texto por Daniel Abreu
No dia 4 de janeiro de 2016, o Guns N’ Roses foi anunciado como um dos headliners do tradicional festival Coachella, que ocorre todo ano no deserto da Califórnia, em dois fins de semana consecutivos de abril. Porém, a grande surpresa nesse anúncio ficou por conta do retorno de dois membros muito importantes da formação original da banda, o guitarrista Slash e o baixista Duff McKagan. Os dois músicos se desligaram do Guns na segunda metade dos anos 1990, ambos descontentes com os rumos que o vocalista Axl Rose queria dar para a banda, e durante muitos anos se especulava sobre a volta de ambos para o grupo.
Após os shows no Coachella, o grupo entrou em uma turnê mundial chamada “Not in This Lifetime…Tour”, que passaria em duas ocasiões pelo Brasil, inclusive uma apresentação na edição de 2017 do festival Rock In Rio. Depois de uma pausa forçada por conta da pandemia, a banda voltou à estrada em 2021 e nesse mês de setembro desembarcou pela oitava vez no Brasil. Com shows em Manaus (1), Recife (4), Rio de Janeiro (8), Goiânia (11), Belo Horizonte (13), Ribeirão Preto (16), Florianópolis (18), Curitiba (21), São Paulo (24) e Porto Alegre (26), essa é a turnê mais longa do grupo em solo brasileiro, dez shows no total.
Neste último sábado (24), com os ingressos esgotados, a banda se apresentou na casa do Palmeiras, o Allianz Parque, região oeste da cidade de São Paulo. Pontualmente às 20 horas, o Guns subiu ao palco ao som do baixo de Duff e atacou com “It’s So Easy”, segunda faixa do antológico disco de estreia, “Appetite for Destruction” (1987). O repertório seguiu basicamente com os clássicos “Welcome to the Jungle”, “Live and Let Die”, “You Could Be Mine”, “Sweet Child o’ Mine”, “November Rain”, “Knockin’ on Heaven’s Door” e “Patience”, músicas que o público sabia de cor a letra e cantou junto com a banda o tempo todo.
Além dos hits, o grupo ainda tocou algumas músicas menos conhecidas do grande público, como “Better” e “Sorry”, ambas do disco “Chinese Democracy” (2008), e outras duas do comecinho da carreira da banda, “Reckless Life” (do primeiro EP da banda, “Live ?!*@ Like a Suicide”, de 1986, reeditado posteriormente como parte do disco “G N’ R Lies”, de 1988) e “Shadow of Your Love” (gravada numa demo tape de 1986 e lançada como single em 2018 para alavancar a reedição de luxo do primeiro disco). No meio do show, Duff assumiu os vocais e mandou o cover de “Attitude”, dos Misfits, e Slash fez o seu tradicional solo de guitarra antes de “Sweet Child”. Após quase três horas de apresentação, Axl Rose e companhia terminaram o show com a sempre apoteótica “Paradise City”.
Apesar de extremamente simpáticos com o público, e de entregarem um show cheio de energia, o Guns N’ Roses apresentou um pouco mais do mesmo daquilo que rolou em 2016 e 2017, no mesmo Allianz Parque. Cinco anos após a última aparição do grupo na cidade, o show continua enraizado nos hits e existe pouco espaço para novidades. Apesar da discografia curta, a banda bem que poderia variar um pouco mais o setlist e incluir músicas que geralmente não costumam aparecer no repertório, como “Dead Horse”, “Locomotive”, “You’re Crazy”, “So Fine” e “There Was a Time”, por exemplo. Ao invés disso, a banda prefere tocar “Wichita Lineman”, do cantor e compositor Jimmy Webb, em todos os shows.
Outro ponto que chama a atenção é a falta de material novo para divulgar. Desde a volta de Slash e Duff para o grupo, os rumores de que um álbum de inéditas está sendo gravado é recorrente. Porém, apenas duas músicas foram lançadas nesse tempo, “Absurd” e “Hard Skool”, faixas que ficaram de fora do “Chinese Democracy” e que foram retrabalhadas pela atual formação da banda. O Red Hot Chili Peppers, outro gigante do rock por exemplo, que anunciou a volta do guitarrista John Frusciante em 2019, está prestes a lançar o seu segundo disco duplo de inéditas de 2022 em outubro (!!!). Portanto, duas músicas “inéditas” são muito pouco para uma banda que tem milhões de fãs pelo mundo e lançou seu último trabalho de inéditas em 2008, quando George Bush ainda era presidente dos Estados Unidos.
Mas, o principal ponto negativo, que talvez mais tenha chamado a atenção do público durante o show, foi a voz de Axl Rose. O vocalista de 60 anos aproveitou toda a extensão do palco, tentou fazer as típicas dancinhas dos anos 1980, trocou de jaqueta e chapéu diversas vezes e realmente pareceu estar se divertindo, dando 100% de si. Entretanto, sua performance vocal ficou a desejar mais uma vez. Ele tentava atingir as notas mais altas, não conseguia e o resultando por diversas vezes beirava o constrangedor, infelizmente. Desde que Axl voltou com a sua versão do Guns N’ Roses em 2001, a voz se tornou um grande problema e foi apelidada desde então, de forma pejorativa por alguns fãs, de “voz do Mickey” (em referência ao personagem Mickey Mouse da Disney).
Já o seu parceiro de banda, Slash, foi um dos poucos destaques do show de sábado. Com sua tradicional cartola e a sua icônica guitarra Les Paul, o músico desfilou riffs e solos históricos, improvisou em músicas como “Rocket Queen” e “Double Talkin’ Jive” e ainda teve tempo de plantar uma bananeira antes de se despedir do público. Duff, por sua vez, segurou as pontas no baixo e nos vocais de apoio, e o restante do grupo, formado por Dizzy Reed no piano, Richard Fortus na guitarra, Frank Ferrer na bateria e Melissa Reese no piano/sintetizadores, não comprometeram.
Apesar de um show sem novidades e apostando nos hits de sempre, a apresentação do Guns N’ Roses em São Paulo, assim como nas outras cidades em que a banda passou pelo Brasil, continua a atrair o interesse de um público fanático e que possui algum tipo de memória afetiva com a banda que um dia já foi a mais perigosa do mundo.
– Daniel Abreu é jornalista responsável pelo Geleia Mecânica e colaborador do Scream & Yell e do Whiplash. Fotos do Facebook oficial do Guns. A foto que abre é do show em Recife (a banda não credenciou fotógrafos externos).
Leia também:
Paris, 2012: Axl é meio vergonha alheia, mas ele (acha que) pode. Melhor deixar.
São Paulo, 2014: Guns continua tendo o talento de transformar energia negativa em música.
Dois pontos:
1. Guns é uma ex-banda em atividade. Óbvio que o público vai querer hits clássicos. É o que eu esperaria de uma ex-banda em atividade. Ninguém vai a um show deles em busca de novidades, a não ser aqueles chatos que ficam do teu lado gritando por uma obscura lado b de algum disco.
2. Axl há anos é um arremedo do que foi. Há anos é constrangedor ver esse cidadão tentando alcançar as mesmas notas de quando estava no auge. E vai ser assim até o final. Compra o bilhete premiado quem quer.
Os dois pontos reforçam um ponto subjacente da crítica que é como a música pop, mais do que em outros tempos, se transformou em uma celebração de nostalgia. Aceita-se qualquer coisa – de uma banda que está reunida claramente por motivos financeiros com uma execução em parte constrangedora – por arremedos de um passado que nunca mais vai voltar.