Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota
MITA significa “music is the answer” e é um novo festival que nasceu com pretensões grandes combinando importantes nomes internacionais com artistas brasileiros de peso. Sua primeira edição aconteceu esse final de semana em São Paulo e rola semana que vem no Jockey Clube do Rio de Janeiro. Com preços de ingressos elevados e competindo com o Festival Nômade, que aconteceu no sábado (tendo Caetano Velooso como headliner), no Memorial da América Latina, o MITA Festival reuniu um público elitizado no primeiro dia (sábado) e um público um pouco mais diverso em seu segundo dia (domingo).
Com um line-up que ia da MPB ao rap passando por pop, eletrônico e indie, o MITA “inaugurou” no Spark Arena, na Vila Leopoldina, bairro na zona oeste de São Paulo, um novo espaço para eventos de grande porte. O ambiente já havia recebido anteriormente edições da São Paulo Fashion Week, e agora entra na rota oficial de eventos musicais, o que faz todo sentido já que o local foi organizado de forma interessante para o uso de dois palcos e espaços de convivência. De todo modo, a chegada via transporte público ainda é dificultada pelo funcionamento restrito da CPTM e pelo pouco movimento da região, que é pouco residencial.
No primeiro dia, o festival recebeu um bom público, mas foi no segundo dia, com público maior, que foi possível verificar que a estrutura armada pela produção do evento deu conta de toda a movimentação do grande público, com uma boa estrutura de banheiros, bares e caixas – ainda que os valores de alimentos e bebidas estivesse alto. Outro ponto positivo a ser destacado: o festival contava com bebedouros de água localizados próximos aos banheiros, uma funcionalidade que deveria ser prática de todos os eventos de grande porte.
Também é preciso elogiar a qualidade de som, excelente, de um festival que apresentou dois dias de bons shows diversos, indo de interessantes nomes da nova MPB, passando por artistas importantes do rap nacional e interessantes artistas internacionais do universo alternativo. Para uma primeira edição, o festival começou muito bem – ainda que, reiterando, a experiência completa exija um exagerado investimento financeiro para fãs dos artistas presentes. No balanço Scream & Yell dos dois dias de evento, comentamos abaixo cinco shows de destaque de cada dia:
SABADO – 14/05/2022
Xênia França
Sob sol forte, Xênia apresentou faixas de seu disco de estreia solo, “Xênia” (2017), e de seu novo trabalho, “Em Nome da Estrela”, a ser lançado dia 3 de junho. A cantora baiana tem um charme especial, com voz potente e excelente banda, que puxou o público que chegou cedo ao festival. A baiana de Candeias costura suas canções de complexidade poética com falas divertidas e politizadas, em um equilíbrio interessante. Um belo momento do show foi vê-la cantando “Magia”, de Djavan, com o rosto de Letieres Leite projetado no telão – o músico faleceu em 2021 em decorrência de complicações causadas pela Covid 19.
Luedji Luna
Luedji focou seu show principalmente em seu mais recente disco, “Bom Mesmo é Estar Debaixo D’Água”, lançado em 2020 (e segundo disco mais votado nos melhores do ano Scream & Yell), no momento de distanciamento social. Cantora baiana de Salvador, Luedji apresenta um show que mescla seu lado pop com sua verve jazzística, o que funciona de forma deliciosa no palco, especialmente por sua persona extremamente talentosa. Ela traz consigo uma banda excelente, porém Luedji é a estrela que comanda o palco com sua energia sedutora. Ela convida o público a cantar, dançar e se deixar levar pelos ritmos, em uma excelente formatação para um grande palco de festival.
Marina Sena
Marina ainda parece estar aprendendo a lidar com públicos grandes, porém seu carisma e sua persona divertida se sobrepõem a quaisquer deslizes que possam aparecer no show. Mesmo com um público que não engajou muito além dos hits populares, a mineira de Taiobeiras fez um show divertido, sedutor e envolvente, que se destaca por sua força pop. O hit “Por Supuesto” ainda é o que mais movimenta o público, porém Marina defende suas outras canções com malícia e conquista mesmo aqueles que foram ao show puxados pelo hit do TikTok.
Gilberto Gil
Nos últimos anos, Gil parecia frágil no palco, tanto que passou momentos delicados de saúde (o que norteou algumas canções de seu álbum mais recente de inéditas, “Ok Ok Ok”, de 2018), porém o que se viu no MITA foi um Gil enérgico, cheio de saúde, com o baiano que completa 80 anos no dia 26 de junho se divertindo no palco ao lado de sua banda de aura familiar: Bem Gil tocava guitarra e Flor acompanhou o vocal de algumas canções, inclusive cantando em inglês e se emocionando com a resposta do público – além de dançar ao lado de sua mãe, Bela Gil, em momento descontraído mais ao final do show. Com uma leva grande de hits, a segunda metade da apresentação levantou a plateia, que cantou em coro as canções finais, como “Aquele abraço” e “Toda Menina Baiana”.
Rüfüs du Sol
Uma ampla parcela do público que foi ao primeiro dia do MITA esperava ansiosa por Rüfus do Sol, banda de Sydney, na Austrália, que havia se apresentado por aqui no Lollapalooza de 2019. A expectativa era justificada: os australianos fazem um espetáculo eletrônico a partir de uma formação de banda, umesquema que surpreende, pois poderia ser essencialmente construído de bases eletrônicas, mas não, a banda apresenta tudo ao vivo e conquista essencialmente pela sua energia ao vivo e por seu volume altíssimo. O setlist mesclou especialmente faixas dos discos “Surrender” (2021) e “Bloom” (2016), encerrando o primeiro dia com a energia lá em cima – tanto que muitas pessoas ficaram para um after com um segundo show da banda.
DOMINGO – 15/05/2022
Letrux
No comecinho de uma tarde ensolarada (ainda que com um leve vento frio) de domingo, Letrux conquistou um bom público para sua apresentação. Mesclando canções de seu festejado disco de estreia, “Letrux em Noite de Climão” (2017), e seu segundo disco, “Letrux aos Prantos” (2020), a artista carioca mais uma vez provou a sua verve pop, que funciona de forma deliciosa em grandes palcos de festivais. A cantora do Rio de Janeiro abriu um leque de arco-íris com os dizeres “Lula 2022”, desceu para o meio do público e até fez mágica tirando uma fita imensa da boca, puxando um público que cantava em coro suas canções e que aplaudia a cada novo movimento da artista.
Heavy Baile
O coletivo carioca Heavy Baile é um grupo que cresce de forma surreal ao vivo, algo completamente diferente de suas canções em disco. O interessante do Heavy Baile é vê-los no palco, com performances, coreografias e toda a energia que não deixa ninguém parado. Com um público amplo, mesmo em um horário no começo da tarde, a banda conseguiu elevar a energia do MITA a níveis inesperados, com faixas poderosas como “Maconha e Pente”, “Grelinho de Diamante” e “Cavalgada”. Tchelinho, o vocalista principal, é uma força interessantíssima e consegue conquistar o público como poucos.
Liniker
Liniker levou ao palco do MITA o show de seu primeiro disco solo, “Indigo Borboleta Anil” (2021), lançado após a dissolução de sua banda Liniker e os Caramelows. Com seu repertório solo, a cantora nascido no interior de São Paulo parece mais solta no palco, se divertindo mais, sem tantos protocolos como era de praxe em seus shows antigos. Mesmo quando ela entoou canções de sua antiga banda, o tom era outro. Entre a MPB e o jazz, Liniker se mostra cada vez mais uma diva pop em ação, conquistando e seduzindo o seu grande leque de fãs, que cantou em coro as canções de seu mais recente disco.
Two Door Cinema Club
Alguns dias antes do festival, os norte-irlandeses do Two Door Cinema Club soltaram um comunicado dizendo que Alex Trimble, vocalista da banda, não viria ao Brasil por questões de saúde, sendo substituído por David Clements, um amigo dos músicos. O que se tornou uma questão na internet – um show sem o vocalista seria uma espécie de show cover? – não incomodou o público do festival, que cantou e dançou ao som da banda, sem ligar muito para a substituição. A voz de Clements soa bem parecida com a de Trimble e, independente da substituição, o Two Door Cinema Club acaba soando, em 2022, algo meio antigo, meio desconectado do nosso tempo; é divertido, mas nada especial.
Gorillaz
O público do segundo dia de MITA esperava essencialmente pela banda criada por Damon Albarn e pelo cartunista Jamie Hewlett. Desde cedo, muitos fãs já guardavam seu lugar na grade do show, esperando o músico inglês e é curioso como o Gorillaz tem um séquito de fãs jovens, em torno dos 20 anos (praticamente a idade do disco de estreia do projeto, o multi milionário “Gorillaz”, de 2001), e eram eles que circulavam aos montes pelo festival no domingo. Com uma energia potente e um som altíssimo, o Gorillaz encerrou o festival de forma intensa. Albarn estava se divertindo muito em cena enquanto passeava por diferentes fases da carreira do Gorillaz, tudo isso acompanhado por projeções que apresentavam os integrantes em animação do grupo – inclusive, o público celebrou o primeiro momento em que os personagens apareceram no telão, na segunda música, “Stranger Timez”, feat com Robert Smith. De forma deliciosa, o Gorillaz provou que segue sendo interessante e moderno no palco, mesclando de forma excelente rock e a música eletrônica.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/