Ao vivo: Ana Lua Caiano apresenta novo EP em Lisboa em clima de comunhão e apoteose com participação de Fred Ferreira

texto por Pedro Salgado, especial de Lisboa
fotos por Vera Marmelo

A Galeria Zé dos Bois, no Bairro Alto, em pleno coração de Lisboa, estava lotada e o calor invadia um recinto composto por fãs de 20 e 30 anos e diversos espectadores de meia-idade, comprovando o caráter transversal de uma artista em franca ascenção a quem cabia o papel de apresentar o seu novo EP, “Se Dançar É Só Depois” e revisitar as canções do trabalho anterior, o bem recebido “Cheguei Tarde a Ontem” (2022).

Passavam 10 minutos das 22 horas e Ana Lua Caiano esboçou um sorriso aberto enquanto caminhava para o palco sob fortes aplausos. Sem demoras, iniciou o seu ‘one-woman show’ com o hit “Olha Maria” agarrando desde logo o público com a forma expressiva e enfática de cantar suas letras, numa fusão cativante de música tradicional portuguesa e eletrônica.

Seguiu-se outra música do EP de estreia, “Que O Sangue Circule”, animada por loops de respiração e uma sonoridade folclórica, apresentada pela própria como uma canção“que fala sobre a vontade de viver” e que abriu caminho para a emblemática “Sai Da Frente, Vou Passar”, uma espécie de lema da artista, na qual a estrofe “Sai da frente vou passar / Que tenho de montar / Um futuro para mim” gerou o primeiro de vários momentos de comunhão do show e de identificação generalizada com a sua mensagem de protesto.

Ana conduziu-nos a partir daí numa viagem extraordinária pelo seu universo emocional ora inquietante ora liberto, propondo reflexões sociais, exprimindo receios e criando ambientes musicais desafiantes, munida apenas de uma loop-station, um sintetizador, um bombo e por vezes recorrendo às palmas e a uma melódica.

Durante o concerto, a artista desenvolveu ainda um movimento corporal ondulante, no qual as mãos pareciam ser uma extensão da sua personalidade e da sua convicção interpretativa, que assentou bem numa faixa mais tradicionalista que integrará o seu futuro álbum (“Vou Ficar Neste Quadrado”), como na pegada dançante e circular de “Um Menos Um” ou no single com que se apresentou a solo em Maio de 2022 (“Nem Mal Me Queres”).

Num breve momento de pausa, Ana Lua Caiano apontou para uma bateria que estava ao seu lado e apresentou elogiosamente o único convidado da noite, o baterista Fred Ferreira (integrante dos Orelha Negra e da Banda do Mar, entre outros) com quem interpretou dois números do novo EP. Primeiro, a galopante “Dói-me a Cabeça e o Juízo”, onde a força das palavras cantadas por Ana e a batida sincopada de Fred no aro da tarola, que depressa deu lugar a um crescendo instrumental, conquistaram a assistência e a magnífica “Adormeço Sem Dizer Para Onde Vou”alcançou igual receptividade, pela dinâmica criada por dois músicos em plena fruição.

Outro momento de grande sintonia na Galeria Zé dos Bois resultou da interpretação da pop “Vou Abaixo, Volto a Cima”, onde Ana aproveitou para explicar o seu método de trabalho. Entusiasmada com a adesão do público lisboeta, que elogiou, a artista apontou o microfone na direção da assistência, pediu para que todos cantassem e gravou um loop com o som de retorno perante a recriação total.

Sobre a faixa que dá nome ao seu novo EP, “Se Dançar É Só Depois”, a cantautora portuguesa declarou que se referia “ao excesso de trabalho atual e à dificuldade que as pessoas hoje em dia sentem para partilhar as suas vidas e encontrar uma casa para viver”. Imprimindo uma cadência dançante e percussiva ao seu hábil jogo vocal, Ana conquistou uma vez mais os presentes e multiplicaram-se os passos de dança e a cantoria espalhou-se pelo recinto.

Após a derradeira investida com “Casa Abandonada”, uma música experimentalista de teor ambiental, anunciando novos caminhos para a sua sonoridade, e que ainda assim foi devidamente saudada, Ana correspondeu ao pedido insistente da audiência para um bis. A despedida veio ao som de “Mão na Mão”, em clima de festa, onde a sua firmeza interpretativa contagiou e pôs os espectadores a entoarem o refrão até à apoteose final.

Passados 70 minutos, fica a sensação de ter presenciado um show prazeroso, intenso e completo de uma artista desafiante que gera um genuíno entusiasmo nos seus seguidores. Justifica-se plenamente continuar a acompanhar os seus passos criativos, porque Ana Lua Caiano existe no seu próprio tempo, o seu tempo é agora e caminha rapidamente para que a sua expressão e personalidade musical atinjam um nível mais elevado de visibilidade nacional e internacional. Após o show, Ana atendeu ao público conversando com os presentes e autografando seus CDs, encerrando de maneira animada uma noite especial.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.
– Vera Marmelo é fotografa. Confira seu trabalho em https://veramarmelo.pt/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.