texto por Gabriel Pinheiro
“Seu rosto não aparece em nenhum quadro, em nenhuma gravura, em nenhum livro de história”. Quantos gênios esquecidos atravessam décadas ou séculos, sem que conheçamos suas histórias? Quantas mentes inquietas parecem ter nascido à frente de seus respectivos tempos, desenvolvendo teses, pesquisas e, quem sabe, artefatos que as sociedades da época tão pouco valorizaram, não entendendo a força daquilo que estava sendo inventado? Augustin Mouchot nasceu na França em meados do século XIX. O feliz encontro com uma biblioteca herdada levou-o à uma surpreendente obsessão: conquistar o sol. É a história desse homem de aparência comum que o romancista Miguel Bonnefoy nos entrega em “O inventor”, lançamento da Editora Vestígio com tradução de Julia da Rosa Simões.
Não estamos diante de uma biografia padrão. Numa estrutura mais próxima do romance, Miguel Bonnefoy narra de maneira instigante a trajetória do cientista, usando a liberdade da fabulação para permitir que adentramos o mais íntimo do protagonista, seus pensamentos, angústias e anseios. “Augustin Mouchot é um dos grandes esquecidos da ciência não porque foi menos perseverante em suas explorações ou menos brilhante em suas descobertas, mas porque sua loucura criadora de pesquisador teimoso, frio e severo se voltou obstinadamente à conquista do único reino que nenhum homem jamais pôde ocupar: o sol.”
Mais do que um homem comum, Augustin Mouchot foi um ser frágil. A morte e a doença sempre estiveram à espreita, assombrando uma saúde delicada desde a infância. Chegou-se ao ponto de, assim que aprendeu a escrever, um jovem Augustin deixar, por vezes, a seguinte mensagem anotada na mesa de cabeceira enquanto dormia: “Embora pareça, não estou morto”. Apesar disso, o inventor francês viveu até os 87 anos, desafiando a morte e a ciência, dedicando-se ao nosso astro maior e os limites de suas possibilidades.
O inquieto inventor desenvolveu a máquina movida a energia solar. Conquistando o interesse do imperador Napoleão III e do general Verchère de Reffye, que via na invenção mais que uma inovação industrial, mas uma revolução militar, Mouchot alcançou a glória ao ser premiado na Exposição Universal de Paris em 1878. Entre as muitas possibilidades, era um caminho possível para libertar a França da dependência do carvão, um recurso finito. Mas, até a efetiva construção dessa máquina fantástica, muitos infortúnios acompanharam os passos do francês. Querendo dominar a força do sol, aquelas que o obliteravam eram justamente suas maiores inimigas: as nuvens, sobretudo quando carregadas, desabando em chuvas repentinas e torrenciais.
Na fluidez da prosa de Miguel Bonnefoy, por vezes, nos pegamos sendo desviados da história principal para mergulhos breves em coadjuvantes especiais. Há, por exemplo, a entrada em cena de uma personagem interessantíssima, que traz um vínculo especial com o romance anterior do autor, “Herança”, que parece levar ao limite o uso da ficção para reconstruir a história de Augustin. Nada mais justo que a invenção para dizer da história de um inventor: a fabulação como maneira de alcançar de maneira mais profunda um personagem singular.
Nas mãos de um habilidoso contador de histórias, “O inventor” é um mergulho no século XIX, período de fértil desenvolvimento da ciência que viu surgir invenções que seguiram influenciando e revolucionando pensamentos futuros, na figura de um cativante filho de seu tempo.
– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel.