texto por Pedro Salgado, especial de Lisboa
Eram 22h no B. Leza Clube, numa quinta-feira quente, e o público que lotava o espaço lisboeta à beira do rio Tejo aguardava com alguma impaciência pelo começo do show de Zé Ibarra. Na bagagem, o músico brasileiro trazia o seu álbum de estreia solo, “Marquês, 256” (composto por versões, reinterpretações e alguns originais), bem como outras canções que marcaram o seu percurso artístico. O show de Lisboa dava continuidade a um tour de seis cidades portuguesas que se iniciou com apresentações na Escola das Artes e Ofícios (Ovar) a 7 de Junho, no Salão Brazil (Coimbra) a 8 de Junho e no Cineteatro Avenida (Castelo Branco) a 10 de Junho, e que ainda contou com shows no Festival Rádio Faneca (Ílhavo) a 17 de Junho e no Novo Salão Ático, no Coliseu do Porto, 18 de junho, encerrando a turnê.
Passavam 30 minutos da hora marcada e Zé Ibarra entrou no palco sozinho, sentou-se numa cadeira ao centro e abriu a noite dedilhando delicadamente a guitarra ao sabor da melancólica “Vou-Me Embora”. Desde logo, evidenciou-se a forma espontânea como desenvolve as suas nuances vocais e assinou uma interpretação plena de sentimento. O foco de luz que incidia sobre si encerrava algum simbolismo e quando se apropriou de “Dos Cruces”, de Milton Nascimento, o seu desempenho gerou uma espécie de transe sobre a assistência, que depressa daria lugar a um enorme aplauso, dos muitos que se sucederam na noite de 15 de Junho.
“Boa noite Lisboa! É o meu primeiro espetáculo aqui em nome próprio e estou muito feliz por estar cá”, começou por dizer e revelou que seria “um show em duas partes e a banda virá depois porque eu gosto que dancem também”. Seguiu-se a releitura de “Olho D’Água” (Caetano Veloso e Wally Salomão) que manteve a audiência suspensa com o seu canto e em “Como Eu Queria Voltar” o coro do público deu mais colorido à canção. Zé Ibarra aproveitou para destacar a influência de Milton Nascimento na sua carreira, com quem atuou na derradeira turnê do consagrado músico mineiro, “A última sessão de música (2022)” e enalteceu igualmente Dora Morelenbaum de quem interpretou “Dó a Dó” recorrendo ao falsete, bem como a sua composição conjunta com a artista, “Essa Confusão”, que executou com igual suavidade e primor.
Com “Hello”, exibindo um hábil jogo de palavras em inglês e português, no qual o músico carioca acrescentou um travo sambista, entraria em palco o convidado especial da noite, Tomás Wallenstein, proporcionando um dueto animado e que renderia uma imensa ovação. Logo após a performance, Tomás disse ser um “prazer estar aqui com o Zé que me tem inspirado muito com a sua música e a sua amizade” e depois da celebrada “Itamonte” Ibarra confessou que Tim Bernardes lhe deu a conhecer o som do Capitão Fausto e descreveu a música do grupo português como sendo “esculpida com muito carinho”. Já com a presença do baterista Thomas Harres e do baixista João Moreira em palco, Tomás Wallenstein e Zé Ibarra cantaram o pop animado “Lentamente” (do Capitão Fausto”) e a assistência rendeu-se ao momento de pura fruição, acompanhando os músicos na interpretação da canção.
Pouco depois, com a entrada do percussionista Domenico Lancellotti e em clima de festa, o músico carioca e a sua banda proporcionaram ao público lisboeta um grande momento através da performance magistral de “Vai Atrás Da Vida Que Ela Te Espera”, dotada de um apelo irresistível e que transformou o B. Leza numa pista de dança. Recordando o álbum “Sim Sim Sim” (2022), do Bala Desejo, o artista explicou que o disco foi feito durante a pandemia e o objetivo era levantar o astral das pessoas, mas faltava uma música de sarjeta e apresentou a reflexiva “Nesse Sofá”, marcada pela intensidade vocal e instrumental que deu mais força à mensagem da canção.
Outro convite à dança veio ao som de “Filhos de Gandhi” (Gilberto Gil), numa altura em que Ibarra aproveitou para entoar a melodia repetidamente e em “Lua Comanche”, com Tomás Wallenstein de volta aos teclados, o rumo festivo do show acentuou-se. Ainda haveria espaço para a inédita ao vivo “Infinito em Nós”, onde a assistência correspondeu ao pedido do cantautor carioca e acompanhou-o durante a interpretação.
Após a vénia coletiva, os músicos saíram do palco perante os gritos de “Só mais uma!” e Zé Ibarra reapareceu e perguntou com graça: “Vocês estão dizendo que só querem mais uma?”, provocando a gargalhada geral. O encore começou com a afetiva “San Vicente” (Milton Nascimento) e com a participação de Tomás Wallenstein e da banda veio o hit “Boa Memória”, do Capitão Fausto, para gáudio dos espectadores. Antes da despedida, Tomás dirigiu-se à audiência e apresentou “Dourado Dourado” (a última música do concerto), “para dançarmos e irmos mais felizes para casa” e a festa prolongou-se até ao fim. O show no B. Leza comprovou o talento de Zé Ibarra, um excelente cantor e compositor capaz de gerar emoções verdadeiras com naturalidade e encantar a sua e outras gerações.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. As fotos utilizadas no texto são do Instagram da Lazarus Agency