mas que a longo prazo revela um problema estrutural grave. Desde os primeiros minutos de tela, a vemos desfalecer aos nossos olhos, que acompanham aflitos a sua jornada e não compreendem muito bem como ela ainda consegue se manter em pé até o embate final envolvendo o legado de Longlegs. A passividade da personagem até poderia funcionar se a trama não dependesse tanto de sua história pregressa para avançar. Aliás, esse retorno ao passado e essa necessidade em mostrar toda a história pregressa de uma personagem é um clichê do gênero, utilizado em excesso por diversos roteiristas nos últimos anos. A relação entre Harker e Longlegs é o interesse maior do diretor, que faz do seu encontro no terceiro ato o ápice do filme – as sequências posteriores, consequentemente, sofrem por não conseguirem se sustentar após o clímax. O que nos leva à estranheza brutal concebida por Perkins e Nicolas Cage.

Longlegs é uma mistura de Marc Bolan e Robert Smith, temperado com afetações sortidas que combinam diversos personagens excêntricos da história do cinema, de Coringa a Willy Wonka. Logo de cara, o filme mergulha no glam rock (vide a trilha sonora com “Planet Queen”, “Bang a Gong (Get It On)” e o poster de “The Slider”, do T. Rex), gênero musical favorito do nosso adorável monstrinho, atitude bem pensada para fazer com que o espectador se aproxime o suficiente do personagem para tanto simpatizar com ele quanto para temê-lo. O que incomoda nem é tanto a afetação de Cage, que está divertidíssimo e irreconhecível senão pelo timbre de sua voz, mas esse movimento consciente de fazer do personagem um ícone memorável. De fato, as pessoas estão em polvorosa com Cage / Longlegs, sobretudo levando em consideração todo o mistério empenhado pela campanha promocional, que deixou de fora qualquer imagem do ator / personagem, seja nos trailers ou nos cartazes. Ademais, junto à brutalidade da atuação de Cage, há uma ironia que deixa as coisas um pouco dúbias, prejudicando, a meu ver, algumas intenções da obra.

Perkins também aposta em algumas situações e frases nonsense que pipocam vez ou outra, frequentemente por parte de Longlegs ou do pouco inspirado Agente Carter (Blair Underwood), que funciona como uma âncora cética para a nossa protagonista. Esses momentos mais parecem inseridos no roteiro para causar estranhamento, sem qualquer propósito narrativo mais consistente. É o caso da frase “Eu sei que você não tem medo de um pouco de escuridão. Porque você é a escuridão”, dita por Longlegs, que parece sair do nada em direção a lugar nenhum. E falando no Carter, personagem de muito destaque durante toda a trama, ele se torna, ironicamente, o principal obstáculo para o avanço das investigações – ainda que seja por meio de uma sugestão sua que Harker é conduzida até a casa de sua mãe, interpretada com austeridade por Alicia Witt, ocasião-chave que a leva, posteriormente, a encontrar o “homem debaixo das escadas”. Esse termo, a propósito, é repetido diversas vezes por Longlegs, e é interessante como o filme brinca com a ambiguidade do personagem, que navega entre o mal profano e o mal sagrado.

Apesar da assepsia geral – Perkins nunca foge ao controle, ainda que não se exima de construir certos planos que evidenciam a bagunça sangrenta causada pelas violências perpetradas -, o filme ainda assim é divertido e consegue capturar o espectador com sua atmosfera tétrica. Para muitos, “Longlegs: Vínculo Mortal” bebe direto da fonte de obras como “O Silêncio dos Inocentes” (1991), “Seven: Os Sete Crimes Capitais” (1995) e “Zodíaco” (2007). A sua força, no entanto, está mesmo na capacidade de surpreender com um roteiro original (animal em extinção em Hollywood) e em negociar com o seu público sensações que aparecem antes mesmo do filme começar e que custam a desvanecer quando ele acaba.

O Scream & Yell também está no https://letterboxd.com/screamyell/

– Leandro Luz (@leandro_luz) escreve e pesquisa sobre cinema desde 2010. Coordena os projetos de audiovisual do Sesc RJ desde 2019 e exerce atividades de crítica nos podcasts Plano-Sequência e 1 disco, 1 filme.

4 thoughts on “Cinema: “Longlegs: Vínculo Mortal” pode não ser o filme de terror do ano, mas é um deleite de assistir

  1. Sensação parecida por aqui! Curti o filme e me conectei com a história apesar de alguns momentos mais arrastados. Quando o Nicolas Cage aparece o filme cresce muito, o personagem tem muito carisma e a caracterização parece que foi inspirada na “Mulher da Casa Abandonada”, rs. Gostei da performance da Maika Monroe, a personagem parece ter uma inaptidão social e introspecção que é atravessada durante todo o filme. Vale a pena mencionar que ela manda bem também em Watcher da Chloe Okuno. O corpo em cena dela nesses dois filmes é tão diferente que eu nem reconheci de primeira.

    1. Saulo, ótima associação a que você fez com o tal podcast lá. Essa referência é bem mais precisa do que as que citei no texto. A Maika tá bem, sim. Questiono um pouco a construção da personagem no roteiro mesmo (ainda que entenda as motivações para a caracterização ter saído assim), mas a atriz é boa. Não vi esse “Watcher” ainda, tá na lista!

  2. Fiquei decepcionado ao extremo com esse filme. Fui com uma expectativa grande por conta de tanto hype. Saí do cinema criticando o roteiro (afinal, sou roteirista) e pensando:mas que diabos viram tanto nesse filme? As comparações com silêncio dos inocentes, seven e zodíaco me causam constrangimento…dez minutos depois de sair do cinema, eu e minha companheira nos olhamos e dissemos um para o outro: totalmente esquecível.

  3. Filme horrível. Muito marketing, pouco conteúdo. Roteiro cheio de buracos, com tudo se resolvendo de modo apressado. A tão falada atuação de Cage (“assustador”) na verdade beira o cômico. Nunca vi um serial killer tão patético. O tal satanismo do filme vai no mesmo caminho (é satanismo de criança, caricato, bobinho). Única coisa que se salva mesmo é a ambientação do filme e a fotografia (cores muito bem escolhidas). Mas só. Uma enganação. Prova que neste tempos mais vale um bom marketing digital do que realmente fazer um bom filme. Fraco, fraco, fraco (mesmo para padrões baixos de expectativa). O filme não é ruim, teria que melhorar para isso. É patético.

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