entrevista por Bruno Lisboa
Natural de Sabará, Minas Gerais, Nath Rodrigues vem desenvolvendo desde a infância uma relação intrínseca com a música e hoje colhe os louros de anos de trabalho. Dona de uma voz potente e marcante, Nath tem também como marca do seu trabalho uma aposta sonora multifacetada onde tradição e modernidade andam juntas.
Seu primeiro álbum, “Fractal”, foi lançado em 2019 e colheu elogios de público e crítica, fazendo com que a cantautora (e premiada multi-instrumentista) circulasse por diversos palcos pelo Brasil e vencesse premiações como a do Festival da Canção Todos os Sons, em Itabirito, com a canção “Janaína” no mesmo ano – em 2021 ela venceu o Festival da Canção da Aliança Francesa com a música “Jean Qui Rit, Jean Qui Pleure”.
Agora ela volta à cena com “Fio” (2022), disco que trafega entre a MPB e a world music passando pela música latina acrescido de recursos eletrônicos. Para acompanhar o álbum, Nath produziu uma série de visualizers e um videoclipe para a faixa “Conto”, parceria com Luedji Luna. Todo o material está disponível em seu canal no YouTube.
Em entrevista concedida por e-mail, Nath Rodrigues fala sobre seu início no universo da música, o cotidiano como inspiração, a parceria com Pedro Cambraia (o CIDO) e a aproximação de Luedji Luna, as regras do mercado da música, a participação especial em tributos a Marku Ribas e Elza Soares, o retorno aos palcos e muito mais. Leia abaixo!
Primeiramente gostaria de elogiar seu novo álbum. “Fio”, para mim, soa musicalmente como uma ode entre a tradição e a modernidade, através da junção de recursos eletrônicos com ritmos populares. Então, antes de falar sobre questões pontuais do disco, queria que você abordasse como se deu a sua formação musical e como ela reflete em suas composições.
Minha formação musical começou quando eu ainda era criança, em Sabará, região metropolitana de BH. Além de consumir muita música em casa, estudei canto em alguns coros infantis. Depois disso fui aluna da Sociedade Musical Santa Cecília, onde aprendi clarineta e violino. Toquei na banda marcial e na orquestra da instituição até a adolescência. A partir daí, já em Belo Horizonte, toquei em orquestras maiores, de formação sinfônica, me formei em educação musical pela UEMG e várias veias de trabalho se ramificaram, todas através da música.
Um ponto interessante de “Fio” é como as letras soam como amálgama de nossos tempos, trazendo reflexões pontuais sobre o amor e a feminilidade, através de olhar agridoce para com o cotidiano. Nesse sentido, quais foram as inspirações que a guiaram para a construção desse universo presente no disco?
As inspirações foram minhas próprias observações da vida, desde o âmbito pessoal até esferas mais coletivas. O disco nasceu em meio ao ápice da pandemia, mas as canções já existiam, cada uma em seu tempo. Sinto que as músicas são espécies de confissões, contos sobre a intimidade, sobre os devaneios, posicionamentos políticos e também o desejo e a necessidade de fazer poesia e falar de beleza.
Pedro Cambraia (o CIDO) tem cada vez mais se consolidado como um grande produtor / músico, presente em muitas produções de destaque da música contemporânea. Como se deu a aproximação de vocês e quais as contribuições ele trouxe para o resultado final de “Fio”?
Eu adoro o Cido! Ele é uma das pessoas mais generosas com a escuta que já conheci, sem falar do conhecimento técnico, da ousadia na produção e das mais variadas referências musicais. A gente se conheceu quando fiz um trabalho num estúdio de uns amigos onde ele trabalhava. Algum tempo depois fizemos algumas experiências musicais e deu match total! Sempre que tocamos era delicioso e foi desse desejo de criar juntos que nasceu o Fio. Com exceção de “intro” e “outro”, que são as faixas de abertura e encerramento do disco, ambas propostas pelo Cido, todas as canções já existiam em um formato voz e violão. O Cido, através dessa escuta generosa que mencionei e das várias referências que trocamos juntes, vestiu as canções com os beats que conceituam o disco. Tivemos também a colaboração da Dj Pat Manoese, na faixa “d’Ajuda”, com a referência do piano da Alice Coltrane. Nós duas já fazíamos uma versão com o sample, que serviu de base para a música virar o que ela é hoje no disco. “Fio” é o resultado de todos esses encontros e referências, todo mundo livre para imprimir sua digital.
Outra contribuição de destaque é a presença luminosa da Luedji Luna. Quais foram as afinidades que uniram vocês e como nasceu a faixa “Conto”?
Tive alguns encontros com a Luedji muito importantes pra minha vida. Eu já acompanhava o trabalho dela pela internet, mas nos conhecemos de fato no (centro cultural e quilombo urbano) Aparelha Luzia (SP), por volta de 2017. Depois disso, fizemos alguns trabalhos em Brasília e Salvador, na Mostra Latinidades e no festival Les Pretas. Ela é alguém que me inspira pelo trabalho, pela mulher que é, por ser uma musicista preta que canta a profundidade e a diversidade que é a negritude brasileira e ao mesmo tempo é “só” uma artista querendo colocar pra fora o que tem dentro. “Conto” é sobre tudo isso, sobre cantar o desejo, recontar a história através de nossas próprias vozes e pensamentos, criar versos de canção.
Além do português, o espanhol (“El Pescador”) e o francês (“Jean Qui Rit, Jean Qui Pleure”) foram linguagens que você optou por dialogar para transmitir a sua mensagem nesse novo disco. Quais foram as motivações e intenções a levaram por esse caminho?
Como cantora tenho muito interesse em pesquisar situações que me façam cantar diferente e explorar timbres que geralmente não acesso na vida cotidiana. Há algumas ferramentas que nos provocam esse lugar e uma delas, sem dúvida, é falar/cantar outra língua. Os fonemas, a entonação, a pronúncia, a musculatura, os gestos, as feições… tudo isso faz cantar diferente e acho muito interessante. O espanhol veio de algumas passagens que fiz pela Colômbia. Me conectei muito com a língua na época em que viajei com o Pé de Amora, meu ex duo de música instrumental brasileira com o Bruno de Oliveira. O francês é uma língua que estudo há algum tempo. Houve uma época em que eu tinha planos de ir pra Burkina Faso, país francófono na África ocidental. A viagem ainda não rolou, mas “Jean Qui Rit, Jean Qui Pleure” me rendeu o 1º lugar no Festival da Canção da Aliança Francesa (2021) e parto para a França em outubro deste ano como premiação.
Para além das plataformas musicais, como o Spotify, para “Fio” você apostou na produção de visualizers para cada uma das faixas mais um videoclipe para a parceria com a Luedji. Em tempos nos quais se discute regras de mercado e necessidade de adequar a plataformas como o TikTok, qual a sua opinião sobre a produção artística de conteúdo audiovisual na atualidade?
Acho tudo um grande desafio. Estamos vivendo uma era de mudanças que significam rompimentos completos sobre a forma que consumimos as coisas, nos relacionamos com as pessoas e isso mudou completamente nossa maneira de comunicar. Música é comunicação, logo, estamos reconstruindo nossa maneira de trabalhar baseados em “faça você mesme”. Quero dizer que a maioria das coisas que já tivemos como referências sólidas não fazem sentido no mundo frenético digital sintetizado de hoje. Por outro lado, tenho achado muito massa essas possibilidades de experimentação. A vida de hoje tem mudado nossos conceitos de certo e errado, de pode e não pode. A música é uma ferramenta importante de reflexão e está super potencializada pelo filtro do audiovisual. Finalmente o primo rico e o primo pobre se encontraram, só resta a gente se organizar melhor e também viabilizar o nosso trabalho pra viver com dignidade.
Você recentemente participou e / ou foi convidada para participar de tributos a ícones da música como Marku Ribas e Elza Soares. Para você qual a importância de participar de eventos como esse?
Fico super honrada com esses convites e vejo que o meu trabalho tem reverberado em outras pessoas. Marku, Elza e tantos outros gigantes da música brasileira são referências pra mim, pela diversidade de cantar, se posicionar, criar e também porque foram artistas pretos em movimento num momento em que assumir este lugar requeria grande coragem. Desejo ser um fio condutor deste legado também.
Com o aquecimento do mercado dos shows e um disco novo debaixo do braço quais são seus planos futuros?
Desejo circular com o “Fio” presencialmente, tanto no Brasil quanto fora. Tô morrendo de saudade das rotinas de shows e não há mundo digital que substitua experiências presenciais.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é do Studio Tertulia.