entrevista por João Pedro Ramos
Qualquer banda que possa gerar uma boa piada com seu nome já tem minha simpatia. Esse foi um dos motivos pelos quais fui ouvir pela primeira vez em 2021 a banda carioca Meu Funeral, que está em turnê pelo país com seu mais recente álbum, “Rio“, lançado em outubro. Com uma mistura de rock, punk rock e hardcore, o grupo de Dan (baixo), Luquita (vocal), Pepe (guitarra) e Pedro Tentilhão (bateria) nunca foi de se amarrar com os dois pés em apenas um estilo, deixando claro que a mentalidade de que “só rock presta” nunca foi muito a praia do quarteto. Recentemente, eles surpreenderam os fãs com o single “Essa é Pra Transar Chorando”, onde contaram com a participação do renomado sambista Xande de Pilares. Para tirar todo mundo de sua zona de conforto, o disco também apresentou o single “Inimigos do Fim”, onde botaram o carrancudo Jimmy London, vocalista do Matanza Ritual, para fazer um “don don don” de funk carioca.
Essa inovação não é novidade para o Meu Funeral. Em 2021, eles lançaram “Dançar”, uma colaboração com a funkeira Tati Quebra Barraco. A abordagem ácida e bem-humorada sobre a vida e as críticas sociais sempre foi uma marca registrada da banda e as 10 faixas de “Rio” desafiam ainda mais as fronteiras musicais. De funk a pagode, passando por indie e piseiro, o álbum é um caldeirão de gêneros que reflete a diversidade de influências do grupo.
Além das já citadas parcerias com Xande de Pilares e Jimmy London, o disco também traz os convidados Priscila Tossan, Rodrigo Lima (Dead Fish) e Los Brasileros, produtores do álbum e vencedores do Latin GRAMMY. O trabalho foi gravado na Head Media (SP), tendo sido composto na estrada durante as turnês dos EPs “Modo Fufu” (2021) e “Tropicore Hardcal” (2022). Do primeiro saiu um dos maiores hits da banda, “Você Não É Mais Presidente”, direcionada ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que acabou se tornando um hino não-oficial para sua não reeleição, aparecendo em diversos lugares pelas redes sociais sendo tocada enquanto os brasileiros comemoravam. Já do segundo, a música que leva o nome da banda, que ganhou um divertido clipe mostrando como seria um funeral alto-astral, com direito a muito álcool e som de Ratos de Porão e Valesca Popozuda para animar o ambiente fúnebre.
A banda atualmente está no Nordeste com a Rio Tour, que conta com mais de 30 shows por todo o Brasil. “Estamos ensaiando bastante, cuidando de cada arranjo, redistribuindo ou juntando as muitas camadas que gravamos no estúdio. Temos também um brinquedinho novo, que é uma bateria eletrônica onde temos vários segredinhos prontos para explodir no palco”, disse o baterista Pedro. Conversamos um pouco com o vocalista Luquita sobre o novo álbum e a carreira da banda:
A primeira música do disco fala de algo que eu vejo muito na banda: a habilidade de criar refrões chiclete. Isso sempre foi uma preocupação para vocês?
Essa música especificamente foi proposital (e demorou alguns MESES pra ela sair), mas de modo geral acaba sendo meio que natural do processo de composição, tenho a impressão de vir dos sons que costumo ouvir. Então, de modo geral, não chega a ser algo pensado racionalmente, meio que nasce assim de forma espontânea.
Como foi a decisão de ampliar o caldeirão de estilos musicais que vocês misturam no som da banda?
Quando optamos por produzir o álbum com Los Brasileros (Pedro Dash, Dan Valbusa e Marcelinho Ferraz), queríamos explorar da melhor forma possível as misturas com outros estilos. Os caras são referência no Pop e ao mesmo tempo têm as referências do punk rock. Como as novas composições estavam com uma pegada mais diversa, acabou sendo um processo ao mesmo tempo natural e divertido, no sentido de explorar beats e samples de uma forma que nunca tínhamos feito antes.
Quais foram as principais influências musicais que vocês absorveram para criar “Rio”?
É difícil definir influências específicas do álbum, mas consideramos que o fio condutor do projeto é o punk rock. Dentro desse universo certamente Turnstile, Machine Gun Kelly e Idles têm sido uma referência bem importante. Mas as misturas vêm muito do que tem rolado no pop como Kevin O Chris, Ludmilla, Barões da Pisadinha, Anitta, Olívia Rodrigo etc. A gente tem visto esses e outros artistas usando elementos do rock em suas músicas e quisemos trazer elementos do pop pro rock de uma forma bem direta, talvez às vezes até irresponsável.
Vocês sempre utilizaram participações especiais nos trabalhos da banda, mas em “Rio” fizeram um time ainda mais diversificado. Como rolaram as colaborações?
É interessante que cada participação teve uma história. Por exemplo, “Essa é Pra Transar Chorando”, já surgiu como uma música “pagodável”. Então resolvemos chamar alguém do pagode e o Xande de Pilares é um cara que admiramos há muito tempo, tanto é que gravamos uma versão de “Clareou” do seu primeiro álbum solo. Na época ele chegou a mandar uma mensagem elogiando a versão, então acabou sendo um processo natural. Já o Jimmy London é um cara que nos apoia há um tempo. Então como a temática da música é muito inspirada nas músicas do Matanza, convidamos ele, e foi ducaralho ver ele cantando funk. Os Los Brasileros assinam a produção do álbum. Lembro que estávamos na festa de lançamento do álbum solo do Di Ferrero e o Dash falou que queria gravar uma música nossa toda com programação. Na hora eu soube que música seria – “Linha Tênue” – e ficamos amarradões com o resultado, então achamos que fazia muito sentido colocá-los como feat. A Tossan simplesmente é a pessoa com o sotaque mais carioca e voz mais linda que há. A gente queria muito alguém muito carioca pra esse som e ficamos felizaços quando ela topou participar de “Tá Ruim Pra Mim”. “Armas de Brinquedo” é a porradaria do disco e tivemos a oportunidade de gravar com o Rodrigo Lima do Dead Fish. Tocamos com eles no Circo Voador em 2018, ano que lançamos nosso primeiro EP, então essa participação é muito simbólica por tudo que o Dead Fish representa pro hardcore nacional, por marcar nossa origem mesmo misturando o punk com outros sons.
Como vocês acham que esse disco se diferencia dos trabalhos anteriores da banda?
Nesse lançamento quisemos misturar outros estilos de som de forma mais direta do que fizemos anteriormente. Além disso, optamos por fazê-lo com produtores de Pop. Nessa ocasião também tivemos mais tempo de estúdio para fazer uma pré-produção e trabalhar arranjos com um pouco mais de calma e dedicação, algo que acabou diferenciando este lançamento dos anteriores.
Como vocês veem o rock brasileiro hoje em dia? Acham que ainda existe espaço para o estilo no mainstream ou isso não é algo interessante?
Hoje em dia o rock tem estado no mainstream mais como um recurso utilizado por artistas Pop, e isso é ótimo! É muito legal ver artistas usando o rock como recurso em suas músicas, mas de fato artistas de rock no mainstream hoje em dia são pouquíssimos, e tudo bem. O mainstream é cíclico, valorizamos muito a nossa base de fãs, ela é sólida e sabemos que é isso que faz um artista ser relevante a longo prazo, então é muito gostoso ir curtindo cada conquista da banda, independente de estar no mainstream ou não.
Vocês fogem um pouco do estereótipo de “roqueiros”, o que acaba incomodando os mais tradicionalistas. Vocês recebem hate por causa disso?
Volta e meia pintam uns hates, principalmente nas músicas com participação, mas se incomoda às pessoas que querem algo tradicional e previsível, estamos atingindo nosso objetivo. Acredito que o rock perdeu muito espaço por conta dessa mentalidade limitada e prepotente dos roqueirôes tradicionais. O rock ainda pode ser divertido, subversivo e inclusivo.
Por falar em estereótipo, a banda é bem a cara do estereótipo do carioca divertido, que leva a vida rindo. Como foi escolhido o nome do disco?
Lembro que chegou um momento que a gente parou pra conversar e no meio do papo alguém lançou: “Fudeu! Precisamos de um nome pro disco.” E na mesma hora alguém falou que o disco poderia se chamar “Rio”, por ser a nossa cidade e por ser o verbo rir, que algo que de certa forma está relacionada ao som da banda.
Vocês têm uma presença muito boa nas redes sociais, sabendo usar bem essa nova ferramenta essencial para todo tipo de trabalho, incluindo o musical. Como vocês incluem essa produção de conteúdo no trabalho do Meu Funeral?
Hoje em dia essa é uma parte fundamental do trabalho né? É um grande desafio se fazer presente em todas as redes sociais, ter boas músicas, bons clipes, ensaiar pra show, gerenciar a agenda, as finanças etc. Nós tentamos nos organizar para que cada um tenha sua função na banda para conseguirmos. Especificamente sobre a comunicação, em algum momento durante a pandemia nós entendemos que, localizando o nosso trabalho no espaço e no tempo, rede social faz parte do núcleo do nosso negócio, e não como uma função acessória – adoramos fazer conteúdo, não encaramos como uma obrigação.
Uma característica da banda são as letras divertidas, sempre utilizando referências pop e humor. Como é o processo de criação das músicas?
Geralmente é um processo bem espontâneo. A partir de uma vivência, uma leitura ou uma música que me inspira eu começo a escrever. Às vezes vem uma frase, às vezes vem uma ideia ou às vezes a música nasce pronta. No caso do Pepe me mandar algum riff ou alguma base, recorro às minhas anotações e escolho um tema que tem a ver com a música e vou trabalhando. A parte do humor acaba sendo parte da minha identidade mesmo, é isso acaba virando um recurso para me comunicar a partir das letras.
Quais são os próximos passos do Meu Funeral?
No momento estamos no Nordeste com a turnê de lançamento do “Rio”. Seguiremos viajando com essa tour por mais alguns meses, ainda passaremos pelo Rio, São Paulo, Centro Oeste, Minas e Rio Grande do Sul. Certamente vão pintar novas datas em outros estados em breve. Para 2024 posso adiantar que lançaremos mais músicas novas e seguiremos viajando e tocando por aí. E fazendo novas amizades, afinal de contas é pra isso que estamos no rolê =)
João Pedro Ramos é jornalista, redator, social media, colecJionador de vinis, CDs e música em geral. E é um dos responsáveis pelo podcast Troca Fitas! Ouça aqui.