texto por Alexandre Biciati, Bruno Lisboa e Rodrigo James
fotos de Alexandre Biciati
A edição de 2023 do Breve Festival começou muito bem com o anúncio de um promissor lineup que mencionava um amplo e diversificado time de artistas. Porém, a menos de um mês para o evento, a programação sofreu drásticas mudanças, incluindo remanejamentos das atrações, o que foi mal-recebido pelo público, especialmente por quem já estava com ingresso garantido. A bomba repercutiu negativamente nas redes sociais, mas o festival manteve um bom nível de comunicação e bancou as decisões necessárias.
Não bastasse o cancelamento de artistas já anunciados e alterações de horário, o festival, que na edição anterior ocupou todo o anel da esplanada e parte interna do estádio numa edição recheada de problemas, acabou por concentrar as apresentações em apenas dois palcos, sendo: um para os shows localizado no gramado e outro dedicado à música eletrônica no estacionamento coberto. Apesar das mudanças em cima da hora, um excelente público lotou o Mineirão para assistir seus artistas preferidos no festival que já faz parte do calendário da cidade. Para sorte de todos, a ameaça de chuva não se concretizou e o tempo nublado contribuiu para um clima agradável durante o sábado.
Com sinalização minimalista e poucas intervenções visuais, os organizadores parecem ter direcionado os maiores investimentos para o palco que, ao que tudo indica, herdou estrutura da apresentação da banda Kiss, ocorrida na mesma semana. Som e luz não deixaram a desejar e os artistas ainda contaram com efeitos pirotécnicos que chamaram atenção, inclusive dos próprios músicos.
O Breve 2022 encerrou com show de Alceu Valença ao lado de Geraldo Azevedo e Elba Ramalho. Desta vez, após Luedji Luna mostrar seu novo show para BH, o músico pernambucano retornou ao festival para mostrar porque é sempre um nome cogitado para festivais desse porte. Trajando um elegante casaco bordado, chapéu e óculos escuros, o artista tomou conta do enorme palco à luz do dia que não demandou sequer cenário. Com repertório pra lá de conhecido, Alceu esbanjou carisma e uma voz imponente que intercalou com o coro da plateia gerenciado com a experiência que tem de sobra. Sempre atento ao tempo do show, Alceu foi econômico nas pausas e emendou canções que são verdadeiros cânones da música popular brasileira como “Coração Bobo”, “Morena Tropicana”, “Anunciação”, “La Belle de Jour” e “Girassol”.
Vivendo grande momento na carreira, o artista pernambucano João Gomes é um dos nomes mais populares do país. Com quase 7 milhões de ouvintes mensais em plataformas de streaming, João foi ovacionado durante a apresentação pelo bom público presente, que cantou cada um dos versos de “Meu Pedaço de Pecado”. Gomes é fruto de uma geração que transita entre gêneros musicais com naturalidade. O medley, em versão forró, que uniu “Mulher de Fases” (Raimundos) e “Anna Julia” (Los Hermanos) é prova disso. Na reta final, convidados subiram ao palco e executaram versões de suas canções para “Várias Queixas” (Gilsons) e “Beira da Piscina” (Don L) que, infelizmente, não funcionaram bem devido ao excesso de improviso e a falta de ensaio, como o próprio Gomes revelou. Ainda assim, o show de João Gomes foi, acima de tudo, pirotécnico. O artista foi o que mais fez uso das tochas de fogo e jatos de fumaça que, se divertiam em princípio, chegaram a ficar previsíveis e enfadonhos no decorrer da apresentação.
Contando com a presença de Don L (artista do ano da APCA em 2021) na plateia, Black Alien (Disco do Ano da APCA em 2019) fez uma senhora apresentação. Quem acompanha sua carreira desde os primórdios sabe que seu flow é um dos mais marcantes do país. Porém, sua elogiada carreira solo alçou voos ainda maiores a partir do lançamento de “Abaixo de Zero: Hello Hell” (2019), disco em que estabeleceu um diálogo ainda mais próximo com as novas gerações. Como esperado, o set privilegiou o repertório desse disco, de onde vieram faixas como “Quem Nem o Meu Cachorro”, “Vai Baby” e “Jamais Serão”, que foram cantadas pelo público à plenos pulmões. A participação especial do rapper FBC colocou a casa abaixo. A dupla dinâmica mostrou sintonia plena e executaram dois números: “Umaextrapunkprumextrafunk” (presente no clássico disco de estreia “Babylon By Gus Vol. 1″) e “De Kenner”, canção emblemática do disco “Baile” (2021) coroando uma das melhores performances da noite.
Já Alcione fez questão de apresentar os primeiros números de pé e foi de pé que recebeu as primeiras chuvas de aplausos. Aos 75 anos de idade, a diva do samba adentrou ao palco já com o jogo ganho. Durante toda a apresentação o público, majoritariamente jovem, tratou Alcione com merecida devoção e, como contrapartida, a cantora, visivelmente emocionada, entregou uma performance comovente e memorável. Escudada por uma autêntica big band, Alcione fez uma apresentação abrangente com canções de várias fases. Fizeram parte do setlist canções “Além da Cama”, “Estranha Loucura”, “Sufoco”, “Juízo Final” e “Meu Ébano” que demonstram como o repertório da Marrom segue atemporal. O hino “Não Deixa o Samba Morrer” encerrou o show, mostrando que o segredo de sua longevidade reside no seu carisma e em sua voz marcante que há mais de 50 anos conquistam gerações.
Uma das atrações mais esperadas do festival, Liniker não decepcionou e fez a multidão dançar – ora apaixonada, ora com vigor – ao som das canções de seu mais recente disco, “Indigo Borboleta Anil”, vencedor do Grammy Latino. Contemplaram o setlist também outras músicas de seus trabalhos anteriores, pinçadas para “comemorar o fato de estar cantando pela primeira vez em um estádio”. O som irresistível da cantora, organicamente produzido por uma excelente banda, evoca o melhor da black music, e seria tranquilamente aprovado por mestres como Tim Maia. Liniker não só cantou como dançou e pulou, fazendo com que canções como “Baby 95”, “Vitoriosa” e “Diz Quanto Custa” ganhassem interpretações mais do que inspiradas. A cantora, natural de Araraquara, começou o festival como uma das atrações mais aguardadas e terminou como um dos melhores shows do dia.
E então veio Joss Stone… Já ouviram falar em “show certo no lugar errado”? Pois foi esse o caso de Joss Stone no Breve Festival. Não entendam mal: foi um puta show, mas a impressão que dava era que o público em geral estava esperando ele acabar para assistir à apresentação de Ludmilla, que viria na sequência. Todas as vezes em que o telão mostrava as reações das pessoas, era nítido que a maioria não estava entendendo nada e se perguntando: “O que essa loira está fazendo aí?” Bom, azar de quem não se entregou ao “show da loira”, porque Joss fez uma viagem invejável pelo soul, pelo jazz e pelo melhor da black music com groove e tempero na medida certa. Dos hits de sua carreira (“Super Duper Love”, “You Had Me”, “Right To Be Wrong”) até algumas covers que definitivamente estão entre as influências de seu som (“Son of a Preacher Man”, “Killing Me Softly”, “Some Kind of Wonderful”), Joss Stone cantou, sorriu, dançou, pulou, entregou flores para o público (e para os câmeras no palco), esbanjou simpatia e mostrou porque é tida como uma das grandes cantoras de sua geração. Se for mesmo verdade que ela pretende dar sua carreira por encerrada após esta turnê, como alguns veículos de imprensa têm noticiado, terá sido um último encontro e tanto da cantora com Belo Horizonte.
Também figurando no rol de “atrações mais esperadas da noite”, a cantora carioca subiu ao palco do Breve com a nobre intenção de corresponder às expectativas do público ávido por sua presença. E ela cumpriria a missão com louvor. Mesmo estando, segundo a própria, com dores de garganta, Ludmillla fez uma performance eletrizante, musical e visualmente. A abertura matadora composta por “Favela Chegou”, “Verdinha”, “Rainha da Favela” e “Socadona” colocou o estádio abaixo. Logo na sequência, a dupla de rappers (e irmãs) Tasha & Tracie adentrou ao palco e manteve o nível de energia elevado. Estreando ao vivo a parceria feita em estúdio, o single conjunto “Sou Má” e “Tang” (do repertório de Tasha & Tracie) foram as faixas selecionadas. Em “Maldivas”, faixa que faz parte de seu projeto pessoal dedicado ao pagode, Lud trouxe ao palco sua musa inspiradora (e esposa) Brunna Gonçalves. No fim, o mega hit “Onda Diferente” encerrou a apresentação de forma quente.
O Planet Hemp chegou no Breve comemorando a boa recepção a “Jardineiros’ (2022), seu mais recente disco (e disco do ano no Melhores do Scream & Yell 2023). O deslumbramento era perceptível nos olhares das pessoas que assistiam aos frontmans Marcelo D2 e BNegão agitando o show que tinha o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, produtor de “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” (2000). E tome rodas de pogo, peso nas guitarras, D2 e B cantando para as câmeras e fazendo uso diferente e criativo dos telões, além de clássicos, muitos clássicos: “Dig Dig Dig”, “Mantenha o Respeito”, “Fazendo a Cabeça”, “Queimando Tudo” e tantas outras que ajudaram o rap brasileiro a chegar aonde chegou estiveram num setlist inspirado, feito para que ninguém conseguisse ficar parado. Um show inesquecível de uma banda mais do que fundamental.
O Breve ainda levaria ao palco o show de Péricles, que abriu apresentação com “Seu Eu Largar o Freio” e seguiu com clássicos do grupo de pagode que integrou, o Exaltasamba, além de músicas de Jeito Moleque, Jorge Aragão e Art Popular. O festival encerrou com uma grande festa dançante comandada por Baile Room para alegria dos inimigos do fim. Num balanço geral, o anúncio da saída de Luisa Sonza, Bala Desejo, Gui Boratto, Matuê, VHOOR, Priscilla Alcântara e Matuê, obviamente, não agradou a ninguém. A relocação de Don L, Gilsons e Tasha & Tracie para o status de participação especial tampouco. E, por mais que os organizadores do festival tenham tido a melhor das intenções em promover encontros inéditos, em alguns casos, flui como esperado.
A adaptação, porém, resultou num formato que favoreceu o evento em outros aspectos relevantes. Permitiu a utilização dos banheiros distribuídos ao longo do anel inferior, favoreceu o acesso aos bares e otimizou a utilização do foyer e das cadeiras do estádio como áreas de descanso. Ainda: ter um único palco diminuiu consideravelmente o fluxo e, consequentemente, as distâncias percorridas, o que minimizou o stress, a fadiga e os problemas. Estamos, naturalmente, comparando essa com as últimas edições do festival. Entretanto, se focarmos nas soluções dadas a um evento de grande porte que sofreu alterações consideráveis até a última semana de sua realização, podemos dizer que o Breve ofereceu uma experiência muito positiva. Se às vésperas do evento pairava receio sobre a qualidade técnica, conforto e segurança, quem frequentou esta última edição do Breve saiu com uma ótima impressão do festival, que conseguiu trazer grandes nomes de gêneros variados fazendo um evento plural em uma ordem de apresentações que funcionou bem.
– Alexandre Biciati, Bruno Lisboa e Rpdrigo James são responsáveis pela Phono, site focado em tudo de bom que acontece musicalmente nas Geraes. Conheça: https://www.phono.com.br/