texto de Luciano Ferreira
As imagens sempre tiveram papel fundamental no conceito do duo epic45, formado pelos músicos Ben Holton e Rob Glover em 1995. Estão intrinsecamente ligadas ao trabalho musical da dupla desde seus primeiros trabalhos e expostas nas capas repletas de simbolismos, marca registrada desde sempre. Não é diferente no recém-lançado ‘You’ll Only See Us When The Light Has Gone‘ (2024). E aqui chegamos a outro característica indissociável quando falamos dessa banda sediada na chamada English Midlands – região de campos e belíssima natureza, mas também de construções abandonadas –: os títulos instigantes, seja das canções ou dos álbuns.
Como a discografia do epic45 é extensa, corroboraremos a afirmação anterior atendo a trabalhos mais recentes, como uma das faixas do anterior ‘Cropping The Aftermath’ (2020), a ótima “Buildings Aren’t Haunted, People Are” (“Construções não são assombradas, pessoas são”). Ou ainda de um outro álbum de 2020, ‘We Were Never Here’ (“Nunca Estivemos Aqui”), representado no título da canção “Your Life Is A Faded Spire” (“Sua vida é uma torre desbotada”). Por sinal, esse foi um álbum de canções compostas para acompanhar um livro de fotografias de 48 páginas, tiradas pela dupla entre 2019 e 2020, em South Staffordshire.
‘You’ll Only See Us When The Light Has Gone’ (‘Você só nos verá quando a luz se apagar’), o título do novo álbum, é uma frase forte e pode levar a interpretações diversas. Inclusive sendo possível tomar o apagar da luz no sentido do fim da banda, que apesar de décadas de carreira e longa discografia, segue numa quase total obscuridade. Ao mesmo tempo, a dupla segue mostrando o fascínio também pela parte visual, a capa é uma fotografia de Holton (responsável por quase todas as fotos da capa dos álbuns da banda), enquanto o design e layout é de autoria de Glover.
Sediados em seu próprio selo, o Wayside and Woodland Recordings, o duo tem liberdade para suas criações e também para lançar outros artistas e trabalhos paralelos.
O novo trabalho dá continuidade a uma nova faceta que se tornou de uso mais efetivo a partir de 2009 – especificamente no EP ‘In All Empty Houses’ –, o uso dos vocais de Holton. Surgida como um projeto essencialmente instrumental e com uma sonoridade mais ambient e de difícil acesso, o uso dos vocais tem permitido ao epic45 abrir as “portas” para novas sonoridades e, por consequência, para um novo público. “New Town Faded”, single no novo álbum, é das coisas mais acessíveis do duo, com uma estrutura bastante convencional de música pop, encontrável em trabalhos de bandas como Mogwai e Slowdive, por exemplo.
Dessa forma, o novo trabalho se conecta bastante com o de 2020, quando o grupo expandiu sua sonoridade para outras influências, incluindo o trip-hop. As canções seguem estruturadas a partir tanto de elementos eletrônicos quanto acústicos, e o duo tem aqui a presença do baterista Mike Rowley, que além de acompanhá-los ao vivo é responsável também por parte das programações de bateria presente no disco. Impossível não notar suas batidas expansivas no dream-pop de “Be Nowhere”, das melhores faixas do disco.
Menos ambient que em outros tempos, o epic45 faz agora um post-rock/dreampop de tons próprios, onde a eletrônica é um elemento presente. É uma estrutura encontrada na faixa “Endless”, do álbum anterior, e que aqui surge em “Underneath the Houses” e “Finality”. O uso dos vocais ecoantes de Holton, acompanhados de guitarras saturadas em delay e reverb criam ambientes oníricos e uma placidez bucólica, como em “Floodpains”, que tem muito do lado ambient de trabalhos do mago Brian Eno.
Abrangente sem perder a regularidade, melancólico sem afogar o ouvinte, You’ll Only See Us When The Light Has Gone tem todos os predicados para servir de porta de entrada para o trabalho do grupo, ao mesmo tempo, para se posicionar como um dos grandes álbuns do ano.
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge : A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.