texto por Gabriel Pinheiro
Como lidar com a perda de alguém que amamos, mesmo que essa pessoa ainda esteja bem ali, perto de nós? Não acredito que haja uma resposta exata para essa pergunta, mas a investigação de Gabriel Abreu, em “Triste não é ao certo a palavra” (2023), talvez nos ajude a tateá-la. O romance de estreia do autor acompanha um filho, G., que perde a mãe, M., para o diagnóstico de um grave tipo de demência. Ainda que esteja aqui, a mulher já não está. “Triste não é ao certo a palavra” é um lançamento da Companhia das Letras.
Ao encontrar na casa dos pais uma caixa antiga, G. descobre ali um diário, uma série de fotografias e sessenta e oito cartas guardadas pela mãe ao longo de décadas. Na multiplicidade destes relicários, o jovem (re)descobre a figura materna. Ali dentro, há uma mulher que, ao ter nos braços o filho recém-nascido, dá voz à criança ao longo de um diário que registra seu primeiro ano de vida. Há também as fotos de uma mãe numa época em que ela nem sonhava em ser mãe. Nas cartas trocadas, há uma jovem repleta de sonhos e expectativas para o futuro.
Assim como a memória, o romance de Gabriel Abreu não segue uma linearidade. Os breves capítulos caminham do passado ao presente, por meio de diferentes suportes. Se há capítulos marcados por uma estrutura narrativa, estes são permeados por fotografias, laudos médicos, trechos de cartas, páginas de diários e, até mesmo, bulas de remédio. Cada um desses itens contam uma história, são peças de um sensível quebra-cabeça narrativo.
Este é um romance sobre perder, mas é também sobre achar. É sobre uma mãe que se perde dentro de si mesma. É sobre uma doença que, pouco a pouco, toma para si tudo aquilo o que faz daquela mulher ser o que ela é. É sobre um filho que se vê perdendo uma mãe, ainda que ela esteja ali. É sobre como esse filho reencontra essa mãe no passado, através das memórias que ficaram a salvo da doença e do esquecimento. E, na busca pelo outro, ele também descobre muito sobre si mesmo.
Sim, triste não é ao certo a palavra que define o turbilhão de sentimentos que invadem G., assim como talvez não seja a palavra que, ao fim, consiga traduzir a experiência de leitura, terminada a última página. São muitas as palavras que cabem ao livro de Gabriel Abreu, um romance de estreia poderoso e surpreendentemente inventivo.
– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel.
Parabéns pelo belíssimo livro. Que vc possa sempre transpassar nos seus livros a verdadeiro sentimento que transpassa uma literatura.Sentimento e alma .. Define a linda história de sentimentos entre um filho e uma mãe muita amada !!❤️