introdução por Marcelo Costa
Faixa a faixa por Wry
Formada em 1994 (ou seja, pertinho de completar 30 anos de estrada!) em Sorocaba, no interior de São Paulo, e com um setênio vivido em terras britânicos (entre 2002 e 2009), a Wry vive o momento mais prolifico de toda sua trajetória: nos últimos três anos eles pariram três discos de inéditas – “Noites Infinitas” (2020) “Reviver” (2021) e “Aurora” (2022) – e um número considerável de EPs. Mais recente trabalho, “Aurora” (presente na lista de destaques de 2022 da Associação Paulista de Críticos de Arte) traz a particularidade de ser o primeiro disco deles inteiramente cantado em português.
“Quando estávamos pensando no título, a gente analisou as letras, uma a uma, e vimos que tinha um fio de esperança reacendendo no que estávamos propondo com cada faixa”, relembra o vocalista e guitarrista Mario Bross. “Juntando isso com a época em que o disco seria lançado, em plena eleição presidencial brasileira, não poderíamos pensar em outro senão ‘Aurora’, o que pra gente soou perfeito. O primeiro clarão da aurora indica um novo dia, traz o sentimento de esperança, talvez até o otimismo, mas não nos diz exatamente como o dia será. Isso a gente vai descobrir conforme o tempo vai passando. Acho que o álbum é isso, uma meia esperança, um otimismo com cautela”, completa.
Lançamento do selo Before Sunrise Records, “Aurora” vai do post-punk ao reggae e ao dub sem receio de se mostrar poético e enlutado (“Carta às Moscas”), abertamente politizado (“Temos um Inimigo”), de encarar as mudanças de peito aberto (como no single “Sem Medo de Mudar”) e seguindo firme com suas convicções (explicitado no single “Contramão”). Além de Mario Bross, a banda conta com Lu Marcello (guitarra), William Leonotti (baixo e backing vocal) e Italo Ribeiro (bateria). O disco foi gravado no estúdio Deaf Haus, em Sorocaba, por João Antunes e Luciano Marcello, produzido por Mario Bross e João Antunes (que também assina a mixagem). Abaixo, eles apresentam, faixa a faixa, “Aurora”, com exclusividade.
01 – Sem Medo de Mudar: O disco começa com a música mais rápida que já gravamos. É uma faixa breve, melódica e pop, apesar da batida punk. As Instrumentações são bem oxigenadas, deixando um pouco de lado as paredes de guitarras presentes em discos anteriores. A letra fala em reerguer-se mesmo que tenhamos ainda o peso do mundo nas costas.
02 – Contramão: Como um grito de desabafo, a letra normaliza a forma diferente de viver e lembra que não precisamos virar robôs conforme pressão da sociedade e do universo digital. Apesar da letra carregar essa inquietação, a música tem riffs e batidas solares, além de ser muito dançante e intensa.
03 – Carta às Moscas: Com uma letra longa, sem rimas ou repetições, escrevemos uma carta pra ninguém, ou pra nós mesmos, descrevendo um recorte do mundo que hoje vivemos, que apesar de moderno e mudado, ainda carrega muitas questões. A música é estilo marcha, com nuances melódicas, poderia muito bem ser tocada com um único acorde.
04 – Quero Dizer Adeus: A baladinha triste do disco, o símbolo das despedidas e das grandes mudanças. Ao longo da música os instrumentos entrelaçam arranjos de muita emoção. Parecem cantar junto a voz palavras de conformidade e aceitação daquilo que um dia já foi. A letra foi inspirada nas mortes da Covid, e inconscientemente talvez, isso também tenha muito a ver com a mudança da banda ao longo dos últimos sete anos.
05 – Não Posso Respirar: Com uma levada punk, essa faixa é parceira das primeiras do disco. Na letra, de forma bem clara e direta, falamos o quanto a pressão da sociedade nos asfixia. Quando sofremos vendo a imagem do opressor com o joelho no pescoço do oprimido ou quando somos lavados com as milhares de mentiras espalhadas nos celulares, somente a verdade consensual pode nos trazer de volta um pouco de esperança.
06 – Labirinto Mental: Essa foi a última que compusemos dessa levada de músicas. O disco não é composto por músicas parecidas, como é de praxe em nossos discos, mas podemos dizer que essa seria uma das diferentes. Na letra tem muito otimismo com o futuro e análise do passado. Em contrapartida, os arranjos deixam o clima da música mais denso e profundo. Para nós uma das pérolas do Aurora.
07 – Temos um Inimigo: A música começa com vibe de virada de ano, comemorando talvez, e com cautela, o fim de uma era de pesadelos. Em contraste a letra triste descreve o nascimento em massa, regado por líderes da extrema-direita, do ser humano ultra egocêntrico, sem história e sem compaixão. Que acredita na sua própria mentira. Que propaga o ódio e a intolerância. Ainda assim são tão ignorantes a ponto de não saberem que o tempo é fatal e que a internet é para sempre.
08 – Pra Onde Eu Vou: Claramente essa música é sobre um caminho. Os planos originais, a ingenuidade da adolescência, o presente com as dificuldades impostas pelo mundo e a esperança, ou incerteza, sobre o futuro. De forma pessoal, mostra também um pouco de revisão do passado na construção de um amanhã mais coerente com a realidade e mais pé no chão. Curiosidades: o som de sintetizadores, nessa faixa em particular, foi feito com efeitos de pedal de guitarra. E a música tem um tempo diferente.
09 – Universo Jogador: Uma música sobre contemplação e questões internas. Assunto vigente para muitas pessoas durante um dos momentos mais sinistros vividos pelo mundo nos últimos anos, que foi o isolamento devido a Pandemia da Covid. A música confirma o significado da letra com arranjos etéreos e psicodélicos, com bastante profundidade. Essa talvez seja a única mais próxima daquele nosso shoegaze de outrora.
10 – Coração Sem Educação: Essa música, composta pelo nosso amigo Rái Mein, é sobre o fim de uma história vivida a dois, onde o amar e ser amado teve que ser cessado. Compusemos arranjos fortes e gravamos o vocal gritado de angústia. Na nossa humilde opinião, transformamos o som em um poderoso glam-punk, que achamos que será de fácil identificação na medida que as pessoas forem ouvindo.
11 – Vivendo no Espelho: Se fosse para escolher a diferentona das onze faixas, alguns votarão nessa. Mas se ouvirem com atenção, perceberão a influência do reggae e do dub, algo que, para quem sabe bastante das nossas músicas, já ouviu algo parecido aqui ou ali, desde nossas primeiras composições. A letra é sobre a vida digital que pode cegar pessoas, que sem mesmo perceber se transformam em robôs humanos, exibindo uma fé absurda que as escravizam.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.