texto de Pedro Salgado, especial de Lisboa
fotos de Vera Marmelo
O público que compareceu na Galeria Zé dos Bois (ZDB), um centro cultural em Lisboa, numa noite de sábado, aguardava com expectativa pelo show de Rita Braga. Era visível a animação no recinto e o ambiente aqueceu um pouco com a estreia de Maio (o projeto musical solo de João Maio Pinto). Acompanhado de guitarra, o músico agradeceu o convite de Rita Braga para fazer a primeira parte do espetáculo e enveredou numa epopeia roqueira e intimista, na qual o empenho e a força das suas palavras despertou o interesse da assistência em canções sobre o desejo, a rejeição e a morte.
Passavam poucos minutos das 23 horas, uma cortina de fumaça envolveu o palco e escutou-se um sample cinematográfico enquanto Rita Braga caminhava para os teclados perante os aplausos do público. A cantora e multi-instrumentista iniciou o show com “Illegal Planet”, cruzando elegantemente o passado e o futuro e culminou declarando assertivamente a sua presença na sala lisboeta: “Estou de volta à ZDB. A primeira vez que aqui estive foi em 2015”.
Seguiu-se “Spooky Mambo”, um exercício de sci-fi fantasmagórico, evidenciando a naturalidade com que a artista desenvolvia a sua performance e a latinidade gelada de “Astral Rumba”, servida com leveza e encanto, onde deixou escapar um sorriso derradeiro, levou a audiência ao rubro. Rita continuou numa boa senda quando começou a tocar o seu instrumento de eleição, o ukelele, assinando um desempenho convincente em “Flores Indigestas”, bem como na marcha apocalíptica de “Ikea Snow”.
“Agora vou tocar alguns temas do meu álbum anterior, “Time Warp Blues”, disse. As escolhas recaíram em “Amore 002” (onde combinou o ukelele, a voz com efeitos sonoros e a caixa de ritmos aproximando-se do country), na emblemática “Tremble Like A Ghost” e apresentou a interessante “Branca de Neve” como um “blues em português” com cariz sintético e pontuado por uma carga dramática. A revisitação do disco anterior prosseguiu com a hipnótica “You Used To Be Stevie Wonder” e cedeu lugar a uma canção mais antiga, “Millions Of Reflections”, num registro delicado (só com voz e ukelele) que encantou o público presente.
A capacidade de seduzir a assistência e desafiar a sua imaginação ficaria ainda mais vincada após “Je n´arrive pas”, na sequência composta por “National Anthem to the Moon” e “I Only Have Eyes For You”, nas quais a expressividade e a linguagem corporal de Rita Braga originaram momentos de pura fruição. Uma simples elevação dos braços até ao limite ou a utilização de óculos com molas carnavalescos combinaram bem com a sonoridade sintética e classicista presente nas canções e geraram a adesão geral.
“Quero agradecer à ZDB por ter estado aqui. Já não atuava há nove anos nesta sala e agradeço também ao João Maio pela sua estreia”, afirmou. Com “Misirlou” (uma canção grega dos anos 20 que se tornou famosa mundialmente em 1965 devido à versão surf rock de Dick Dale & His Del-Tones) Rita regressou ao ukelele e encerrou a atuação com “Unclassified”, transformada numa despedida comovente aos espetadores que presenciaram o concerto.
Perante os pedidos insistentes do público, a artista rubricou no encore uma versão humorada de “Bollywood”, onde demonstrou o seu potencial vocal, fazendo a voz feminina e masculina do dueto e concluindo o show com um agradecimento simbólico em várias línguas. Em pouco menos de uma hora, Rita Braga seduziu o público com a sua criatividade e o frescor da sua música, num trajeto que não cessa de surpreender pela abrangência e constante evolução artística.
Entrevista: De Portugal, Rita Braga fala sobre seu novo disco, “Illegal Planet”
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.
– Vera Marmelo é fotografa. Confira seu trabalho em https://veramarmelo.pt/