texto de introdução por Ananda Zambi
faixa a faixa por Grisa
Foi depois do impacto de um salto em alto-mar no arquipélago de Paklinski Otoci, na Croácia, que Giovana Ribeiro Santos, a Grisa, resolveu fazer o seu primeiro EP, “Caos // Mar Aberto” (2022). A cantora, compositora, engenheira acústica, luthier eletrônica e pesquisadora sonora conseguiu neste trabalho, lançado no dia 22 de abril, evoluir como artista e alcançar sonoridades e narrativas densas e complexas, tal qual, realmente, um corpo dentro da imensidão do oceano. No último dia 30, Grisa lançou a versão visual do EP, dirigido por Gustavo de Carvalho e lançado no canal do YouTube da produtora Esconderijo, que potencializa ainda mais as reflexões que “Caos // Mar Aberto” tenta fazer.
Buscando sempre inovar – a cantora foi uma das primeiras artistas brasileiras a lançarem música em NFT -, Grisa compôs as faixas pensando em representar fases da maré, da calmaria ao caos, das águas rasas ao mar profundo, comparando esses momentos a sentimentos que experimentamos ao longo da vida. Sobre o processo de criação do EP, Grisa esclarece que o trabalho de composição, gravação e mixagem não aconteceram em uma sequência lógica: “Por vezes eu gravava algum trecho sem planejar onde ele se encaixaria. Durante a mixagem no Ableton eu ‘derretia’ esse som e compunha um novo interlúdio à partir dele”, declara a artista, que também afirma que as vozes foram gravadas em um take, adotando a filosofia do “hic et nunc” (“aqui e agora” em latim).
No faixa a faixa que você encontra logo abaixo, Grisa disseca a obra produzida por ela mesma, e mixada e masterizada por Everton Surerus, compartilhando as vivências e subjetividades que inspiraram “Caos // Mar Aberto”, uma obra que busca explorar o que há ao redor, mas também olhando de fora pra dentro. “Experimentei tudo o que vinha até mim como inspiração no decorrer dos processos de criação destas músicas”, conta Grisa, que ao falar das canções revela “um desespero e talvez até uma obsessão que eu sempre tive pelo tempo que passa” (“Caos”), “o momento em que você está tomado de forma tão intensa por uma ilusão” (“Incerteza”), “não quero águas rasas, quero a imensidão” (“Mar Aberto”) e o desejo de “compor uma ode ao oceano” (“Vitreo e Feroz”. Com você, Grisa.
01. “Caos”: É a primeira faixa do EP e também a primeira que eu compus e gravei. Essa música carrega um sentimento de dualidade, entre a calmaria e o caos, o que somos e o que nos resta. “A vida é um curto período de caos, num universo de silêncio”. Acho que imprimi nessa letra todo um desespero e talvez até uma obsessão que eu sempre tive pelo tempo que passa. E que não podemos fazer nada com relação a isso, apenas nos resta escrever nossa história enquanto este “curto período de caos” se desenrola. Principalmente no início da pandemia, eu sentia as horas passando de maneira pesada, trazendo esse meu desespero à tona por muitas e muitas vezes. Foi nesse cenário que criei a “Caos”, considerando o amor como a única força que possa ir contra este peso: “Me abraça e divide o peso do tempo comigo (…) e o tempo para”.
02. “Incerteza”: Então, o EP é repleto de sentimentos bem intensos, sendo o amor o maior deles. Porém, às vezes nos encontramos em situações nas quais pensamos ser amor, mas é ilusório. Em “Incerteza”, é como se fosse o ápice desse sentimento. O momento em que você está tomado de forma tão intensa por uma ilusão, que você começa a se perder… e a afundar, mas ao mesmo tempo que é um sentimento que te consome internamente, você sabe que a situação “real”, ou seja, externa a você, não corresponde àquilo que você deveria buscar: são apenas “águas rasas” – Enquanto você deveria buscar o que é “absoluto”, que seria o “Mar Aberto” na mitologia do EP.
03. “Mar Aberto”: Começa com um relato de algo que aconteceu comigo em agosto de 2019 e que me marcou muito mais do que eu imaginaria. Essa imagem sempre voltava à minha mente e o EP foi criado em torno dela. Na época eu estava fazendo um intercâmbio na França e em uma semana aleatória decidi partir em um mochilão rumo à Croácia. Fui até a cidade de Hvar numa ilha chamada Stari Grad. E de lá pegamos um barquinho que nós mesmos pilotávamos e partimos para explorar o arquipélago “Paklinski Otoci” (“Ilhas Infernais” em croata). Tivemos a ideia de parar o barco em alto-mar, coloquei os óculos de mergulho e pulei! Nessa hora eu tive um choque, muito medo mesmo, quis voltar na hora pro barco… quando percebi o que era aquela imensidão à minha volta. Mas respirei e pulei novamente, e consegui encarar a imagem que se apresentava para mim: era um feixe de luz, muito forte, vindo do fundo do mar! Acho que a luz que entrava pela superfície se encontrava em um ponto, e era muito profundo aquele lugar… Se eu me movimentasse, o feixe acompanhava meu olhar. E tudo em volta era de um azul tão verdadeiro, como se ele transbordasse em meus olhos e eu nunca me esqueci daquela imagem. Tive um sentimento de estar envolvida pela imensidão real, como se o mar aberto fosse o todo dentro de si mesmo… E eu pensei que o amor verdadeiro, se ele existisse, teria aquela mesma forma. E é nessa hora que voltamos para a ideia da segunda faixa do EP, com a afirmação de que “não quero águas rasas, quero a imensidão”. A música possui 4 momentos bem distintos em sua construção: no primeiro interlúdio (que segue o relato), há 4 poemas sendo recitados simultaneamente, 2 deles em francês e 2 em português, todos eles girando em torno do oceano e da imensidão.
04. “Vítreo e Feroz”: Antes de criar essa música, eu pensava que queria muito conseguir compor uma ode ao oceano. Nela eu queria conseguir transcrever em palavras as imagens que o oceano evoca na minha mente, desde o movimento das ondas, até as cores das águas que variam de maneira fascinante. E esse adjetivo pode não existir, mas “Vítreo” para mim remete a “vitrais”, essa semelhança entre as águas e o vidro ao assumir diversas cores translúcidas, cristalinas e ao mesmo tempo intensas. Seguindo essa linha, há uma comparação do mar com pedras preciosas, como o Topázio (a gema mais rica em gama de cores) ou um diamante com tons azuis acinzentados. O adjetivo “Feroz”, por sua vez, remeteria à capacidade das ondas de serem tão absolutamente vorazes, arrastando tudo de forma indomável, sendo capazes de devorar e devastar. Sobre a estrutura da música: eu tentei reproduzir o movimento das ondas com camadas de sons de guitarras, com os momentos mais intensos em que “o mar devasta” e mais tranquilos em que “o mar se acalma”, somadas a um áudio com as ondas quebrando na areia – que gravei em 2019 em São Sebastião, litoral norte de São Paulo.
Sobre o processo de criação:
O EP tem uma particularidade de que os processos de composição, gravação e mixagem não aconteceram de maneira separada, em uma sequência lógica, como muitos artistas e/ou produtores pregam. Eu experimentei tudo o que vinha até mim como inspiração no decorrer dos processos de criação destas músicas… mesmo que não fosse o “correto” segundo algumas pessoas mais (digamos) puristas. Por vezes eu gravava algum trecho sem planejar onde ele se encaixaria. Durante a mixagem no Ableton eu “derretia” esse som e compunha um novo interlúdio à partir dele. Eu também acredito muito na prática do “one-take”, como se as coisas fossem verdadeiras da maneira como elas são criadas no momento de acordo com a inspiração – a filosofia do “hic et nunc” (“aqui e agora” em latim). Em todas as músicas por exemplo, eu usei o primeiro take da voz que fiz, aquele momento em que você praticamente entra em transe quando aciona o REC e sente suas mãos queimarem, porque está imprimindo um momento real num áudio que ficará para sempre registrado daquela forma.