entrevista de Bruno Moraes
fotos de Ivana Cassuli
Se o rock and roll é marcado por gritos de liberdade e rebeldia, faz absoluto sentido que grupos de pessoas que se deparam com pequenas e grandes violências cotidianas tenham muito mais a acrescentar ao gênero do que a demografia de homens cisgênero e brancos, ainda sub-representada dentro do mundo do rock apesar de as coisas estarem começando a melhorar. Por exemplo, movimentos de mulheres dentro do rock — em especial do punk rock e do riot grrrl, mas não apenas — têm essa potência de enfrentar o machismo do mundo com muito peso nas letras e nas composições, falando de problemas gritantes como violência de gênero, violência sexual, e mesmo a violência subjetiva de inferiorizar as mulheres e seu potencial criativo, intelectual e de luta.
A dupla Dirty Grills, de Florianópolis, surge inserida nesse contexto. Com bases no punk, no grunge e no noise noventista e guiadas pelo mote do “faça você mesma”, Jéssica Gonçalves (vocais e guitarra) e Mariel Maciel (bateria) fazem um som afrontoso, irônico e de uma revolta incontida (e que não se deixaria conter nem que quisesse). Com um EP produzido independentemente (“Faz teus corre irmão”, 2022) e um álbum em processo de pós-produção, a duo apresentou um show de muita criatividade e peso, com toadas de humor ácido, no Palco da Rádio do Psicodália 2024. Acabado o show, Jéssica e Mariel aceitaram conversar com o Scream & Yell a respeito das ideias da banda, dos projetos futuros e de como foi tocar pela primeira vez no festival.
Como começa a trajetória de vocês como dupla? Vi que vocês são amigas de adolescência, né?
Mariel Maciel: É, quase isso!
Jéssica Gonçalves: A gente se conheceu na adolescência e quase que uma não lembra da outra (risos). Aí depois a gente se reencontrou já tocando, cada uma com a sua banda e tal, na cena de Floripa. E a gente estava… Sei lá, mulher, né? É meio que natural você ver outra mulher tocando e se aproximar, já vira amiga e tal. Durante a pandemia, tinha toda aquela coisa de que não podia se encontrar, não podia sair de casa. As nossas outras bandas estavam paradas, mas como a gente já se via bastante, resolvemos se juntar pra tocar, que era algo que a gente já pensava em fazer.
Mariel Maciel: A gente sempre falava: “Temos que fazer um som juntas!” Com a pandemia pensamos, “Ah, vamos agora que… está todo mundo fodido da cabeça!”
De onde veio o nome “Dirty Grills”?
Jéssica Gonçalves: Cara, é uma história engraçada, porque a gente queria fazer um trocadilho com “girls”, sabe? E daí um dia a gente estava vendo televisão e passou a propaganda de um George Foreman Grill (risos). E daí primeiro testamos “The Grills”, depois “Bad Grills” e resolvemos deixar “Dirty Grills”. Sempre acham que é “Dirty Girls”, mas é “Dirty Grills” mesmo.
Vocês cantam músicas que têm títulos super irreverentes e bem-humorados em português, mas as letras, em geral, são em inglês, correto? Como que surgiu a ideia dessa estética? Especialmente a escolha dos títulos?
Jéssica Gonçalves: Das maluquices da minha cabeça, assim… Eu sou meio doidinha e acho legal que a música tenha um nome irônico que situe as pessoas daquilo que estamos falando na música. “Não Foi uma Boa Noite para Cinderela” é uma música sobre um estupro, por exemplo. Então são temas…
Mariel Maciel: E os temas (das nossas canções) são meio pesadinhos. Mas os títulos… [tem a] nossa cara. Meio sarcástico, né?
Sim! Eu adorei o título “Ao Menor Sinal de Autodepreciação, Aperte o Botão do Pânico” (risos). Como é estar tocando no Psicodália pela primeira vez?
Jéssica Gonçalves: Cara, é uma emoção enorme! A gente ficou muito feliz, muito honrada com o convite de vir aqui participar.
Mariel Maciel: É, cara! Quase não acreditamos, assim…
Vocês já tinham vindo como plateia antes ou não?
Mariel Maciel: Eu já vim bem lá no começo… quando era em São Martinho, sabe? Lá no começão mesmo. Então, quando a gente estava chegando aqui já me deu uma nostalgia, sabe?
E vocês estão animadas pra ver algum show em especial?
Jéssica Gonçalves: A gente está afim de ver vários shows. Mas acho que vai ser emblemático e bem surreal ver o Manu Chao.
Acho que está todo mundo vivendo essa surrealidade. Ele estava passando o som agora, logo antes da entrevista.
Mariel Maciel: Sim, bizarro ver isso. A gente passou e ficou “O quê!?”
Jéssica Gonçalves: E eu tenho uma história engraçada de um amigo, que uma amiga dele foi viajar pra fora e ele pediu pra ela trazer um CD do Manu Chao pra ele. Daí prometi que eu ia levar alguma parada do Manu Chao pra ele, um autógrafo, alguma coisa. Pô, Manu Chao. Ajuda aí, né? (risos)
Vocês querem falar alguma coisa a mais sobre esse álbum novo que está para sair?
Mariel Maciel: O segundo disco está bonito! A gente gravou no estúdio Aurora, do Carlão, um amigo nosso, em São Paulo. O Júlio Miotto e o Carlão que gravaram e está… pesado. Bem como a gente queria. O primeiro foi tudo… A nossa história foi tudo muito rápido. A gente fez o primeiro ensaio em setembro e em dezembro já estava com o EP gravado. As coisas sempre fluíram muito rápido, muito fácil. A gente gosta muito do primeiro disco, mas o segundo está com uma qualidade… a gente conseguiu botar o som mais pesado.
Num sentido de produção mesmo?
Mariel Maciel: Isso, de produção! O som é o mesmo peso de sempre. É o Dirty Grills. Mas a gente está bem animada. Acho que daqui um mês, dois, a gente está lançando junto com um clipe que vai se chamar “Chernoboy”, que é o nome da primeira música. Espero que vocês curtam quando sair, a gente está bem ansiosa.
O que vocês têm a deixar de mensagem para macho que acha que todo mundo que não é homem cis não faz música pesada, não faz rock de verdade?
Jéssica Gonçalves: Nossa!
Mariel Maciel: Cara, eu quero falar umas coisas que eu não quero falar! (risos)
Jéssica Gonçalves: Ouçam as músicas! A gente dá umas dicas aí, mas… Né? Tá na hora da galera se tocar, porque… Olha só: duas pirralhas desse tamanho aqui dando soco e chute na cara da galera aí, pelo ouvido. É porque todo mundo consegue, viu?
– Bruno de Sousa Moraes migrou das ciências biológicas para a comunicação depois de um curso de jornalismo científico. Desde então, publica matérias sobre ecologia e conservação da biodiversidade, e está se arriscando pelo jornalismo musical.