entrevista de Fabio Machado
“Estamos sempre, sempre, voltando”. A estrofe inicial de “Perpétuo”, faixa título do quarto álbum do Black Pantera, aparece algumas vezes, quase como um mantra, durante a conversa com os irmãos Charles Gama (guitarra e vocal) e Chaene da Gama (baixo e vocal) e faz refletir não apenas sobre a ancestralidade do povo preto, mas também sobre caminhos trilhados e diferentes correrias que se cruzam.
A correria dos irmãos se encontrou com a de Rodrigo “Pancho” Augusto (bateria e percussão) há 10 anos em Uberaba (MG). De lá pra cá foram quatro álbuns, dois EPs, diversos singles e uma caminhada que já passou por festivais de grande porte no exterior e no Brasil – onde dividiram um show memorável com os veteranos da Devotos no Rock in Rio de 2022, por exemplo.
Em “Perpétuo” (2024), o power trio mostra novos caminhos melódicos e rítmicos, seja em “Tradução”, uma canção mais vulnerável na voz e baixo de Chaene (com um clipe que já alcançou 100 mil visualizações no Youtube), ou com a percussão atmosférica de Rodrigo em “Candeia” e “Mete Marcha”. Tais novidades vieram naturalmente no processo de composição da banda e até podem assustar ouvintes mais “true” de rock ou hardcore, mas a julgar pela recepção da plateia no show de lançamento realizado no Sesc Pompéia (SP) em junho, “Perpétuo” veio pra ficar.
Na entrevista abaixo concedida ao Scream & Yell, Charles e Chaene falam do show de lançamento, processos criativos que levaram até “Perpétuo”, correrias do underground, além das referências literárias e geográficas que fizeram (e fazem) a cabeça do Black Pantera.
Passado algum tempo após a apresentação, queria falar sobre o show do Sesc Pompeia. Sei que isso foi um marco para vocês, por ser o lançamento e tudo mais. Como foi a preparação para fazer esse show? O que vocês sentiram da resposta do público apresentando o disco na íntegra?
Charles: A preparação foi aquela de show mesmo. A gente sabia do peso desse lançamento, e que ia colocá-lo na íntegra. Tínhamos prometido pra galera que íamos fazer um lançamento oficial, e foi legal que o Sesc Pompéia é um lugar maravilhoso, com estrutura, tudo que a gente queria realmente pra coisa ser bem bonita. O Adriano, nosso produtor, conseguiu o Sesc, então a gente já tinha na cabeça que seria lá. E tem uma equipe trabalhando por trás, é bom salientar isso, as meninas (roadies, passagem de som, iluminação) trabalharam muito bem e o Adriano tomou conta daquele telão bonito. Continuamos fazendo muito show, a gente não para. O tempo é escasso, então nossos ensaios sempre são de noite, mas a gente já estava no embalo das canções novas. E que noite incrível, que noite incrível… A gente tem muita gratidão por isso.
O mais legal é que era o nosso show, né? Então, você se sente que você foi abraçado com um show somente seu, não tinha outras bandas, era somente a nossa data ali. A casa cheia foi legal pra caramba, o público diverso que é o jeitinho que a gente gosta – tinha gente mais velha, gente mais nova, gente preta, gente branca, tinha japoneses, saca? Total povão, do jeito que a gente gosta! A resposta foi maravilhosa, as pessoas já sabem cantar as letras das músicas! Um negócio incrível, porque o CD saiu não tem nem um mês, mas você vê que a galera está fazendo a tarefa de casa escutando todo dia. As canções favoritas já estão na boca das pessoas, então… foi incrível. Quando Chaene começou a cantar “Perpétuo”, fiquei em choque, pois “Perpétuo” já é a segunda (música do show), né? Depois de “Provérbios”, então quando começou (canta a letra de “Provérbios”): “Estamos sempre, sempre, voltando…” e ver aquele eco das pessoas, nossa! A emoção foi muito grande, muita gratidão por aquela noite especial, uma noite realmente incrível pra gente.
Chaene: Foi um termômetro muito bom, porque a gente depois tocou em Diadema e foi um show lindo também, fizemos Americana e Ribeirão (Preto), mas aquele show (no Sesc Pompeia) em especial foi o começo, foi pra gente sentir realmente a resposta. E a resposta foi muito positiva. Agradeço aqui a Piky, a Fernanda e a Isabel que estão na comunicação da Deck, elas estão fazendo um trabalho incrível, conversando com as pessoas, mandando e-mail. A gente está falando com um monte de gente, atendendo muitas pessoas. Mas a resposta do público em relação ao “Perpétuo”, ao disco, está sendo lindo de ver. De arrepiar da primeira à última música, tipo: “Caramba, as pessoas estão cantando todas, estão interagindo!” Foi muito bom e foi um show único, porque duvido que a gente vá tocar o álbum inteiro na íntegra assim de novo. (risos)
Charles: Quem viu, viu! (risos)
Uma coisa que também achei legal do show em si é que vocês tiveram aquela ideia de incluir um figurino da banda, que também remete a essa coisa dos Panteras Negras, e também com as vinhetas de trilha sonora. Como surgiu? Normalmente, vocês chegam lá com a roupa mais básica e pronto, mas agora tem uma coisa mais temática junto. Isso vai fazer parte da tour?
Chaene: Para alguns shows acredito que sim. Lembro que para esse no Sesc Pompeia, a gente falou: “Velho, vamos fazer esse show realmente bonitão, é o show de lançamento”. (Na hora do show) Acho que o Rodrigo (Pancho, baterista) esqueceu a jaqueta, mas está tudo bem, ele é baterista (risos) e entrou com a boininha, já dá um tchan. Aquela foto (que inspira a capa do álbum) é uma foto emblemática, e o Charlin sempre falava: “Essa foto é foda, hein? A gente podia fazer uma capa assim”. E aí topamos, fomos lá tentar recriar, a gravadora entrou na pilha, o Marcos Hermes fez a foto. Tínhamos acabado de gravar o álbum, era o último domingo e a gente acordou tipo 4 horas da manhã para fazer aquela foto e gravar o clipe, também no Rio. Saímos andando, vimos alguns cenários, e decidimos trazer isso pro primeiro show. E trazer a trilha, que é do “Shaft” (do Isaac Hayes), que quando a gente fala de Blaxploitation (nota: movimento cinematográfico norte-americano que surgiu no início da década de 1970) é uma referência absurda. A gente fez a mesma coisa com o “Ascensão” (2022), o primeiro show a gente tocou o álbum na íntegra, só que foi em Uberaba e foi lindo também. (Dessa vez) O primeiro show em São Paulo, ingressos esgotados, decidimos fazer uma parada temática, tocar ele bonitão, inteiro. E acho que super funcionou. Tem muita gente que pergunta: “Ah, vocês vão fazer na íntegra aqui também na nossa cidade?” Cara, acho que não porque que o repertório mudou, agora a gente tem mais de 50 músicas gravadas e para um show de uma hora você tem as músicas do “Ascensão”, tem as músicas do “Perpétuo” que agora são a maioria, tem os outros álbuns, os singles, os EPs, então fica bem difícil de fazer.
“Tradução” foi um momento muito emblemático e bonito no show, com o público acendendo as luzes do celular e cantando toda a letra. Sei que é uma música especial para vocês, mas vocês esperavam um retorno desse tamanho? O que vocês têm achado de repercussão? [Nota do entrevistador: explico a eles que eu mesmo mostrei o clipe pra minha mãe, uma mulher preta, no Whatsapp e que ela gostou da música e do tema]
Chaene: Cara, acho que com “Tradução” a gente furou várias bolhas. A gente vem furando várias bolhas na nossa carreira, mas “Tradução” pegou a galera meio desprevenida, porque ninguém esperava… acho que nem a banda esperava, porque quem ouviu primeiro foi o Rafa (Ramos, da Deck, produtor do “Perpétuo”) e ele falou: “Velho, essa música vai entrar no disco”. Mandei pros meninos, e eles falaram: “Cara, é isso!” A gente não sabia como arranjar a música, mas a mensagem era extremamente importante de ser passada… e saiu. E quando saiu o clipe também já deu aquele gás, e muitas pessoas vieram conhecer a banda, os números já estavam lá em cima. Tanto que acho que (a repercussão) foi três vezes mais do que quando o “Ascensão” saiu. O “Ascensão” foi uma parada gradativa, já o “Perpétuo” foi uma coisa que muita gente já estava esperando.
“Tradução” é um momento único no show, porque a gente não tinha esse momento de falar: “olha gente, agora vamos dar uma respirada, vamos falar aqui claramente sobre racismo estrutural na sua essência e como ele afeta a vida de mulheres negras”. E tem o lance das luzes, as pessoas gostam de cantar, as pessoas gostam de ligar (para outras pessoas na hora da música), tinha uma menina lá naquele dia que ela ligou pra mãe dela! E falou: “Velho, eu liguei pra minha mãe porque minha mãe queria, ela estava no Mato Grosso e ficou apaixonada” e eu chorando, e ela chorando e a gente emocionado… Cara, olha aonde a gente chegou com isso, com o poder da arte, o poder da música.
Abre um espaço novo aí, não?
Charles: Total.
Chaene: Abre um espaço novo, sim. Muita gente chegou por conta de “Tradução”, e aí a pessoa chega e quer ouvir o álbum inteiro. Tem gente que gosta mais do disco, tem gente que só gosta de “Tradução” e está tudo bem. Mas foi uma maneira muito inteligente (de divulgar), porque as rádios começaram a tocar um mês antes do streaming, já é uma outra bolha que a gente furou. Porque o Black Pantera toca de vez em quando numa rádio ou outra, ok. Mas essa música está tocando em várias rádios do país: Mundo Livre FM (Curitiba/PR), a Rádio Rock (89 FM em São Paulo/SP), a Kiss FM (São Paulo/SP), tem rádio em BH e em diversas capitais que estão tocando “Tradução”. E quando acha no streaming, tem gente que fala: “Cara, eu ouvi na rádio e vim procurar, peguei o refrão e pus no Google para saber que música era porque não deu tempo de descobrir…” então, é um momento novo da banda. Essa parte do show (com “Tradução”) foi algo histórico, a gente postou nas redes porque foi lindo demais poder vivenciar, e foi uma sacada inteligente, já que, querendo ou não, é uma música que fala de racismo estrutural e que está tocando nas rádios, está atingindo várias pessoas, de diversas maneiras. Estamos muito felizes com o disco e com ela, mesmo, e os números provam isso com certeza.
Ainda sobre “Tradução”: essa é uma música onde você, Chaene, tem um papel bem mais atuante, tocando baixo e cantando. Nesse álbum como um todo, esse papel cresceu um pouco mais com você usando mais a voz. Queria que você e o Charles falassem como que esse papel se desenvolveu, se foi algo natural ou se foi uma iniciativa de vocês de dividir mais essa função das vozes.
Chaene: Foi bem natural, porque essas músicas que eu estou cantando, eu que escrevi. Quando escrevo as músicas em casa, geralmente já faço com a harmonia, então é a minha voz ali no instrumento e tal. Eu mando pro Charles e falo: “Ó, fiz essa música…” e eu sei que “Tradução” já tinha esse lance, (o Rafael Ramos, produtor) falou: “Cara, está muito foda do jeito que você cantou, o sentimento é esse”. O Rafa, desde o primeiro áudio no WhatsApp, sacou: “O sentimento é esse, isso precisa ser gravado”. Então eu meio que já sabia (que ia cantar a música). Lembro que a gente estava na correria para fazer música e “Perpétuo” já existia. E falamos: “A gente podia dividir os vocais, né?” Tipo, eu faço as músicas e passo pro Charles, pensando nele cantando, mas “Perpétuo” tinha ficado legal na minha voz também, e falei: “Pô, a gente pode dividir, eu canto aqui, a gente faz o refrão e tal…” e soou muito bem assim nos ensaios.
“Candeia” eu lembro que eu tinha feito, e acho que o Charles meio que não estava pegando muito a ideia no ensaio, porque a gente já estava com música pra caralho, e eu sempre querendo passar música e ao mesmo tempo ele fazendo as buscas dele, os riffs, é muito riff, muita coisa, e falei: “Não, eu vou fazendo aqui para você pegar”. E fui fazendo (risos) “Candeia”, foi acontecendo. Então, foi muito natural. “Candeia” é uma música que basicamente é percussão e voz, o verso é todo construído em cima da percussão e de rap e hip hop, que eu gosto muito. Fiz um trecho de “Negro Drama” (dos Racionais MCs) durante quase dois anos na tour. Daí falei: “Então tá, vamos fazer para ver”. E ficou muito foda assim, acho que não foi algo forçado. Foi difícil para mim gravar porque, encontrar a minha voz assim, de cara, no estúdio… lembro que eu gravei e fiquei ainda meio: “pô, será que está legal, velho?” E os meninos: “Não, está massa”. Isso gerou muita discussão porque em “Perpétuo” eu canto num tom mais alto e eu preciso me ouvir muito bem, porque para chegar naquele nível do estúdio, você está com um fone maravilhoso, ouvindo super bem e no show já tem essa preocupação. Preciso muito ouvir o que estou falando, o que estou fazendo porque não tenho essa força na voz igual o Charles tem. Mas o meu timbre é legal, tem afinação e a galera está pirando muito, teve gente que achou que era participação. Mas não, sou eu cantando.
Era algo que o Charles estava acostumado por já cantar as músicas (antigas), e agora você também está tendo que se adaptar a esse papel.
Chaene: Exato. E para além de sermos irmãos, as nossas vozes se somam, são timbres diferentes, formas diferentes de cantar e somaram muito (na gravação). Isso deu uma outra cara. “Tradução” e “Perpétuo” hoje no Spotify são as mais ouvidas. Então, estamos muito felizes com esse resultado porque a banda conseguiu se reinventar. Em 10 anos, a gente consegue trazer outras formas de expressar a nossa arte.
Aproveitando que você falou de “Candeia”: pelo que ouvi, acho que é uma das faixas que tem mais elementos afro-brasileiros, não só pela percussão como também pela letra junto a esse arranjo que, como você mesmo falou, tem destaque para percussão e a voz já chamando atenção de forma mais declamada, que tem esse link com o hip hop. Vocês podem falar um pouco do processo de composição dessa faixa?
Chaene: Acho que essa faixa nasceu com a harmonia, ela tem três notas, quatro notas. Só que quando eu fui falar (com a banda), foi: “Cara, essa música é meio falada, meio declamada. Então Rodrigo (Pancho, baterista), acho que você podia fazer algo na bateria que soasse diferente”, e ele entrou na pilha. E no primeiro ensaio já ficou muito foda assim, é o que a gente fazia com “Negro Drama” que era só bateria e voz. A gente replicou isso em “Candeia” e ficou muito grandioso. No ensaio já tinha ficado assim e falei: “Cara, isso é gigante”. E no estúdio a gente pode pirar, o Rodrigo já falou: “Cara, a gente tem que encher de percussão pro disco pra ficar bem cheio”. E foi o que ele fez, ele gravou mais de 10 percussões para essa faixa, e tem uma galera que fala: “Se ficar tocando muito essa porra eu vou incorporar aqui”, sabe? A galera já fica meio assim porque a parada vai no cerne mesmo. É tribal, é ancestral, e a letra também, velho…
E ao vivo continua forte.
Chaene: E é muito foda porque estou ficando muito emocionado, eu não posso olhar pra galera no show… Olho pra pessoa, ela está chorando, está cantando com garra, com força, gritando… Eu não posso olhar para ninguém porque fico: “cara, vou chorar”…
No show (do Sesc Pompeia) você falou: “Se eu chorar, vocês cantam”…
Chaene: Exato, tinha 30 pessoas assim (imita pessoas chorando), e eu falei: “Pô, a pessoa ligando pra mãe, eu não vou conseguir cantar” (risos). “Candeia” é a mesma coisa… eu lembro que a gente fez em Diadema (SP) e eu quase chorei…
Charles: “Candeia” é uma música épica, e é legal isso: a gente consegue em três – sem outros elementos de palco, sem VS (sigla usada para faixas de instrumentos pré-gravados que são usados por artistas em shows ao vivo), sem tecnologia, com bateria, baixo, guitarra, os três instrumentos e voz – deixá-la tão épica quanto no CD, que tem muita percussão. Ela é bem carregada mesmo, e no show a gente está sabendo suprir esse peso que ela tem no álbum. Mesmo com a ausência, às vezes, das percussões, mas o Rodrigo é um puta batera, né? Ele consegue jogar o bumbo de uma forma diferente…
Deu para ver que ele fez um trabalho muito interessante ali, incorporando umas coisas de percussão junto com as coisas de bateria que ele já faz.
Charles: Sim, esse trabalho do Rodrigo, dos álbuns que a gente fez nesses anos todos, eu achei o trabalho mais incrível dele como batera com a gente. Foi o trabalho dele que eu falei: “Nossa, ele é um puta de um batera!” Sempre soube da qualidade dele, mas nesse álbum realmente ele mostrou que é um multi-instrumentista fenomenal, eu pirei vendo gravar as percussões… ele tem o senso, o timing certo, porque percussão a gente não coloca de qualquer jeito numa música. Não é simplesmente bater ali, tem que saber onde que coloca, e ele conseguiu com muita poesia.
Só ele que fez essa parte de percussão? Vocês participaram de alguma forma?
Charles: Não, a parte de percussão só foi ele e o Rafa que tomaram conta disso. A ideia do Rafa era chamar um pessoal do Rio de Janeiro para fazer essas percussões, só que o Rodrigo falou: “Não, eu consigo, vamos fazer”. E realmente ele sentou lá e conhecia cada instrumentinho que estava lá, foi testando barulho, sons, eu e o Chaene ficamos só olhando admirados mesmo nessa parte de percussão. Quando a gente via, era o tempo de eu fumar um cigarro e voltar e ele e o Rafa já tinham colocado (as percussões), saca? E já estava bonito, já estava épico. Ele mandou muito bem, Rodrigão é foda.
Falamos de várias coisas novas para vocês: momentos mais épicos, mais melódicos, mas vendo o show e ouvindo o álbum fica claro que o peso continua latente com o groove, que sempre foi algo característico de vocês. Pensando no processo criativo, teve algum conflito para juntar esses dois elementos? Pegar o peso que já era de vocês e juntar com suas coisas diferentes, foi tudo muito natural mesmo?
Charles: Cara, foi muito natural. Eu vejo que as músicas foram vindo igual “Perpétuo”. A gente estava viajando pro Nordeste, indo para Garanhuns (PE) quando o refrão veio. E eu falei: “Pô, essa música aqui…” E é massa que eu passo (a música) pros caras e a galera já entra: “Chaene, ok que está saindo um pouco diferente, mas é foda. Está mais melódico? Beleza. Está com outra cara, mas está foda, e é Black Pantera”. O discurso está ali, está inserido… Foi o que falei no começo sobre “Tradução”: eu não conseguia ver a banda tocando. Mas pô, era foda, é foda e super funcionou, sacou? A gente sempre foi muito aberto, não teve uma divergência assim: “ai cara, será?” Não, a dúvida foi minha. Tanto que lembro que o Rafael falou: “cara, não quero fazer um disco igual (ao ‘Ascensão’)”. Lembro que a gente tinha mandado várias músicas, que eram as mais pesadas, mais hardcore… e quando a gente mandou “Perpétuo”, “Tradução” e acho que “Candeia”, que a gente não tinha ainda gravado, ele falou: “Não, agora sim. Essas três faixas dão outra cara pro disco, a gente não está soando tão ‘Ascensão’ como era, vocês estão vindo diferentes, então ensaiem essas músicas, o repertório está fechado e vamos gravar”. Então foi assim, muito natural. A gente não quis um “ah, a gente vai fazer assim”… Essas músicas foram vindo dessa maneira e ficamos abertos a isso, e ficamos muito felizes com o resultado porque a galera realmente abraçou. É um ou outro que fala: “Ai, está menos pesado”… mas está foda, as letras estão foda, está lindo. Então o resultado foi incrível!
Charles: Sim, foi demais, foi incrível. A gente tem essa liberdade de sons, de ideias, a gente não se prende a algum rótulo. Se o riff sair metalzão, saiu metalzão; se sair blues, saiu blues; se sair MPBzado, saiu MPBzado. A gente não tem esse limite de: “ah, isso aqui pode ou não pode”. A gente captou essa mensagem de não fazer um disco igual, e também não temos esse desejo de fazer igual, a gente gosta de se reinventar sempre. Dez anos de banda, quatro álbuns, dois EPs, nesse tempo a gente passou por muita coisa, conseguiu vincular nosso som com as pessoas. Acho que a pessoa quando escuta um riff, seja em rádio ou playlist, já sabe que é a gente de alguma forma. Quando entra a voz, aí que realmente as pessoas já assimilam que é a gente: “opa, isso aqui parece Black Pantera! Ó, falei que era Black Pantera”. Saca? A gente fica muito feliz com isso porque… você ficar preso somente em um estilo é uma questão de gosto, existem várias bandas fazendo o mesmo estilo e é maravilhoso, está tudo certo. Só que realmente a cultura musical que a gente teve, tanto eu e Chaene quanto o Rodrigo, era de escutar samba, pagode, tudo que você pensar… forró, metal, a gente escutou tudo porque em casa ainda tem disco de tudo. Então, a gente sempre teve essa liberdade e, quando eu montei a banda, os meninos também abraçaram a ideia, e cada ano é alguma coisa nova. Estou falando em toda entrevista: nem sei como é que vai sair o quinto (álbum da banda), gente, vocês nem me perguntem… a gente está sempre misturando e eu nem sei como vai ser, mas vai ser foda (risos).
Ouvindo a discografia, realmente parece que é uma evolução mesmo, de composição, timbre e tudo mais. Mesmo a parte mais hardcore é diferente em relação ao “Ascensão”: se pegar a “Sem Anistia”, por exemplo, acho que é uma das coisas mais rápidas e mais pesadas que vocês já fizeram. Essa faixa também me chamou atenção não só pelo peso, já que as letras relatam um episódio lamentável da história recente do país [os ataques do 8 de janeiro de 2023 em Brasília]. Vocês pensaram na letra ali naquele momento que a história estava acontecendo ou foi depois, quando estavam no estúdio?
Chaene: Essa foi na hora. Eu estava em casa vendo, acho que todo mundo estava vendo atônito o que estava rolando. E o mais doido é que eu lembro que eu vi pessoas de Uberaba, tem pessoas de Uberaba que estão presas, inclusive um dos caras chegou a dar aula de balé, era professor de balé da minha filha. Ele estava lá, foi preso, aí depois fez live no Facebook, subiu na rampa, a galera depredando… aí apagou tudo, sumiu das redes, falou que não era bem aquilo, que a Globo que estava inventando, eu falei: “mano…” E é um cara preto, mano. A gente ficou, tipo, inacreditável. Eu falei: “velho, laboratório de realidade paralela” (o Brasil). E vendo aquela cena, aquilo tudo, essa música é de 8 de janeiro de 2023, “Sem Anistia” foi composta assim. Já tinha letra, o texto, eu falei: “Isso aqui tem que ser rápido, sujo”… e ela é um minuto e meio assim, é direta, explícita. Velho, que loucura aquilo, mancharam a nossa história, mancharam a democracia. Então a gente fez uma letra que veio naquele dia mesmo, foi a nossa forma de expressar nossa fúria também. Às vezes para além de ir pras ruas e tal, é através da nossa arte.
No show do Sesc Pompéia também foi marcante o que vocês também falaram sobre a PL 1904, outro episódio lamentável relacionado ao cenário político nacional. E acho que conectou bem com o público que estava ali, principalmente as mulheres, e isso é algo que vocês sempre tiveram uma preocupação, de reconhecer esse espaço das minas e levantar essas bandeiras sempre que possível.
Chaene: As meninas, as mulheres, elas eram um público muito mínimo no começo e hoje já aumentou, principalmente com esse lance da roda das minas, que a gente aprendeu com o Devotos, eles sempre fazem isso. Tem gente que acha que o Devotos acabou né? A parada é muito surreal, assim, por ser uma banda do Nordeste e tal, mas é emblemática. Isso meio que começou assim: “Ah, eu fui no show do Black Pantera, eles vão tocar em Ribeirão Preto” e essa pessoa conhece alguém de Ribeirão, aí ela fala: “ó fulana, eles vão estar na sua cidade, vai no show, eles estão totalmente ligados nas questões políticas, tem o ativismo, e tem um momento de fazer a roda das meninas”… e assim elas se conectam, uma vai falando para a outra e assim elas têm ido cada vez mais aos shows, elas querem falar, elas têm voz, se sentem representadas, são respeitadas. Lembro que a gente foi tocar no Circo (Voador, no RJ) e comentaram: “Está parecendo show do Backstreet Boys, aqui só tem menina, só tem mulher”… mas não, é porque elas se sentem acolhidas nesse espaço. Todas as rodas são das meninas, mas a gente tem que pontuar: “ó, vamos ensinar aqui, esse momento vai ser só a roda das mulheres porque elas também querem ter esse protagonismo”. E aí tem shows que elas querem muito mais. Elas não querem sair mais, dominam a frente, dominam o espaço…, deixa aí, está lindo porque elas falam com a gente depois, e tem mulheres aí de 50 anos falando: “ó, nunca tinha ido em uma roda na minha vida, sempre quis ir e vocês realizaram meu sonho, me senti livre, liberta”.
Foi engraçado que no final do show eu fui pegar um carro, e tinha um homem conversando com outros amigos assim: “Nossa, é a primeira vez que eu vejo uma roda só de menina, ideia genial”. É doido que isso ainda seja uma novidade para as pessoas.
Chaene: É uma novidade total, então a gente ficou muito feliz porque ficou pontual e elas exigem. Já teve show delas falarem assim: “velho, essa que vocês tocaram não está hardcore o bastante, a gente quer mais rápido, mais hardcore, falou?” Carai, então vai, então destruam, saca? É isso. Mais rápido, mais forte, mais… Nossa, é muito foda. Eu até falei em alguns podcasts sobre essa questão da roda das minas, porque está se tornando meio que um movimento também. O cara (assiste o show), tem uma banda e fala: “vou fazer uma roda com as meninas”. Então vai só agregando mais. É uma sementinha que vai plantando, e a gente também vai passando para frente.
Outra letra que também me chamou atenção no título é a “Black Book Club”, e pelo que entendi da letra ela fala sobre o acesso à leitura para a população preta, por todos os meios necessários. Queria saber de vocês qual a importância que a leitura teve na formação de vocês e se vocês têm alguma leitura também para recomendar. Pode ser quadrinho, livro, fanzine, o que for.
Chaene: Nossa, mano, estou com tanto livro aqui para ler… o Black Book Club é disso, é o que o Mano Brown e o Djonga estão falando também, de que a população preta, a população pobre tem que ter acesso a leitura, a educação. Porque a educação transforma, você amplia a visão. Antes do Black Pantera a gente não era tão letrado racialmente. Como que a gente chegou a esse ponto de falar dessas letras, de falar do que foi a revolução do Haiti, de falar da rebelião do império Ashanti? Porque a gente descobriu um outro mundo que existia, mas estava blindado pra gente. Por exemplo, eu fui ler o livro do Abdias do Nascimento (“O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-Africanista”), que é um puta filósofo ativista, o cara era foda pra caralho, viajava o mundo inteiro falando da questão do negro no Brasil, e faleceu, quase ninguém sabe, quase ninguém conhece. E você começa a descobrir essas pessoas, esses autores, esses poetas, o que o Luiz Gama representou pro Brasil, pra causa abolicionista…
Minha estante está cheia de livro, mano, ó [olha para a estante ao lado]: “Relações étnico-raciais”, “O Negro no Brasil”, “Questão de Pele”, “Quilombos”. Estou com um bilhão de livros aqui porque a galera me dá um monte de livro, minha esposa fica assim: “cara, como a gente está sem tempo, eu vou lendo os livros e vou te passando um feedback e tal”, mas eu também quero ler para ter essa imersão. Eu comprei numa loja de quadrinhos, que eu e Charlin gostamos muito em São Paulo, esse aqui que é o “(Marvel) Essenciais: Pantera Negra”, que mostra a origem do Pantera Negra… quando o Hitler tentou invadir Wakanda, a África e mostra tudo isso, é muito foda. O Charlin vai te passar a ideia de como a construção do Black Pantera se deu através de livros!
Charles: Foi! Eu estava na revolta envolvendo essas questões pretas, sempre me causou incômodo… a gente tem que voltar um pouquinho lá atrás, de ser às vezes o único preto num rolê de rock, no rolê de punk, quando o Chaene colava era dois, né? (risos) Enfim, isso começou a me causar incômodo e eu fui procurar bandas. Eu fui realmente um cara que buscou muito, na época que o acesso era muito difícil para você ver algum artista preto fazendo rock and roll, rock and roll mesmo, não digo nem um blues, mas música mais pesada, até que chegou essa galera do Living Colour. Num determinado momento passei a ler a descoberta do Malcom X, que eu só vi na televisão, por frames e tal… a gente sabe da história mais ou menos naquilo que a galera conta, e eu comprei um livro do Malcolm X e também consegui ter acesso aos Panteras Negras, que foi realmente uma paulada assim, tipo: “putz, cara, olha o rolê dessa galera aqui”, sabe? Olha o rolê do Malcolm X, do Fred Hampton, Luther King, eu fui me envolvendo muito com essas lutas também aqui no Brasil.
Lembro que peguei um livro na Biblioteca Municipal de Uberaba, um livro bem escondidinho sobre a África que também abriu minha cabeça para caramba, que mostra lá os reinos e tudo mais, coisa que eu nunca tinha lido na escola. Porque normalmente, quando a gente pensa em África e o colonizador chegando lá, a gente imagina que estava todo mundo pelado não fazendo nada, nas praias, rolando na areia talvez… Então, essas histórias não chegavam. Quando eu descobri tudo isso a banda ficou ainda mais visível para mim, porque apesar de eu morrer de vontade de escrever algum livro algum dia, eu sabia que na música talvez seria um caminho mais certo para mim, fazer uma banda de rock igual conheci o Living Colour, Bad Brains, diversas bandas. E quando começou foi através de leitura, cara, foi leitura.
Eu tenho esses livros aqui até hoje: Panteras, Malcolm, África Brasil, foram formadores de opinião pra caramba. Quando montei a banda, eu sempre persegui o Chaene, Rodrigo… exatamente porque eu queria uma banda preta, apesar de ter outros membros na cidade que poderia somar, eu realmente queria uma banda preta, que a primeira coisa que as pessoas veriam seria a imagem e pela imagem eu falar assim: “Não, estou querendo ver o que esse negão tem para fazer”. Foi através disso que o Black Pantera nasceu, eu fiquei um ano compondo, mas devo muito aos livros, igual o Chaene falou. O mais legal é isso, cara, os fãs nos presenteiam com cultura preta para caramba. É livro, links que eles mesmos escrevem, poesia, o que tem de gente que me manda letra de música… Eu acho que eu teria uns três álbuns do Black Pantera só com letra que a galera manda e fala: “ó, escrevi pensando em vocês, se algum dia quiserem usar”… chega tanta letra, tanto de meninos quanto meninas. O que é mais legal, você vê o tanto que é a importância da leitura. Ela é muito grande até hoje, apesar da tecnologia e tudo no telefone, é bom demais você abrir um livro e entrar num mundo diferente daquilo que você sempre viu, abre caminhos para você.
Chaene: Vou só deixar aqui uma dica de livro: “Os Panteras Negras: Uma Introdução“. Ele é bem curtinho, mas ele é foda! É do Henrique Marques, um abraço para ele e pra editora Jandaíra. É curtíssimo, mas, por exemplo, algumas coisas que eu não sabia: na Segunda Guerra Mundial, o comboio preto era totalmente isolado e os generais, os coronéis todos martirizavam esse comboio. E foi o pelotão que mais avançou, um dos pelotões mais fodas durante a Segunda Guerra, os caras eram igual bucha e eram pessoas pretas. E os Panteras Negras também abordam isso nesse livro do Henrique. Então, tem muita história e muita coisa que a gente nunca vai saber, que foi apagado, foi sequestrado, que tipo… “vamos omitir isso?” É igual a parada das pirâmides, né? “Ah, mas como os africanos fizeram as pirâmides?” Aí inventaram essa que foram alienígenas que trouxeram para não falar que são os pretos, tem que ter uma desculpa… aí colonizaram, aí embranqueceram, “ah, Cleópatra era uma mulher branca…” eu sei que ela tinha um pouco de descendência europeia, ok, mas no contexto que ela estava inserida, mano, duvido que Cleópatra era uma mulher branca, enfim. Tudo foi usurpado, roubado, é um tempo de retomada e é isso, cara: cultura, arte e educação transformam. O Black Pantera é o Black Pantera hoje por conta disso e quanto mais a gente lê, mais a gente descobre e as músicas vêm mais incisivas.
É massa o que você falou sobre quando a banda começou, que vocês ainda não tinham tanto letramento racial quanto têm agora. Então, a própria banda acabou sendo uma usina de conhecimento para vocês absorverem mais coisas e, ao mesmo tempo, propagar mais conhecimento. Acho que tem um pessoal mais jovem agora que se beneficia com isso. Quando tinha 15 anos, eu não tinha um Black Pantera; precisei esperar até conhecer um Living Colour. Mas agora tem um Black Pantera que traz esses temas em português e fica muito mais fácil de acessar essas referências. Isso também continua com “Provérbios”, trazendo a cultura afrolatina. Sei que vocês já falaram em outras entrevistas que isso é uma influência das experiências que vocês tiveram viajando e tocando em lugares da América do Sul. E é interessante como cada passo da banda também vai ajudando vocês a agregarem mais coisas, agora também com a afrolatinidade sendo explorada. Se vocês quiserem falar mais um pouco sobre o tema…
Chaene: A gente ficou muito imerso nesse festival, no Rocódromo, em Valparaíso, no Chile. Tocamos um dia, mas foram tipo, quatro dias no Chile (convivendo com) outras bandas da América Latina, bandas da América do Sul. É uma cultura pulsante, pujante, e aí você vê que os caras têm um orgulho imenso disso. É muito doido porque o Brasil é meio distante da América Latina. Não sei se é porque a gente fala português e a maioria do continente fala espanhol, aí a gente tem esse olhar mais assim… o Brasil acho que olha mais para a Europa, olha mais pros Estados Unidos, e a galera da América Latina gosta muito do Brasil. Cara, a cultura é realmente quente, está fervilhando, a história é de resistência, tem povos aí que foram massacrados, povos que resistiram e eles trazem isso. E a gente começou a pensar nisso: cara, nós somos afrolatinos. Daí que vem o ponto de “Provérbios” (declama o trecho da música): “afrolatinos, afrolatinos, soy la revolución”, de trazer essa América Latina mais perto. E acabou refletindo na letra, acabou refletindo no conceito do álbum, e é muito doido isso, né? Abriu tanto a nossa mente que a gente construiu meio que um álbum em cima desse conceito. A gente até estava falando: “cara, se ficarmos 10 dias na África, não sei como a nossa mente vai”… porque (com “Perpétuo”) a gente absorveu a parada e conseguiu pôr algo novo para fora, então se a gente fica no continente africano 10 dias, meu irmão… nem sei o que a gente traria, sabe? Uma junção, um laboratório que valeria muito, de repente viabilizar com alguém que consiga nos ajudar, patrocinar isso. Fazer um laboratório, ficar 10 dias na África pesquisando música, conhecendo músicos, tendo essa vivência. Porque aí eu acho que a gente constrói um álbum totalmente diferente do que a gente já tem.
[Nota do entrevistador: nesse momento, Charles agradece pela entrevista e se despede para outro compromisso. A entrevista segue com Chaene]
Imagino que tenha coisas que os fãs briguem para ouvir, coisas que não podem faltar. “Fogo nos Racistas” acho que hoje em dia não pode mais faltar, por exemplo.
Chaene: “Fogo nos racistas”, “Padrão é o Caralho”, essas músicas não podem faltar (no show). E aí vem sendo difícil porque “Candeia” é uma música que acho que vai estar em todos os shows, “Perpétuo”, “Provérbios”, “Tradução”, “Boom”, cara, está difícil. Vamos meio que variando uma ou outra pra cada set, mas “Fogo nos Racistas”, “Padrão”, “Revolução é o Caos”, “Mosha”, quer dizer, aí já são quatro do “Ascensão”.,,
Espero que “Sem Anistia” continue, que ela é mais curtinha… (risos)
Chaene: Não, “Sem Anistia” não pode faltar também (risos). O show continua pesado, rápido, tem vários momentos assim, ele está bem cadenciado. Então, a gente está bem feliz por estar com essa dúvida pesarosa de “o que vamos tocar hoje?”. Uma ou outra a gente vai ver, tem as que não vão faltar de jeito nenhum, “Sem Anistia” com certeza é uma delas, e tem as que a gente vai variando assim, de uma cidade para outra.
Acompanhando a banda, vejo que além de vocês participarem desses show maiores – além do lançamento no Sesc, vocês também vão fazer a abertura do Suicidal Tendencies e do Living Colour em breve – a tour também inclui lugares mais underground como o Gaz Burning em São Paulo e no Estúdio Mutante em Americana (SP). O quão importante é para vocês manter essa conexão com o underground e o que muda em cada uma dessas situações?
Chaene: Estamos fazendo o mesmo show praticamente, o lance é a estrutura que muda. Nós somos um power trio, a gente gosta muito de tocar ali, cara a cara, ver as pessoas olho no olho, a gente ainda tem essa veia. E querendo ou não, a gente hoje vive da banda, os três vivem da banda já tem um ano e meio, mas a banda não é mainstream gigante. A gente vive de show e de merchan, então a gente consegue se manter através disso, de estrada. Aí tinha esse show no Sesc, tinha um show, por exemplo, em Diadema que a gente fez pra Secretaria de Cultura que foi foda, foram os dois primeiros shows do “Perpétuo” e foi uma galera… o de Diadema, acho que tinha mais de 1000 pessoas naquele dia. E aí a gente tocou em Americana e em Ribeirão Preto (SP), que eram picos menores, mas que era um cachê legal, a gente conseguiu vender merch para caramba e é isso, a gente se adequa a várias realidades sem nenhum problema. Transita entre mainstream e underground passando a nossa mensagem. Porque a gente sabe que tem gente que não vai conseguir ver a gente aí num Rock in Rio, por exemplo. Ah, mas a gente vai tocar no Rio num lugar mais underground, comporta ali, sei lá, 400, 500 pessoas, e num preço acessível, porque querendo ou não nós somos uma banda preta e a gente sabe que pessoas pretas não têm tanta grana assim, sacou? Então, fazemos questão disso, de viabilizar para que essas pessoas possam ver. Igual quando a gente tocou no Nordeste, a gente fez oito shows, pegamos aí dois shows que meio que pagavam a tour e saímos fazendo em lugares menores com a Eskröta que tem a mesma mentalidade, é uma banda feminista, e super funcionou. É um jeito da gente rodar, de ir até as pessoas, se conectar e também fazer o nosso ganha pão, porque querendo ou não a gente está ali trabalhando… e consegue fazer de uma maneira bonita. Está muito legal assim. De agenda está lotado, porque a gente se adequa a vários eventos: faz o Sesc, faz festival gigante, um pub menor na cidade, mas que dá ali 300 pessoas, e está sendo muito incrível. Mas não é todo mundo que topa fazer isso, cara. Não é todo mundo. A gente é muito correria e a gente é feliz fazendo isso. É uma honra para você chegar numa cidade e as pessoas irem te receber, as pessoas estão loucas para falar com você, para te dar um presente, te dar um abraço, não acreditam que a gente está ali no merch. E a gente fala: “Não mano, estou aqui, a gente é outro esquema”, a gente tem outra mentalidade e é feliz sendo assim. As pessoas querem ter esse contato de chegar e falar assim: “ô velho, vim por causa do meu filho, ele me apresentou vocês, e/ou vice-versa… nossa, sou muito sua fã, cara, as músicas de vocês me salvam”. Ter esse contato é o termômetro, e assim você fideliza a pessoa. Igual o Charles falou: o Sesc só tinha a gente (na noite do show), era uma noite só com Black Pantera. Não tinha nem DJ, era só Black Pantera. Quem foi, foi para ouvir o nosso disco.
Para fechar, quais os próximos planos dessa tour e o que vem pela frente nesse tema afrolatino? Alguma colaboração com outras bandas da América Latina?
Chaene: Nós gravamos o “Perpétuo”, aí fomos convidados para participar de um single de um cantor da Guiné-Bissau que é o Patche di Rima. Ele estava em São Paulo, participou da Virada Cultural, fez algumas coisas na Bahia e ele é fã da banda… a gente já trombou ele em Floripa (SC), no Psicodália, ele viu o nosso show e falou: “quero pôr vocês (no single), fazer essa junção de Guiné-Bissau e Brasil”. E esse single vai sair nas plataformas em breve, estamos esperando para ver o resultado, mas muito felizes com essa conexão. Quem sabe aí, para um futuro próximo… Mas assim, a gente tem algumas coisas para ver na gringa, eu estava até falando com o Rodrigo (Dead Fish) sobre essa questão de tentar uma tour na América Latina, porque ele é um cara que liga e fala: “cara, vocês transcenderam com esse álbum, a gente precisa ir com vocês para desbravar a América Latina… tem muito rolê, muito festival, conheço muita gente”… então é um projeto que a gente está conversando ainda, tem algumas coisas também para Estados Unidos, mas não tem nada fechado, são só conversas. Mas a tour do “Perpétuo” vai passar por vários lugares no Brasil, a gente tem vários shows que ainda não divulgou, shows grandes que não pode falar de maneira alguma, então a gente está muito feliz porque vão rolar algumas coisas bem da hora [nota do entrevistador: a entrevista é anterior à confirmação do Black Pantera no line-up do Knotfest 2024]. Já gravamos dois clipes (“Tradução” e “Provérbios”) mas na próxima semana a gente começa a gravar o clipe de “Perpétuo”. E vai ser foda, conseguimos um orçamento legal, a diretora é a mesma de “Tradução” (Carol Borges) e a música é linda, essa parada de continente-mãe, de “estamos sempre voltando”, a gente está meio que pirando nisso para trazer um clipaço. E vamos continuar trabalhando muito para botar esse disco na estrada.
– Fabio Machado é músico e jornalista (não necessariamente nessa ordem). Baixista na Falsos Conejos, Mevoi, Thrills & the Chase e outros projetos. A foto que abre o texto é de Marcos Hermes / Divulgação
Parabéns pela entrevista, muito boa!