Coala Festival 2023, Dia 2: Jards emociona em dia de Novos Baianos caótico e uma porção de feats que deram certo

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

vídeos por Bruno Capelas

Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 3

Se a noite de sexta-feira do Coala Festival 2023 terminou com um vento forte e cortante fustigando os presentes, o começo da tarde de sábado no Memorial da América Latina permitiria facilmente uma das reportagens mais clichês do jornalismo sobre ondas de calor: fritar um ovo no (jardim de) asfalto (de Oscar Niemeyer). A cerveja parecia água, a água poderia se transformar em vapor, e o solarão poderia derrubar incautos – o que até merece um elogio não comercial: a ativação da Natura, distribuindo cremes e protetores solares, mereceu seu sucesso. Daí que é preciso parabenizar também o público que chegou cedo para ver os excelentes shows de abertura da programação tanto quanto àqueles que seguiram em frente e resistiram até os solos finais do senhor Pepeu Gomes.

Entre um extremo e outro do festival, que começou logo depois do meio-dia e terminou próximo das 22h, uma boa surpresa: os feats, essa coisa antiga que existe desde sempre, mas que virou modinha em tempos de briga por créditos de streaming e praga devido aos shows forçados do Palco Sunset, no Rock in Rio, após uma sexta-feira infeliz (foi apenas curiosa a participação de Tim Bernardes no show de Péricles enquanto Johnny Hooker fez um pequeno set seu dentro do show de Fafá de Belém e OlodumBaiana, ainda que tenha rendido grandes momentos, serviu muito mais para mostrar como cada uma das bandas é boa… sozinha) renderam alguns dos melhores e mais emocionantes momentos do dia. Sim, agora fomos surpreendidos.

Juçara Marçal e Rodrigo Ogi

Abrindo os trabalhos do segundo dia do Coala, o trio Metá Metá dominou o grande palco com maestria. Sim, funciona muito melhor em um ambiente mais íntimo, o que de maneira alguma intimidou o trio e o público. Com repertório bastante focado no clássico “MetaL MetaL” (2012), Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França partiram com “Exu”, “Oyá” e “São Jorge”, revisitaram o EP de 2015 com “Atotô”, voltaram ao seu álbum mais famoso com “São Jorge” e convidaram ao palco o rapper Rodrigo Ogi, que mostrou uma música inédita (será “Cupido” o nome?) do vindouro disco produzido por Kiko, cantou a sua “Corrida de Ratos” (do álbum “Crônicas da Cidade Cinza”, de 2011) adaptada ao formato Metá Metá (como deveriam ser as colaborações) além de relembrar “Veneno”, parceria sua com Kiko presente no álbum “Rastilho” (2020), do segundo. Para fechar, “uma música pro orixá da Justiça”, avisou Juçara, celebrando “Obá Iná”.

Lucas Estrela e Suraras do Tapajós

Na sequência, um dos grandes acertos do line-up do festival em 2023, as Suraras do Tapajós chegaram apoiadas em três tambores, três pares de chocalhos, uma espécie de banjo, o carimbó paraense e muito carisma para uma apresentação cativante. Representando a Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós, as nove mulheres do grupo mostraram as canções do álbum “kirībasáwa Yúri Yí-tá – A Força Que Vem Das Águasguas” (2021), homenagearam a rainha Dona Onete e receberam a participação especial de Lucas Estrela, numa colaboração que foi tão boa que poderia ter se estendido mais do que os três números em parceria, pois o encontro do forte trabalho percussivo das mulheres indígenas com o som limpo da guitarra de Lucas deu liga num belo show que ainda levantou a voz contra o racismo, o machismo e pediu: Demarcação já!

Don L

Até então, o som seguia bonito no Memorial, e se houvesse uma bolsa de apostas colhendo opiniões sobre qual seria o grande show do dia, muita gente teria apostando em Don L… e perderia. Nenhuma culpa do favorito do seu favorito, mas, fato, a apresentação do rapper cearense foi marcada por diversos problemas no som, um balde de água fria na cabeça do eleito pela APCA como o grande artista de 2021. Ainda assim, o show em formato banda (além dos tradicionais parceiros Alt Niss, Terra Preta e DJ Roger subiram ao palco Thiago França, em rodada dupla, Beatriz Lima, Tami Silveira e o guitarrista Fernando Catatau chamando atenção com seu cabelo de coloração acaju) teve canções tanto do celebrado “Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 2” (2021) quanto da mixtape “Caro Vapor/Vida e Veneno de Don L” (2013) cantadas em coro pelo público.

Jards Macalé

Recuperado de uma gripe que o fez cancelar algumas apresentações, colocando em dúvida sua presença no Coala Festival 2023, Jards Macalé, do alto dos 80 anos, fez um show emocionante escudado por uma banda que trazia Tutty Moreno (que semanas antes tinha dividido o palco com Jards na apresentação do show “Transa”, de Caetano, no “Dilúvio Maravilha”) e Guilherme Held (discípulo do mestre Lanny Gordin) na guitarra, entre outros. Teve “Farinha do Desprezo”, “Let’s Play That”, “Vapor Barato”, “Hotel das Estrelas” dedicada a Gal e, “Farrapo Humano” dedicada a Luiz Melodia e, ainda, uma participação incendiária de Ana Frango Elétrico, que entrou ligada no 220 para realizar um dos momentos mais lindos de todo o fim de semana: cantar “Mal Secreto” ajoelhada aos pés de Jards: “Vejo o Rio de Janeiro”. De chorar…

Simone e Juliana Linhares

Então veio o furacão Simone, linda, leve e com uma guitarra Flying V relembrando a versão roqueira que ela gravou em 1988 para “O Tempo Não Para”, de Cazuza, presente no álbum “Sedução”, prenuncio da possibilidade de um show mais “barulhento”, mas logo as coisas tomaram um rumo pop levemente rock com pausas samba em boas versões de “O Que Será?”, de Chico Buarque, que Simone gravou no álbum “Face a Face”, de 1977 (seu quarto disco e o primeiro a bater nos três dígitos de vendas, alcançando 100 mil cópias), “Tô Voltando” (do álbum “Pedaços”, de 1979, e imenso sucesso do disco ao vivo no Canecão, de 1980), “Tô Que Tô” (do disco “Corpo e Alma”, de 1982) e “Iolanda”, presente em “Amor e Paixão”, de 1986 (que vendeu 900 mil cópias!). Destaques do show: a voz impecável e o sorrido de felicidade de Simone mais a grande versão (em mais um acerto de feat!) de “Jura Secreta” num dueto com Juliana Linhares.

Para fechar o segundo dia do Coala, Novos Baianos na turnê “Forever”, que festeja os 50 anos de “Acabou Chorare” (1972), segundo anunciou Paulinho Boca de Cantor, que rasgou a voz em uma versão alta e arrepiante de “Dê um Rolê”, para desespero do baterista Jorginho Gomes, flagrado em leitura labial no telão comentando para um músico ao lado: “Tá alto pra caralho”. Sim, estava alto pra caralho, e o guitarrista Pepeu Gomes toda hora reclamava que não estava ouvindo os retornos, pedindo para aumentar mais (enquanto Baby pedia para abaixar – risos). Esse teatrinho durou o show todo, e se fica nítida a falta de alguém no palco colocando ordem na bagunça (saudades Moraes, saudades Galvão), pois o set não exibe uma cara de show, mas sim de canções enfileiradas sem sentido, também é perceptível o quanto Baby ainda canta, Pepeu ainda sola e o público não se cansa de pular em hinos do quilate de “Brasil Pandeiro”, “Preta Pretinha”, “Tinindo Trincando”, “A Menina Dança” e “Besta É Tu”. Não foi perfeito, mas foi bom pra cacete. Agora é descansar as pernas pro domingo…

Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 3

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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