Três shows: Teago Oliveira, Renato Teixeira e Jair Naves, Vitor Brauer e Felipe Aguiar

Teago Oliveira no Blue Note SP – 30/07
texto e vídeos de Bruno Capelas / foto de Lana Sixel

Há cinco anos, Teago Oliveira lançou seu primeiro disco solo, “Boa Sorte” (2019). A despeito de boas canções, o trabalho teve uma recepção discreta – em boa parte, por culpa da pandemia, que impediu o vocalista da Maglore de circular por aí. Quando a crise sanitária retrocedeu e ele finalmente pôde pensar em fazer shows, a banda baiana já estava nos finalmentes para lançar o disco “V” (2022). Recheado de grandes canções, o álbum mudou a Maglore de patamar, a ponto de o grupo perder uma das principais características de seus shows: o jeito meio malandro, meio dramático, de Teago narrar a apresentação e comentar seu desempenho. “A gente não conversa mais porque tem muita música pra tocar”, se justificava sempre o cantor. Dessa forma, assisti-lo em uma rara exibição solo, em formato voz e violão, no palco do Blue Note SP, foi uma forma não só de matar as saudades do repertório de “Boa Sorte”, mas também dessa verve contador de histórias do artista. Ao longo de pouco mais de uma hora, Teago imitou Erasmo Carlos, brincou com a “canetada” que deu de presente pra Gal Costa (a indefectível “Motor”) e citou tanto Michael Jackson (“This Girl is Mine” ao final de “Tudo Pode Ser”) quanto cantou Gilberto Gil, recuperando uma bela versão para “Esotérico”. “É minha música mais tocada nas plataformas… o que prova que eu sou um intérprete de primeira”, brincou o artista. O ápice veio no meio do espetáculo, com as duas melhores canções de “Boa Sorte” – as bonitas e melancólicas baladas “Sombras de Verão” e “Corações em Fúria (Meu Querido Belchior)”. “É engraçado que minhas músicas são tudo tristes e eu sou o maior palhaço, né?”, comentou ainda Teago, que no bis chamou o parceiro Lucas Gonçalves, escondido na plateia, para tocar uma versão improvisada pero no mucho de “Vira-Lata”. Foi uma noite divertida, íntima até, para lembrar de tempos um pouco mais simples – mas para quem esperava saber aonde o motor vai levar o baiano e sua banda, a visão esteve mais no retrovisor do que no parabrisas. Não que isso seja um problema.


Jair Naves, Vitor Brauer e Felipe Aguiar no Bar Alto – 01/08
texto e vídeos de Bruno Capelas / foto de Diogo Burilio

Existem ideias tão boas que até parecem óbvias, mas elas só ganham tal grau depois que são apresentadas. Unir os vocalistas de três pequenas grandes bandas do cenário independente brasileiro nos últimos vinte anos em um só palco, num só show, tocando as músicas uns dos outros, é uma delas. E talvez não existisse combinação melhor do que a de Jair Naves, do Ludovic, com Vitor Brauer, da Lupe de Lupe, e Felipe Aguiar, do gorduratrans, para empreender tal conceito: a despeito de (poucas) diferenças estéticas, são três trajetórias de marcada autonomia e que se retro influenciam na postura, na música e na lírica, além de ter sempre uma relação especial com o público. Esta última é um elemento sutil, mas que faz a exibição do “Crosby, Stills & Nash do rock triste” no palco do Bar Alto ganhar ares não de um espetáculo caça-níquel, mas sim de um fenômeno de culto. Na primeira de duas sessões em São Paulo, perna de uma turnê que rodou Centro Oeste, Sul e Sudeste, a aura foi de comoção desde os primeiros acordes com “Boas Sementes, Bons Frutos”, do Ludovic – e não surpreende que Jair, no baixo ou no vocal, tenha encarnado puro ódio no palco com canções históricas como “Janeiro Continua Sendo…”, “Desova” ou “Qorpo-Santo de Saias”. É uma performance costumeira do artista-enquanto-membro-de-banda e que estava em total sintonia com a forma com que Brauer espancava sua bateria. No corner direito, por sua vez, Felipe Aguiar tocava a guitarra com força e delicadeza, fazendo a cama musical para que a banda funcione mas sem deixar de brilhar sozinho – especialmente, nos momentos mais “tranquilos” do show, incluindo os petardos “Você Não Sabe Quantas Horas…” e “Vcnvqnd”, além de uma das melhores músicas sobre o Brasil da pandemia, “enterro dos ossos”. Mas é do idealizador da empreitada, Vitor Brauer, as canções que são berradas com maior entusiasmo pelos presentes – e aqui há uma fileira de hinos compostos nos últimos 15 anos, de “Homem” a “Fogo Fátuo”, passando por “SP (Pais Solteiros)” e “Eu Já Venci”. Ao longo de noventa minutos, em um show suado, berrado e tão divertido quanto comovente, Jair, Felipe e Vitor mostraram não só alegria em dividir o palco, mas também em criar uma comunhão especial com seus fãs. “Essa aqui é muito difícil pro Vitor cantar e tocar bateria, então cantem bem alto”, exemplifica Jair, antes do trio irromper com a carismática “17”, cuja execução foi encerrada com o refrão sendo entoado à capella pelo público, em um momento muito particular e sincero. Não se sabe se o trio vai se reunir de novo para mais shows, mas deveria – é o tipo de apresentação que faz a gente ir dormir sorrindo com um zumbido no ouvido e deveria rodar o palco de todo festival que se preze neste país.


Renato Teixeira no Sesc Belenzinho – 02/08
Texto, fotos e vídeos de Bruno Capelas

Bastante em voga nos últimos tempos, seja por sua participação na novela “Pantanal” ou por um certo genro meio trapalhão, o cantor Renato Teixeira é um homem com uma missão: manter vivo um espírito específico da música brasileira, em especial aquela praticada nos interiores do País. É um formato de show que ele repete há muitos e muitos anos, mas que não se esgota justamente pela força das canções, como pode ser testemunhado por uma lotada comedoria do Sesc Belenzinho, na primeira sexta-feira de agosto, dia 2. Com violão em punho e acompanhado por uma banda de formação de rock clássico – baixo, guitarra, bateria, mais um instrumentista que se dividia entre um instrumento de cordas e flauta –, Renato abriu a apresentação relendo “Deus e Eu No Sertão”, da dupla sertaneja Victor e Leo. É uma rara concessão “contemporânea” em um repertório que, na maior parte do tempo, já soma algumas décadas, misturando clássicos do cancioneiro nacional (“Cuitelinho”, “Chico Mineiro”, “Cálix Bento”) com petardos de sua própria lavra (“Amora”, “Meu Veneno”, “Um Violeiro Toca”). Outra canção recente, de Renato com o compadre Almir Sater, “Assim Os Dias Passarão” abre espaço para que o cantor encante a plateia com histórias dos bastidores da trama de Benedito Ruy Barbosa, enquanto seu clássico maior, “Romaria”, é a deixa para o guitarrista Natan Marques brilhar, emulando em seu instrumento a vibração de uma viola caipira – vale lembrar que Natan fazia parte da banda de Elis Regina no disco que consagrou a canção, “Elis”, de 1977. Antes, teve ainda “Tocando em Frente”, essa espécie de hino nacional que Teixeira compôs ao lado do compadre Almir Sater e que rendeu a maior proporção de celulares gravando stories do espetáculo, além de boas lágrimas no recinto. No bis, teve ainda uma versão rápida de “Amanheceu, Peguei a Viola” e um medley com “Cabecinha no Ombro” e “Felicidade”, pronto para mandar todo mundo para casa com um sorriso no rosto, em um espetáculo eficiente e animado. Com quase 80 anos e uma ficha corrida de excelentes serviços prestados à música brasileira, Renato não precisa de muito mais que isso.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010. 

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