Ao vivo: Com um baita power trio, Tulipa Ruiz homenageia Gal, Rita e Zé Celso e mostra suas habilidades extraordinárias

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

Em maio passado, em seu Facebook oficial, Tulipa Ruiz repercutia uma notícia que analisava o Top 50 da Lista das Listas, trabalho hercúleo e importantíssimo para análise de cenário comandado pelo agitador cultural Pena Schmidt ao lado de Rafael Chioccarello, editor do site Hits Perdidos, dupla que vem compilando ano a ano o resultado de mais de 110 listas de melhores do ano no Brasil – incluindo a do Scream & Yell, que já é um “resumo” de cerca de 130 listas pessoais. Em formato de comemoração e desabafo, escreveu Tulipa: “’Habilidades Extraordinárias’, nosso quinto disco de estúdio, ficou em segundo lugar na Lista das Listas (2022). É um disco independente feito no amor e na resistência com gente incrível envolvida. (…) Alô festivais! O que está faltando? Tem que ser mais do que Extraordinária?”

A cutucada feita por Tulipa em relação aos festivais faz todo sentido se olharmos o line-up dos eventos de música brasileiros espalhados pelo país, que não apenas repete praticamente as mesmas atrações como muitas vezes até clona a sequência dos shows. Parece que temos um grande festival brasileiro (que todos copiam – e isso foi tema dessa entrevista, inclusive) que espalha suas atrações por todo o Brasil mudando o nome do festival em cada estado, o que não só faz que determinados artistas apareçam em tudo quanto é line-up do Oiapoque ao Chuí como também destaca nomes que nem disco novo estão trabalhando e/ou muitas vezes está ali impulsionado por um hype, e não por qualidade – ai entra a Lista das Listas, afinal se a artista que fez o segundo disco mais representativo do ano não está circulando, algo está muito errado.

Isso tudo vêm a mente assim que Tulipa Ruiz adentra o palco da Casa Natura Musical, em São Paulo, numa noite fria de sábado, para apresentar o repertório de seu mais novo disco diante de uma casa agradavelmente cheia. Acompanhada por um power trio afiadíssimo que traz o irmão Gustavo Ruiz na guitarra, o experiente Gabriel “Bubu” Mayall no baixo e o excelente Samuel Fraga na bateria, e que oferecerá diversos momentos de brilho instrumental durante a noite, Tulipa entra em cena com um galho de árvore para cantar “Samaúma”, a ótima faixa que abre “Habilidades Extraordinárias”: ela degusta as palavras enquanto o trio instrumental marca o arranjo de forma pungente, todos equalizados no mesmo nível, voz e instrumentos, num apuro técnico raro de se ver em shows nacionais. “Estardalhaço”, outra música nova, vem na sequência e destaca a iluminação, bela, principalmente quando deixa o palco todo dourado no verso “você merece o sol, o sol”.

Se alguém na casa ainda não estava impressionado com o alto nível do vozeirão maravilhoso de Tulipa, “Kamikaze Total”, outra nova, foi a gota d’agua, com suas variações de tom desbocadas desfilando uma letra raivosa sobre uma base mântrica de samba funk envenenado pelo rock and roll, território mágico pelo qual a música brasileira passeou na primeira metade dos anos 1970, e do qual “Habilidades” soa ser descendente direto. A tropicalista “Novelos” mantém o clima em alta, e a sensação é de que todos os presentes trazem o disco novo na ponta da língua. “Aqui”, de seu disco de estreia, surge celebrada, e traz ao cabo aquela que é, desde sempre, um dos grandes momentos do show da cantora, o bluezaço “Víbora”, com participação especial do pai, Luiz Chagas, na guitarra – ele ficará para os próximos três números, “Banho”, “Pluma Black” e “Às Vezes”.

Na primeira vez que Tulipa se dirige ao público, ela celebra o fato de estarmos todos “olhando um no olho do outro” novamente, e diz que essa noite é a noite de todos os afetos. Antes de “Acho Que Hoje Mesmo Eu Dou”, outra nova, ela brinca dizendo que vai ter que variar mais o repertório porque “agora tem cinco discos”, e vê certa semelhança entre a música e “Às Vezes”, composta por seu pai, algo que o irmão produtor Gustavo também pontuou no faixa a faixa publicado no Scream & Yell: “Nossa Sonic Youth, nossa Stereolab. Ou melhor, poderia ser uma canção de Luiz Chagas”, escreveu ele. A coisa toda fica mais pesada com a punk “Vou Te Botar no Pau”, que abre as portas para o brilhante funk carioca “Não Pira!”, uma crítica ao vício do uso do celular, que tem “adoecido nosso nervo óptico”, segundo Tulipa.

Ela, então, pede a atenção do público dizendo que vai tocar uma versão de um cara que ela (e todos) ama(m). Antes, porém, diz que é função de todos nós mantermos esses artistas atemporais, verbalizando a importância deles em nossas vidas sempre que possível: “Por isso, eu quero agradecer a presença de Gal Costa aqui, de Rita Lee, de Zé Celso… Nós somos responsáveis por manter viva a presença dessas pessoas em nossas vidas”, diz Tulipa enquanto a banda marca a introdução de “Hotel de Estrelas”, clássica parceria de Jards Macalé e Duda Machado, que surge numa versão arrepiante, daqueles momentos que poderiam ser cristalizados como mágicos. O show, então, atinge um pico emocional, musical, instrumental, o que torna as canções do bloco seguinte (a faixa título do último álbum mais “Polén”), mais lentas, menores, quase como um anticlímax.

A noite parecia que iria terminar assim, mas para encerrar o show, Tulipa “traz ao palco’ João Donato, que toca (via gravação) o piano elétrico (e o moog e o Hammond) na versão do disco da deliciosamente grooveada “Recado da Flor”, daquelas canções que merecem tornar-se hit, tamanho a alegria que colocou no rosto das pessoas. Tulipa e seu trio poderoso deixam o palco, mas retornam rapidamente para encantar com a linda “Só Sei Dançar Com Você”, com a muito pedida “Efêmera” e fazer um replay de “Estardalhaço” (deve existir algum estudo que referende a eficiência de tocar duas vezes uma mesma canção num show, espero, porque com tanta coisa foda disponível – “Megalomania”, “Pedrinho”, “Dois Cafés”, “Ok”, “Cada Voz” – soa um desperdício), colocando ponto final num show que merece, sem nenhuma dúvida, circular por todo o país, em todos os festivais. Sério mesmo, Tulipa ao vivo com seu power trio é um estardalhaço. Confie… e prestigie-a.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: instagram.com/fernandoyokota/

One thought on “Ao vivo: Com um baita power trio, Tulipa Ruiz homenageia Gal, Rita e Zé Celso e mostra suas habilidades extraordinárias

  1. Também não sou fã de repetição de repertório ao fim do show. Parece artifício de one hit wonder que não crê na força do resto das canções, e a Tulipa certamente não é o caso. Assisti um show dela na época do segundo disco e houve o repeteco de “É” ao final, que já pareceu dispensável na época, imagina hoje com tanto álbum bom já lançado..

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