entrevista de Bruno Capelas
Dono de uma das trajetórias mais interessantes da cena independente brasileira nas últimas duas décadas – seja com o Ludovic ou em sua encarnação solo – Jair Naves é uma das felizes surpresas da escalação do C6 Fest em 2024. Com show marcado para o dia 19 de maio, ele terá a tarefa de abrir os trabalhos de um palco que vai receber Squid, Noah Cyrus, Cat Power tocando Bob Dylan e Pavement.
“Vai ser um show totalmente diferente do habitual: tem o fato de não estarmos diante de um público familiarizado com o que fazemos, a duração do set, a proporção do evento e o estímulo de tocar ao lado de artistas que admiramos tanto”, comenta Jair sobre os preparativos para o concerto, marcado para a véspera do aniversário de dois anos do lançamento de “Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo”, seu último trabalho. “Sou ligado demais à simbologia das datas para não enxergar essa coincidência como sinal de encerramento de um ciclo”, diz o artista, que pretende “condensar dentro do tempo que nos for cedido o melhor e mais coeso show que pudermos”.
Além dos preparativos para o C6 Fest, a reportagem do Scream & Yell aproveitou uma troca de mensagens rápida pelo WhatsApp com Jair para também colocar a pauta em dia com o cantor. Entre os assuntos, estão a recente parceria firmada com o selo Balaclava e os planos para um novo disco, ainda sem data de lançamento prevista. “A vontade de explorar novos métodos de produção, tipos de arranjo e mesmo possibilidades no formato do texto é algo que me empolga mais e mais a cada lançamento. Talvez seja o que mais me faz querer seguir produzindo coisas novas”, diz Jair, que coloca Cat Power, Squid, Jakob Bro e Dinner Party na lista de shows que pretender ver no C6 Fest.
Com a palavra, o melhor Jair do Brasil.
Você está há quase dois anos tocando em tudo que é tipo de palco o repertório do “Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo”, seu último disco, que trouxe uma série de inovações para o teu som – tem piano, tem sintetizadores, efeitos novos. Por outro lado, o show do C6 talvez seja o de maior público dessa turnê. Isso posto, como você está preparando esse show, considerando que também pode ser o primeiro contato de muita gente com o seu trabalho?
Vai ser um show totalmente diferente do habitual para a gente, sem sombra de dúvidas. São muitos os fatores que tornam essa apresentação única: o fato de não estarmos diante de um público familiarizado com o que fazemos, a duração do set, a proporção do evento e o estímulo de tocar ao lado de artistas que admiramos tanto… enfim, são muitos os aspectos inéditos, desafiadores e estimulantes de uma ocasião como essa.
Aliás, tem algo curioso sobre esse show: será na véspera do aniversário de dois anos de “Ofuscante a beleza que eu vejo”. Sou ligado demais à simbologia das datas para não enxergar essa coincidência como sinal de encerramento de um ciclo, a melhor ocasião possível para celebrar o que foi esse último álbum e uma preparação para o que está por vir.
Estamos desde já testando diferentes possibilidades de repertório. A princípio, a ideia é criar algo dinâmico em termos de sonoridade e densidade emocional dentro do que as músicas desses quatro discos solo oferecem. Condensar dentro do tempo que nos for cedido o melhor e mais coeso show que pudermos, criando uma narrativa entre as canções, com início, meio e fim. Pelo menos, a intenção é essa. Torço para que a gente alcance esse resultado.
Toda vez que leio uma entrevista sua ou conversamos sobre música, surge uma referência inesperada ou uma análise interessante sobre a obra de artistas que parecem muito distantes do seu trabalho. O quanto isso é importante para a tua criatividade? E, aproveitando que o C6 é um espaço bastante aberto em termos de sonoridade, quais são os shows que você mais está curioso pra ver no festival?
Fico contente com a pergunta e com a observação. Acho que qualquer um que se envolve profissionalmente com música, seja em qual capacidade for, inicia a sua jornada no papel de fã, enquanto alguém apaixonado o bastante para direcionar toda a sua vida para aquilo. Muitas vezes o desafio é manter essa chama viva em meio à frieza que a vivência nesse meio pode trazer. Essa curiosidade, empolgação e fascínio quase infantil é algo que eu percebo que muitos dos artistas que eu mais admiro de diferentes áreas preservam – e também algo que eu luto para não perder com o tempo de prática.
Na minha opinião, o exercício criativo depende também da quantidade e qualidade das referências que você absorve – não só na categoria em que você atua, mas também e especialmente na ideia de que as artes dialogam entre si, de que é possível e até necessário usar conceitos de literatura, cinema e artes plásticas, por exemplo, ao compor, gravar e mixar uma canção. Obviamente algum talento, disciplina, persistência e dedicação ao ofício são vitais, mas creio que a exposição a diferentes visões, técnicas e abordagens no que diz respeito à produção artística são extremamente enriquecedoras.
Para além disso tudo, também tem o fato de que eu realmente acredito que os bons filmes, discos, livros e shows são algumas das melhores coisas que a vida tem a oferecer. Mesmo se chegar uma época em que eu pare de me dedicar à música ou a qualquer tipo de expressão artística, tenho certeza de que continuarei com o mesmo interesse pelo assunto. Não me vejo vivendo sem isso.
Sobre as outras atrações, tem muita coisa que eu adoraria ver – por exemplo, Jakob Bro e Dinner Party (gosto demais do Robert Glasper e também do Kamasi Washington) são shows que eu normalmente não perderia. Como estaremos focados na nossa apresentação, talvez infelizmente eu não consiga ver dessa vez. Ainda assim, estou feliz demais com a companhia que teremos no palco em que fomos escalados. Estou especialmente empolgado para ver o Squid, que fez um dos meus álbuns preferidos de 2023 e que tem a reputação de ser um dos melhores shows da atualidade, e a Cat Power cantando a sua releitura de um dos meus discos do coração.
Junto com o anúncio do show no C6, no final do ano passado, você também passou a ser um artista do casting da Balaclava. É uma relação que já era próxima – o selo editou os discos do Ludovic em vinil, por exemplo. Mas o que muda na tua carreira solo com essa nova parceria?
Minha relação com a Balaclava e seus fundadores vem de muito tempo. Já chegamos perto de fechar essa parceria no passado – por muito pouco o “Trovões A Me Atingir”, de 2015, não foi lançado pelo selo. Sem dúvida a aproximação pelo trabalho conjunto com o Ludovic, além da admiração mútua de longa data, foi determinante para selarmos essa união. Tenho certeza de que me acrescentará muito contar com o apoio, conhecimento e estrutura deles em diferentes frentes daqui por diante.
Teus dois últimos discos, “Rente” (2018) e “Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo” (2022), foram muito marcados pelo clima político dos últimos anos, o recrudescimento da extrema-direita e os absurdos da pandemia, além da questão pessoal de dividir sua vida entre EUA e Brasil. Já surgiram rumores por aí de que você está preparando um álbum novo. Dá para adiantar o que vem por aí? É uma continuidade ou teremos um Jair Naves diferente, abordando novos temas?
Será inevitável falar de outros temas, novos ou não, e buscar outras possibilidades musicais nesse próximo trabalho. Infelizmente não por conta de um esgotamento dos temas que você mencionou – por exemplo, de uma desejada porém utópica derrocada irreversível da extrema-direita por aqui, uma vez que o fascismo continua com assustador respaldo popular e o cenário para 2026 já se apresenta preocupante. A questão principal é que “Ofuscante A Beleza Que Eu Vejo”, embora seja uma das melhores coisas que eu já fiz na vida, é um disco extremamente doloroso para mim. Foi feito num período de crise existencial coletiva, marcado por luto, decepções e incertezas, que certamente se reflete nas letras e nos aspectos técnicos daquele trabalho. Mesmo depois de quase dois anos tocando o material desse disco, a carga emocional dessas músicas nos shows continua muito pesada para mim. E acredito que isso está se refletindo no atual processo de composição do próximo álbum, ainda que seja cedo demais para dizer exatamente como.
Sem contar todo o lado musical e de possibilidades sonoras. A vontade de explorar novos métodos de produção, tipos de arranjo e mesmo possibilidades no formato do texto é algo que me empolga mais e mais a cada lançamento. Talvez seja o que mais me faz querer seguir produzindo coisas novas. Ansioso para ver como isso tudo será absorvido nesse próximo registro.
O C6 Fest acontece no Parque Ibirapuera, em São Paulo, nos dias 17, 18 e 19 de maio. Conheça a programação completa dividida por dias aqui. Os ingressos estão à venda aqui.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010. A foto que abre o texto é de Patricia Caggegi