entrevista por Bruno Lisboa
Em 2001, quando ainda estava no colégio, super quieta e infeliz, Christine Valença já pensava em ter uma banda e ganhou um presente decisivo: “Is This It”, o clássico disco de estreia dos Strokes, caiu em suas mãos através da avó do baterista Fabrizio Moretti, que morava no mesmo prédio em que ela. Os anos revolucionários do Napster também auxiliaram a abastecer a curiosidade de Christine, que pediu de presente de natal a coletânea dupla “Hey! Ho! Let’s Go: The Anthology”, dos Ramones, 58 músicas que explicam por a + b como a música, em geral, e o rock and roll, em particular, pode ser divertido, sonhador e inspirador. “Viajei durante meses naquele encarte. Dali minha busca por música boa não tinha mais como parar”, conta.
Pouco mais de 20 anos depois, após enveredar pelo teatro – ela também é atriz e bailarina – em produções nacionais e internacionais (como o musical canadense “A World Apart”) e aprender a tocar piano e guitarra (“Tirava as músicas dos Beatles de ouvido”, revela). Christine Valença estreia com “Lentes de Âmbar” (2023), um disco que nasce com a chancela do selo Maxilar Records, de Gabriel Thomaz (Autoramas), passeando com naturalidade entre estilos e sonoridades que vão desde a música francesa ao rock, da MPB ao folk, do soul aos ritmos latinos. “Gabriel (Thomaz) foi uma das primeiras pessoas que eu procurei pra lançar, e ele já marcou uma reunião comigo. Então foi por conta dessa confiança”, acredita.
Na conversa abaixo, Christine Valença analisa seu envolvimento com música, teatro e balé (“A intercessão dessas linguagens me interessa”, avisa), diz que sempre gostou do âmbar como um gerador de imagens (“É uma cor, uma tonalidade, uma resina natural, uma liga e um aroma. E as lentes têm a ver com esses múltiplos universos que podemos perceber através do âmbar, da mesma forma que cada canção oferece um ângulo novo para se observar o mundo”) e conta como se aproximou de Gabriel e do selo Maxilar (“Acho que me ofereci pra participar do Prêmio Gabriel Thomaz de Música Brasileira, e o avisei que ia enviar a ele meu EP autoral”, rememora), entre outras coisas. Fala, Christine.
Sua trajetória no universo das artes vem de berço, pois além de musicista você é atriz e bailarina. De que maneira essa interface entre diversas artes contribui para o seu fazer artístico? Em que momento você percebeu que a música seria mais uma delas?
Tenho percebido – quando me perguntam exatamente isso – que nas minhas memórias de infância, a música veio bem mais cedo. Eu era encantada por rádio, por discos de vinil e gostava de cantar escondido dos meus pais, porque morria de vergonha. Depois entrei no balé, meio forçada, que viam que eu não tinha muita vergonha de dançar na frente das pessoas. E assim foi, até eu pedir irritantemente a eles para sair do colégio porque eu queria entrar num conservatório de música e me dedicar de verdade a essa carreira. Fiquei aprendendo piano e guitarra durante um tempo. Depois encontrei outras pessoas que tinham o mesmo interesse, e ficamos amigos. Foi o fato de ser mulher que acho que me colocou mais num lugar de espectadora deles, e me dificultou poder me apresentar, fazer minhas próprias músicas. Tive que trabalhar isso dentro de mim durante um período. De qualquer maneira, é justamente a intercessão dessas linguagens que me interessa, não sei se pelo fato de que dessa forma consigo estar sempre empolgada por um canal de expressão. Mas acredito sempre que a música segue como a mais distinta pra mim, que acaba ligando meus outros interesses uns nos outros.
Falando sobre “Lentes de Âmbar”, o disco é composto de 11 faixas nas quais você transita em diversos ritmos e sonoridades que dialogam com a sua ótica ampla de ver o cotidiano. Pensando nessa versatilidade gostaria de saber como se deu a sua formação musical. E ainda: como foi o processo de composição do álbum?
Minha formação musical tem vários períodos, comecei a me interessar por música com 12 anos, mais ou menos, quando eu comecei a nutrir um desejo de ter uma banda, encontrar outras pessoas que gostassem de sons antigos, e acontece que eu tive uma certa sorte de morar no mesmo prédio da avó do Fabrizio Moretti, do Strokes. E em 2001 eles estouraram, e eu ganhei dela o “Is This It”. Foi muito importante pra mim. Eu sofria muito no colégio, era super quieta e infeliz ali. Comecei a explorar as ferramentas de busca, na época era o Napster, e comecei a descobrir sons que até hoje fazem minha vida melhor. Lembro que pedi de Natal o “Anthology”, dos Ramones, e naquele encarte viajei durante meses. Dali minha busca por música boa não tinha mais como parar. Aprendi a tocar piano e guitarra, tirava as músicas dos Beatles de ouvido. Mas demorou bastante tempo pra eu colocar tudo isso em músicas autorais. Acho que eu sempre tive a régua um pouco mais alta, então eu achava tudo que eu fazia deplorável, e tive que buscar ferramentas para deixar as coisas fluírem sem me criticar. O álbum fala um pouco explicitamente sobre esse processo, e sobre muitos outros assuntos mais pessoais que me fizeram dar essa virada de chave, conter musicalmente essa urgência.
O álbum é um lançamento da Maxilar Records, selo que tem em seu cast um time amplo de artistas. Como se deu a aproximação com eles? E com um disco novo debaixo do braço quais são seus planos futuros?
O selo surgiu porque primeiro eu e o Gabriel Thomaz temos inúmeros amigos em comum, então a aproximação foi natural. Acho que me ofereci pra participar do Prêmio Gabriel Thomaz de Música Brasileira, e o avisei que ia enviar a ele meu EP autoral. Acho que rolou um interesse, e quando o número de músicas cresceu e virou um álbum, acabou que Gabriel foi uma das primeiras pessoas que eu procurei para lançar, e ele já marcou uma reunião comigo. Então foi por conta dessa confiança. Meus planos pro futuro são levar as canções pro maior número de pessoas, e fazer meu show da melhor maneira. Eu tenho uma predileção em fazer show em locais que não necessariamente seriam pra show, então estou buscando esses espaços também. Gostaria muito de fazer número de abertura pra artistas com a mesma sintonia, e também tenho feito canções novas pra um projeto por vir! Estamos aí!
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Lucas Campbell.