entrevista de Bruno Dias
“Venham preparados para dançar”, é assim que Goyo Degano, vocalista do grupo argentino de indie pop Bandalos Chinos, convida os brasileiros para a estreia da banda no Brasil, como uma das atrações da oitava edição do Festival Carambola, que acontece no dia 15 de novembro, em Maceió, Alagoas, e terá ainda Liniker (SP), Cavalo de Pau (CE), Coletivo AfroCaeté convida Chau do Pife (AL), Flora (AL) e Juliana Linhares (RN) + Fernanda Guimarães (AL) – outros nomes serão anunciados. O primeiro lote de ingressos já está disponível exclusivamente via Ingresse. Clientes Nubank têm desconto especial (ingressos venda geral / clientes Nubank)
Além de Goyo, o Bandalos Chinos é composto por Salvador Colombo (sintetizadores), Tomás Verduga (guitarra e coros), Matías Verduga (bateria e percussão), Iñaki Colombo (guitarras e sintetizadores) e Nicolás Rodríguez del Pozo (baixo). Formada em 2009, em Beccar, na grande Buenos Aires, a banda faz parte da nova geração de artistas argentinos que estão movimentando e renovando a cena musical do país, ao lado de nomes como Conociendo Rusia, Usted Señalemelo, 1915, Indios, El Zar, Ainda, Dillom, entre outros.
Graças a seus três álbuns de estúdio – “BACH” (2018), “Paranoia Pop” (2020), “El Big Blue” (2022) -, a banda acumula três prêmios Gardel na categoria de “melhor álbum de grupo pop”, e indicação ao Grammy Latino. Discos que contam com a produção de Adán Jodorowsky, músico e produtor franco-mexicano, filho do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky, e formam a “Trilogia Jodorowsky”. Trabalhos que ajudaram a cunhar a sonoridade da banda, que transita entre o moderno e o retrô, criando uma identidade própria, sem cair em modismos.
O Bandalos Chinos chega ao nosso país em um dos melhores momentos da banda, após fazer mais de 70 shows em 2023, incluindo turnês pelos Estados Unidos e Europa, e uma sequência de seis datas esgotadas no Niceto Club, em Buenos Aires. Fora isso, já estiveram no line-up de grandes festivais como Lollapalooza Argentina e Primavera Sound Barcelona.
Para falar sobre a primeira vinda do grupo ao Brasil e a participação no Festival Carambola, via seleção Ibermúsicas 2023 (programa de cooperação internacional multilateral para estimular a diversidade musical ibero-americana e fomento do mercado na região), Goyo Degano conversou com o Scream & Yell.
Além de celebrar a primeira apresentação no Brasil, uma dívida que tinha com o público brasileiro, o vocalista falou sobre sua inusitada relação com Maceió, música brasileira, arte em tempos de Javier Milei e deu detalhes sobre a produção do quarto álbum de estúdio do Bandalos Chinos, previsto para 2025.
Primeira vez dos Bandalos Chinos no Brasil, o que podem esperar os fãs brasileiros dessa estreia da banda por aqui?
Goyo Degano – Sim, primeira vez. Na verdade é louco, visto que somos limítrofes, estamos muito próximos. Temos viajado por vários países da América Latina nos últimos cinco anos e essa vai ser a nossa primeira vez no Brasil. Creio que a barreira idiomática e a música excelente que existe no Brasil nos limita um pouco. Mas, na verdade, é que nos escrevem já faz um tempo, já tivemos conversas com fãs daí e a expectativa é que sempre tivemos desejo de ir (ao Brasil) É sempre lindo se encontrar com um público novo e nada como ir assim pela primeira vez ao Brasil.
E a primeira vez vai ser dentro de um festival, vocês gostam de se apresentar em festivais? E falando um pouco mais, vai ser dentro do Festival Carambola, em Maceió, que é uma cidade muito linda, com belas praias e muita cultura. Como se sentem indo para o festival?
Bom, ir a um festival é sempre um lindo desafio. Obviamente, em um festival existe público para muitos artistas, não estão lá para ver única e exclusivamente a você. É muito bom esse desafio de, tipo, vamos conquista-los. Se há alguém distraído que pode passar por ali e podemos seduzir com a nossa música, acaba parando para ver o show. Isso, na verdade, é algo que, pessoalmente, me desafia e que eu gosto. Claro que é muito lindo poder fazer um concerto próprio, chegar na cena e ter todo um público ali para te ver. Isso é muito bom, mas eu gosto desse desafio de conquistar o desprevenido. A ideia de participar desse festival é algo que, pessoalmente, eu adoro. Maceió é uma cidade que já escutei muito à respeito em minha vida, porque os meus pais passaram a lua de mel lá. Por isso, me lembro de escutar desde muito pequeno, “Maceió, Maceió, Maceió”. E não conheço, então, é algo que me encanta.
Nossa, já ia te perguntar sobre sua relação com o Brasil e você tem uma história linda dos seus pais… Fale um pouco mais sobre essa relação que você tem com o nosso país.
Sim, isso é incrível. O mais louco é que não conheço, nunca viajei ao Brasil. Então, é como se eu tivesse uma dívida pendente com o Brasil. É incrível poder ir pela primeira vez com a minha música, com a minha banda, com as nossas canções. Nesse sentido, para mim, é muito bonito, porque tem muito tempo que tenho vontade de conhecer o Brasil. Por algum motivo ou outro… na verdade também porque estive viajando muito com a banda, por trabalho, não tive oportunidade de tirar férias. Então é isso, eu não conheço [o Brasil] e poder chegar com a nossa música me parece espetacular.
E qual a relação que você e a banda têm com a música brasileira? Sabemos que os argentinos gostam muito mais de música brasileira do que os brasileiros gostam de música argentina, não?
[rindo] Sim, sim… Tenho uma história de escutar música brasileira desde muito pequeno, a minha mãe gostava e escutava muita música brasileira, artistas como Caetano [Veloso], Djavan, e todo esse universo de artistas. Depois de grande, pude começar a descobrir artistas de minha geração como, talvez, os Boogarins, como Tim Bernardes, Bala Desejo, que são artistas e bandas atuais, pibes e pibas da minha idade e que também me inspiram. Acho muito inspiradora a música brasileira. Também comecei a buscar gêneros um pouco menos “marqueteiros” como a Bossa Nova, e passei a me aprofundar um pouco mais no samba, e ir atrás de ritmos que são mais das ruas, que seriam aqui como a cumbia, o folclore do interior. Tentar ir atrás de algo não tão mainstream, não tão marqueteiro, não tanto a música brasileira para exportação, tentar entender o que os locais mais escutam, que é o mais lindo.
E o que descobriu nessa busca por artistas mais da rua? Quais te encantaram mais?
Tem um artista que gosto muito, que estou descobrindo agora, que é Cartola… pode ser?
Sim, Cartola, um grande mestre da canção nacional…
Sim, é nisso que estou agora, tratando de me aprofundar nesse universo. E é algo que a música não passa [batida] por mim. Inclusive, agora herdei uma coleção de vinis da minha avó, de discos, e que nela tinham muitos discos de jazz, mas também muitos discos de música brasileira. Então, nunca deixo de conhecer novos artistas o tempo todo.
Inclusive, em um dos vídeos que vocês fizeram da turnê pelos Estados Unidos, quando estavam em Chicago, saíram pra comprar discos e só tinha coisas de música brasileira, como Tim Maia, Tim Bernardes, Djavan…
Sim, é algo que já estava te dizendo, sobre essa admiração pela música brasileira, que para nós é muito inspiradora. Outro dia estava assistindo um cara no Youtube que fazia como que uma análise do rock nacional, de rock argentino, e começou a tocar a canção fundacional do rock [argentino] que é a “La Balsa”, de Los Gatos, e começava a encaixar com “Garota de Ipanema” e falava: “Veja a conexão que existe com a música do Brasil e o nosso rock, como que é a mesma progressão de acordes”. Pensei, “uau, até o nosso rock está metido com a música brasileira”. Então existe aí uma admiração profunda.
E queria falar especialmente de Djavan, tinha o álbum “Lilás” do Djavan nos discos que vocês compraram, seus pais escutavam Djavan, e outra coincidência muito grande foi eles passarem a lua de mel em Maceió, cidade do Djavan…
Foi o que falamos quando começamos a conversar, há uma conexão quase inevitável que tem a ver por estarmos tão próximos. Também há uma relação da minha família que é do norte da Argentina, que viajam muito ao Brasil. Ao invés de irem a Mar del Plata, vão de férias para o Brasil. Então, há toda uma tradição que pra mim não me tocou porque minha família acabou vindo viver em Buenos Aires, não me tocou tão de perto. Então, me encanta essa oportunidade que tenho de ir conectar com o Brasil pela música. Pra mim não me conectou às praias, não me conectou ao futebol, me conectou a música do Brasil. Então, para mim, tem essa coisa de poder conhecer um país através das canções e levando as nossas canções, me parece um privilégio enorme.
E vocês vão ser a primeira atração internacional do Festival Carambola, é uma honra pra vocês, não?
Sim, existe uma canção que eu gosto [“Dije Tu Nombre”, 2016], que é bastante antiga no nosso repertório que em um momento a letra diz, “Será como la primeira vez”. E [ao mesmo tempo] é algo que nunca é como se fosse a primeira vez. Então, veja, que na verdade é lindo chegar pela primeira vez em um lugar, essa adrenalina de como será esse encontro, se vão gostar, se não vão gostar da gente. Da equipe técnica, da música em seu idioma. São muitos desafios e a mim me divertem os desafios.
Falando um pouco agora sobre os Bandalos. Ano passado vocês fizeram mais de 70 shows, passaram por grandes festivais, turnê nos Estados Unidos e Europa. Fizeram seis datas seguidas esgotadas no Niceto Club [tradicional casa de shows de Buenos Aires com capacidade para 1.500 pessoas], que foi algo incrível. Pode se dizer que foi o melhor ano dos Bandalos Chinos? Como vocês se sentem com relação a isso?
Na verdade, [acho] que sim e gosto disso, porque ao longo dos últimos cinco anos [as pessoas] vêm me perguntando, “e aí, como foi o ano passado? Um ano tremendo”. Eu olho para trás e cada ano que passa está sendo o melhor ano da nossa carreira. Assim, uma ascensão, sem parar de crescer, a passos lentos, porém firmes. Creio que isso é lindo, porque esse ano que passou fizemos mais de 70 shows, em um monte de países de todo o mundo, que pra gente é incrível, é um privilégio. Esse ano decidimos frear um pouco e não excursionar tanto, com a intenção de focarmos em nossa muśica, estamos começando a gravar um novo álbum. Vínhamos sobrepondo o processo, entende. Era turnê e no meio da turnê gravar um álbum e depois voltar a viajar. Então, era tour e disco, tour e disco, e esse ano resolvemos tirar um pouco o pé do acelerador e não fazer tantas turnês. Apenas acertar essas contas pendentes, como ir ao Brasil, voltar a tocar na Espanha, ano passado não conseguimos ir ao Peru, então, vamos voltar a tocar no Peru. O certo é que estamos colocando o foco para fazer as canções para em 2025 sair com tudo, com um novo álbum, e tratar de ir a um outro nível musical e ver como anda.
Antes de falar mais sobre o novo disco, mas falando ainda sobre os shows do ano passado. Em 2023, vocês fizeram uma turnê de 22 dias pelos Estados Unidos. Bastante tempo na estrada juntos, como foi isso? Aumenta a amizade, a intimidade da banda…
Foi uma confusão. [risos] Brincadeira, foi lindo. Porque tem de encontrar, tem de buscar a intimidade, porque no momento em que não está no show, está em grupo. Foram quase dois meses que estivemos viajando por 22 cidades de todos os Estados Unidos. Na verdade, foi uma surpresa para nós, porque recebemos muito apoio, com muitos shows esgotados, com público de todo o lado, muita gente expatriada, vivendo no país, mas também muita gente local que acaba, por curiosidade, escutando a música. É difícil, porque está por muito tempo na estrada, as distâncias nos Estados Unidos são muito longas, viagens de 8 horas. É uma viagem muito longa pela estrada e tem de ir um pouco mais lento, porque vai em uma van e não em um carro, que tem outra velocidade permitida. Está dormindo em hotel todo tempo, é difícil de se alimentar bem, de descansar. Mas é como viver em um filme, sabe. Um filme daquelas bandas que assistimos quando éramos chicos, entrar em um ônibus e viajar pelos Estados Unidos tocando por todo lado. Foi um sonho pra gente, com muito desgaste físico, mas também encontrar momentos de equilíbrio, fazer alguma atividade física, comer bem, dormir bem, às vezes também fazer festa, porque isso também faz falta. Então, é tratar de encontrar um equilíbrio em tudo isso. Agora, vendo em perspectiva, o resultado foi super positivo e, como você disse, se aprofundam os vínculos, se aprofundam as amizades. Há dois pares de irmãos na banda [Salvador e Iñaki Colombo, Tomás e Matías Verduga], então, é como uma situação familiar, que é linda. Mas, como toda família, os limites se cruzam, extrapolam pouco, mandam todos a merda, mas depois já está tudo bem. [risos] Nesse processo, tentar fazer ele sustentável, fazer com que todos fiquem bem com as emoções e que gostem de fazê-lo.
Falando sobre isso, vi uma vez você falando sobre o Bandalos Chinos fazer terapia em grupo. Como é isso?
Há alguns anos, nós vimos um documentário do Metallica [“Some Kind of Monster”, de 2004], em que fizeram uma tour de dois anos com um terapeuta os acompanhando . Aí pensamos, “imagina, que loucura tudo isso”. Um pouco tempo depois, começou a pandemia e me recordo que, antes da pandemia, estávamos fazendo muitos planos, como todo mundo. Estávamos em uma etapa de crescimento, armando uma equipe, contratando gente, amigos, gente que estava sonhando. De repente falamos, “tchê, isso está demorando, então porque não buscamos um acompanhamento terapêutico?”. Então, é uma equipe, uma senhora que é uma psicóloga e um coach, que é um espaço muito bom, porque recém conversamos sobre a turnê e na turnê estávamos muito tempo um com o outro. Mas, talvez, durante essa proximidade se perde um pouco de profundidade, porque estamos no dia a dia, porque se fala onde vamos comer, onde vamos dormir, temos um show, precisamos estar bem. E aí se perde um pouco desse espaço de falar sobre algo que você está passando, contar da sua vida, de seus problemas pessoais, de suas expectativas, seus objetivos, o que tiver. E também faz mais de dez anos que estamos juntos, que tocamos juntos e as pessoas vão evoluindo, os objetivos vão mudando. Então, é um espaço muito são, para ocuparmos de nossas emoções como pessoas, mais acima da entidade Bandalos Chinos. Eu não gostava de falar sobre isso, porque em princípio nos dava um pouco de vergonha. Hoje, vendo em perspectiva, é algo que nos ajuda muito a nos mantermos unidos como grupo humano, porque é o que somos, definitivamente. É uma ferramenta que termina sendo chave, porque hoje as emoções… está sendo muito bom se ocupar delas, sabe.
No caso do Metallica, tiveram que fazer terapia para continuarem juntos, e vocês fazem terapia justamente para não brigarem…
Sim, total.
E na estrada, tiveram tempo de escrever novas canções? Como é o processo de composição da banda?
Começa como um processo bastante individual, onde cada um vai tendo suas próprias ideias, vai gravando coisas no computador, no celular, em voice note, algo assim muito rudimentar, em uma primeira instância. Depois nos juntamos, criamos um drive e começamos a fazer algumas demos, para em algum momento escutarmos em conjunto e começar a filtrar. Então, numa primeira instância, é um trabalho muito pessoal de cada um, e depois levamos e iniciamos o trabalho grupal. Nesse disco estamos produzindo com mais tempo. Então, estamos tentando desenvolver tudo desde a gênese de cada ideia, para que possamos estar embebidos de cada processo. Eu mesmo tenho escutado cada demo umas dez vezes, é diferente de escutar uma só vez. Então, vai escutar um monte de coisas que talvez você não percebesse. Tratar de estar todos na mesma página antes de entrar no estúdio. Então, sim, começa em um processo muito individual, para depois começar um trabalho coletivo.
E já sabem como vai soar o novo álbum? Porque no último, “El Big Blue” (2022), era quase como um regresso ao “BACH” (2018), algo menos experimental do que foi o “Paranoia Pop” (2020). Já sabem como vai soar esse quarto álbum de inéditas?
Veja, ainda não tenho ideia de como irá soar, porque justamente estamos em busca de uma nova sonoridade, obviamente, sem perder nossa identidade, nosso DNA. Estamos em uma busca mais parecida com “Paranoia Pop”, de experimentar um pouco mais, sem perder de vista a canção, que é como que um norte que nós temos, uma canção precisa funcionar em violão e voz, em uma situação de fogueira, tocar em uma roda. A ideia que temos de certo para esse álbum é dedicar um pouco mais de tempo na produção, ao invés de gravar como fizemos nos três discos, que fomos gravar nos Estados Unidos, em um estúdio no meio do deserto, Sonic Ranch. Gravamos em 20, 25 dias, tínhamos que gravar o disco todo e voltar. Nesse caso, é estender um pouco mais esse processo, e ir buscando à sonoridade, que a música vá nos dizendo qual é a sonoridade de cada canção, e tratar de ser fiel a isso, tratar de experimentar um pouco. Ver até onde pode ir a sonoridade dos Bandalos Chinos nessa nova etapa. Além disso, nos últimos três discos trabalhamos com a produção do Adán Jodorowsky e, nesse caso, não vamos fazer, todavia estamos definindo com quem vamos trabalhar. Há uma sensação de página em branco, de ver qual é a história que vamos escrever agora.
A sonoridade dos Bandados Chinos é algo que por vezes soa muito retrô, mas também bastante moderna. Mas ao ouvir uma faixa, já sabe que se trata dos Bandados Chinos, uma identidade. Tem essa mistura do rock nacional clássico, mas também muito contemporâneo. Como funciona isso pra vocês?
É uma busca para tentar não ceder à moda da sonoridade, não ter que soar super HD ou uma faixa que soe algo do universo urbano. É essa busca para encontrar a nossa sonoridade e, também, a música que nós gostamos perdura no tempo, além de sua época, são clássicos em nível de composição. Não vou dizer que fizemos clássicos, mas fazemos músicas que sejam atemporais em algum ponto. Foi como você disse, soa retrô, mas às vezes soa moderno. Tratar de encontrar o equilíbrio entre essas sonoridades que nos inspiraram e como estão gravados esses discos que nós gostamos. Como fizemos em “El Big Blue”, com a banda tocando ao vivo, sem click, sem metrônomo, gravando em fita, tudo junto, como se gravava antigamente. Então, acho que aí está a chave, aí está a busca, tratar de encontrar uma sonoridade que seja clássica e moderna.
Ia perguntar justamente se vocês iriam trabalhar novamente com o Adán [Jodorowsky], já que pra mim existe um Bandalos Chinos antes e depois dos álbuns produzidos pelo Adán, uma evolução muito grande. Por que não vão trabalhar mais com ele no próximo disco? E como foi trabalhar com ele nos três álbuns?
Trabalhar com Adán é muito bonito e seguiria trabalhando com ele, não descartamos. Ano passado estivemos no México e gravamos algumas sessões em seu novo estúdio, existe uma intenção de seguir vinculados musicalmente com ele, mas já há um vínculo humano, porque Adán é um amigo. É um vínculo que se aprofundou ao longo dos discos. As pessoas mudam, de repente escutamos uma música, agora escutamos outra, agora temos vontade de soar de outra maneira. Então, é como… não sei, se relacionar com pessoas que podem te levar a lugares novos. Sentimos que com Adán fizemos uma busca muito legal, que nos fez crescer muito, mas também temos o desejo de gravar na Argentina e o Adán está baseado no México, trazê-lo para Argentina por dois meses também não é muito fácil. Então, seguimos nossa intuição, se agora temos um estúdio em Buenos Aires, se o produtor não quer vir, busquemos outra pessoa e seguimos em frente. Não descartamos de no futuro voltar a trabalhar com Adán, porque trabalhar com Adán foi algo de muita aprendizagem de nivel técnico, mas também de muita aprendizagem de nível emocional, de como se relacionar com a música, de como se relacionar com as pessoas que não fazem música, de onde colocar o foco. Quiçá viemos de um processo de busca muito perfeccionista e o Adán nos ensinou a colocar o foco na emoção, no que te faz sentir mais pra cá do que é perfeito, do que é imperfeito, isso que está fazendo a nivel música. Então, penso que nos fez crescer muito, como você disse, existe um antes e depois de nosso caminho como artistas a partir do momento em que trabalhamos com Adán. Nós, internamente, brincamos que os três discos que fizemos com o Adán é a “Trilogia Jodorowsky”, existe ali um grande selo de Adán, mesmo sendo o nosso aporte, mas há um selo de Adán, como sua forma de abordar a música que é [imitando a voz grave de Adán], “muito Jodorowsky”. É muito filho de seu pai.
Sempre tive a curiosidade em saber porque tantas bandas argentinas gravam no Sonic Ranch. Vocês gravaram lá, Conociendo Rusia, Él Mató a un Policía Motorizado…
E existem outras mais. Começa, em primeiro lugar, por causa do [Eduardo] Bergallo, que é um engenheiro, produtor, um craque, que trabalha com um monte de artistas muito grandes, que é argentino e ele começou a levar suas bandas para o Sonic Ranch. Penso que, depois, o outro lado é que criou-se também uma certa empatia entre o dono do estúdio, Tony [Rancich], e toda sua equipe, de nos receber. Porque, na verdade, é muito caro para gente ir até lá gravar. A esse dono [Tony] primou o artístico, a música e a intenção mais do que o econômico e foi dando oportunidade a todos para poder fazê-lo. Tem também uma certa mística, porque tem um monte de artistas que gravaram ali, tem uma boa técnica, está localizado no meio do nada, em um povoado muito pequeno chamado Tornillo, que é na fronteira com México. Está totalmente ilhado, não tem transporte para ir a outros lugares, tem que viver dentro do estúdio. Então, está ali em contato com a música e com os artistas o tempo todo, é muito nutritivo, é como um camp, um retiro, para estar conectado com a música.
Foco total na música…
Super, super, e pra gente sempre nos pareceu muito sedutor desde o começo. Depois, também é como a Disney para os músicos, todos os plugins que você tem no computador, ali você tem tudo físico. Tem amplificador Leslie, vários pianos, vários pedais, console de gravação que pertenceu a Motown, onde gravaram, não sei, os Jackson 5, e depois foi da Madonna. Então, tem toda a carga emotiva dos artistas que utilizam esses instrumentos. É como um parque de diversões, todas as vezes que fomos, não queríamos ir embora. Então, agora mudamos o cenário, mudamos o contexto, e ver em outro contexto para onde vai a música dos Bandalos Chinos. Simplesmente isso, não é que não queremos tudo isso, apenas queremos algo novo.
Claro… E já pensaram em alguém? Porque existem muitos produtores bons aqui na Argentina.
Estamos iniciando uma etapa de composição e pré-produção com FERMIN, não sei se você o conhece. É um artista jovem, bastante novo, que é o produtor de Dillom e trabalha nesse universo, a ideia é nos vermos, começar a nos conhecer, para ver se funciona, se evoluiu com ele, senão iremos para outro lado.
Queria que você falasse um pouco sobre essa fraternidade que existe na cena argentina. Você mesmo toca com muita gente, estive em um show do Emmanuel Horvilleur no Niceto e você subiu para cantar “Llamame” com ele. Além disso, você e o Bandalos têm parcerias com com Miranda!, Cítrico, Isla de Caras, Ainda, El Zar, Massacre, uma lista grande. Como é essa integração entre as músicas da cena? Não só a nova cena, mas também com o pessoal da velha guarda do rock nacional…
Acho que tem a ver como uma resposta, talvez, a falta de propostas que havia, só existiam os festivais mainstream como Lollapalooza, e o único que podia fazer era esperar que um dia te chamasse para participar disso. Na verdade, isso [a fraternidade] surgiu como uma busca e uma necessidade de começar a criar nossos próprios espaços. Então, para isso, foi necessário começar a cruzar com bandas que nós gostávamos, que nos inspiraram, e de repente armar uma data em conjunto ou começar o nosso próprio festival. Começar a trazer artistas de Córdoba e Mendoza para fazer um show em conjunto, começar a armar uma comunidade e um círculo de artistas que se pode ir retroalimentando. Então, você convida um artista de Mendoza e, quando vai a Mendoza, faz um concerto em conjunto para que se mesclem os públicos. Isso foi se formando naturalmente, por necessidade, tipo, eu não posso fazer um concerto solo em Córdoba, então, nos juntamos com um artista de Córdoba e compartilhamos a casa de show, fazemos um show com o público das duas bandas. Então, começou por essa necessidade de ocupar esses espaços e também uma resposta ao público. Porque existia um público que queria ver essas bandas ao vivo, que tinha vontade de ir a um festival que tocasse a gente, tocasse o Ruso [Conociendo Rusia], que tenha Marilina Bertoldi, que tenha Chechi [de Marcos], Ainda, etc, etc… Então, vem desse lado e depois de uma coisa genuína de admiração. Eu gosto do que você faz e te digo. Entender que há lugar para todos, que não temos que competir por esse mini lugarzinho que existe, mostrar os dentes e se matar. Ninguém se salva sozinho, então, vamos fazer juntos. Foi algo que foi acontecendo naturalmente em resposta a uma época, a uma necessidade, tanto do público quanto das bandas. Não foi algo pensado, foi mais uma resposta a uma realidade.
E, por exemplo, Bandalos e o Ruso tem carreiras que andam muito em paralelo, não? O Ruso foi ficando maior, o Bandalos também…
Total, e é muito lindo. Isso é bárbaro, uma situação que se numa outra época, na velha guarda, existia um pouco mais de competição e que hoje nessa geração se traduz como algo mais fraterno, que compartilhamos os espaços, porque há espaço para todos. A Internet nos deu a oportunidade de democratizar tudo, que pode democratizar a música, mesmo que não faça sucesso discográfico, que não tenha nada, as pessoas podem te escutar e creio que foi isso que aconteceu na Argentina, que gerou essa cena de bandas alternativas, independentes, que não pára de crescer. Estamos conquistando lugares cada vez maiores.
E tem outra coisa sobre o público da Argentina também, que é muito apaixonado por suas bandas locais. Semanas atrás, estive em shows no Niceto do Emmanuel Horvilleur (três datas esgotadas) e do Indios (duas datas esgotadas). Além deles, fui ver Babasónicos e Él Mató na Movistar Arena, também esgotados. Como se explica essa paixão dos argentinos pelo rock nacional? Porque é algo louco, existe uma explicação pra isso?
Na verdade é que não [risos]. Se você vai ao estádio tem gente apaixonada pelo River. Se vai ao estádio você passa pelo mesmo, as pessoas cantando do começo até o fim. Ou com a seleção passa o mesmo. Ou algo do tipo, tocam os Los Piojos e não se encontram mais entradas, as pessoas ficam loucas. Porque existe aí uma coisa que é uma paixão pelo local, pelo próprio, que é algo que acaba se traduzindo, que devolve o público, que te devolve um monte de energia, te devolve um monte de apoio, te devolve também essa coisa que te confirma o caminho que você está. Na verdade, é que isso está muito bom, porque existe muita demanda, então, é uma selva e é lindo. Como te disse, porque há lugar para muitos tipos de gêneros de música, de abordagens, e nos agrada fazer parte disso. Não encontro uma explicação para pertencer a essa confraria de artistas que seguem cantando.
Falando ainda do rock nacional da Argentina, existe toda uma tradição da canção propriamente dita, algo que vem de Luis Alberto Spinetta, Bandalos, passando por 1915, o Ruso, Fito Paez. Como é fazer parte dessa tradição e mantê-la viva?
Acho que em algum momento da história existiu uma rejeição forte ao anglo, seguramente tem a ver com a Guerra das Malvinas [conflito armado entre Reino Unido e Argentina pelas Ilhas Malvinas, em 1982], mas antes já existia uma busca muito forte pelo rock em espanhol, rock daqui, feito aqui e cantado em nosso idioma. Penso que, por causa das Malvinas, isso se exacerba um pouco, se aprofunda e faz com que não exista espaço para que venham esses supergrupos de rock dos anos 80. Então, teve essa coisa de começarmos a fazer o nosso. Inconsciente, digo, que estava no inconsciente coletivo, não era algo que as pessoas estivessem de acordo, que foi acontecendo. Mas, vendo em perspectiva, acho que responde um pouco a isso, a retenção que houve em algum momento para consumir música feita em outros lugares, ou que estava mal visto, talvez, e a partir disso uma resposta dos jovens que disseram, “bom, ok, temos um vazio neste lugar, agora que não vão vir essas superbandas, toquemos nós mesmos”. Creio que foi uma resposta a isso e com os anos foi se aprofundando e, também, bandas como Soda Stereo, Los Enanitos Verdes, que conquistaram a região, que viajavam a qualquer país da América Latina. Se você entrasse em uma verdureria, kiosco, ou clube de praia, poderia estar tocando Soda Stereo, Los Enanitos ou mais artistas, nesse momento, como Los Auténticos Decadentes, Babasónicos, os Los Caligaris, que no México são enormes. Foi uma resposta a um momento e isso foi se aprofundando com o tempo. Ao mesmo tempo, estamos no cu do mundo, então, bem, geramos o nosso, estamos aqui no fundo, geramos nós mesmos ou não haverá ninguém.
Como está sendo fazer música e cultura nesses seis meses de governo de Javier Milei? Uma crise que se estende do social ao cultural, com ataques à artistas, como a Lali Espósito, e desmonte de áreas importantes que vão do teatro ao cinema, na música… São apenas seis meses, mas, nós, aqui no Brasil, passamos por quatro anos uma situação parecida e não foi fácil. Como estão fazendo para resistir mentalmente e para seguir fazendo o que gostam, seguir fazendo cultura?
Sim, está sendo um momento muito complicado, estão acontecendo muitas travas, se trouxe a mesa como que esse debate de que a arte é exclusivamente proselitista e partidária e, na verdade, não poderia discordar mais desse discurso. Por sua vez, também é que aqui na Argentina já estamos acostumados a todo tipo de crises e que a arte vai resistir, que a cultura vai resistir. Nesse momento, vão se desenvolver os espaços mais paraculturais e vão aparecer espaços independentes, penso que vai impulsionar o desenvolvimento de novos espaços porque, economicamente, não estão pegando um pouco de financiamento. Todos festivais e todas as festas que existem, nos povoados do interior, existe todo um circuito de shows gratuitos para o povo e, obviamente, se desfinanciou e não está acontecendo. O pior de tudo é ter acontecido todo esse ataque aos artistas, normalizar esse discurso no qual diz que nós artistas vivemos na teta do Estado, que somos flagelos que vivem somente da grana do Estado, o que não é certo. Como você mesmo disse, existe um monte de eventos acontecendo e a maioria são privados, há uma crise econômica, mas as pessoas compram igual seus ingressos, é mais difícil vender ingressos, mais do que nos últimos anos, porque com a ṕandemia houve um florescimento de shows ao vivo. As pessoas gastavam até o que não tinham para ir a um concerto. Acho que agora acalmou um pouco e, acompanhado por esse momento político, está vindo menos impulso e menos desenvolvimento. Mas, como te dizia, acho que é um bom momento para desenvolver a paracultura e creio que estamos acostumados às crises.
Esse momento político de alguma forma vai influenciar nas novas composições dos Bandalos?
Sim, isso é inegável que aconteça e é como algo inevitável, que sucede, que passa e que nos toca de perto. Quiçá, em outro momento não sentíamos tanto a necessidade de sair a falar, mas hoje acho que sim, está mudando um pouco isso, porque nos sentimos atacados indireta ou diretamente. Então, acho que isso vai terminar traduzindo em nossa música, como fizemos em outro momento, em outras canções, em outras circunstâncias que nos atravessaram. Mas, todavia, ainda não estão feitas as nossas canções, começam a se formar, começam a se formar como conceito, como uma busca em nível poético, mas creio que sim, não estranhe que isso acabe refletido em nossa música e na música de vários artistas.
Para finalizar, queria que você deixasse uma mensagem para os fãs brasileiros dos Bandalos Chinos que finalmente vão poder ir a um show de vocês.
Queria deixar essa mensagem de gratidão aos nossos fãs brasileiros, que nos têm apoiado, que tem nos escutado. Aos produtores que contam com a gente para esse festival em Maceió. Temos uma expectativa muito alta, temos muita vontade desse encontro, essa primeira vez com o público brasileiro. Vamos dar tudo de si como fazemos em todos os concertos e venham preparados para dançar.
– Bruno Dias é jornalista e um dos responsáveis pelo lendário Urbanaque. Também Coifa!