texto de João Paulo Barreto
Após apresentar, a partir de um necessário viés de descoberta e surpresa para o espectador, os clássicos personagens das páginas dos quadrinhos de Maurício de Sousa em suas inéditas versões de carne e osso no longa “Laços”, de 2019, o diretor Daniel Rezende volta a esse mesmo universo com sua continuação, “Turma da Mônica – Lições”. Dessa vez, porém, sem a necessidade de introduções formais de seus quatro protagonistas e as suas notórias características, Rezende, com roteiro assinado por Thiago Dottori (adaptando a graphic novel de Lu e Vitor Cafaggi), aprofunda os importantes temas relacionados com maturidade e crescimento que foram pincelados na primeira parte.
No novo longa, com um cunho menos fantasioso e lúdico (algo que a presença do Louco vivido por Rodrigo Santoro garantiu ao primeiro filme) e mais centrado em dramas reais que adaptam para situações concretas os detalhes pessoais específicos de cada membro da turminha, Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali cresceram. Tal ponto é perceptível tanto fisicamente em seus atores mirins, quanto nos desafios psicológicos que vão enfrentar. Ao separar Mônica do resto do grupo, colocando-a em outra escola e distante da segurança emocional contida nos laços diários junto aos seus três amigos, “Lições”, desde seu começo, delineia os desafios simbólicos que seus personagens enfrentarão.
Nessas mudanças que geram traumas na vida de Mônica, a pequena e solitária vivida por Giulia Benite passa pelo drama de uma nova rotina que lhe é imposta. Rezende, do modo eficiente, compara os dois ambientes escolares claramente nos fazendo perceber como a sua solidão é palpável. No seu colégio original, com todo o espaço em foco, a muita profundidade de campo de sua câmera torna todo o ambiente com seus pátios e corredores, as faces das crianças e seus sorrisos reconfortantes, um local de paz para a menina. Quando corta para a nova escola, o inverso acontece, tornando a pouca profundidade de campo trazida pela lente um modo de salientar a solidão de Mônica diante de um ambiente totalmente estranho e de rostos desconhecidos e desfocados.
Outro ponto que o roteiro de Dottori apresenta de maneira a salientar o amadurecimento de seus personagens diz respeito às famosas características de seus quatro protagonistas. Aqui, Cebolinha frequenta um fonoaudiólogo na busca por conseguir pronunciar a letra R (lá, inclusive, encontra outro famoso garoto com limitações de fala). Neste momento, inclusive, surge a justificativa definidora de que Kevin Vechiatto foi a escolha exata para o papel.
Cascão também precisa enfrentar sua fobia de água, mas de modo mais chocante: aulas de natação (o que, claro, não vai dar certo). Já Magali, na ausência de sua melhor amiga, engatilha um transtorno obsessivo compulsivo que resulta em um aumento de sua ansiedade por comida, algo que aulas de culinária ajudam a resolver. Já Mônica, a mais afetada por aquela fase, apesar de contar com nenhum símbolo palpável na resolução de seus problemas (apenas o acalento do coelhinho Sansão), encontra no diálogo com Tina e Rolo, além do contato com novos amigos, um pouco da calma necessária para voltar a sorrir, mesmo distante dos seus três companheiros de sempre.
Reconstruindo o mesmo ambiente transportado dos quadrinhos que ilustrou tão bem o longa “Laços”, com aquele mundo paralelo imaginado por Maurício de Sousa, e acertando em cheio ao manter sua história em um período pré tecnologias no qual crianças correm e brincam no recreio ao invés de ficarem vidradas em telas de smartphones, “Turma da Mônica – Lições” ainda traz outro símbolo notório das adaptações da Graphic MSP (Mauricio de Souza Produções): as reimaginações de clássicos, como os das imagens de Romeu (ou Lomeu) e Julieta pela presença de Cebolinha e Mônica.
Trata-se de um filme que dialoga tanto com a geração que cresceu lendo aqueles quadrinhos quanto os novos pequeninos, cujos pais formados por tais gibis serão os primeiros a querer que eles conheçam aqueles quatro amados personagens e todo leque de outros secundários tão queridos quantos estes. E se há o abraço tenro envolto em lágrimas daquelas crianças que começam a entrar na adolescência, esse símbolo soa exatamente como ele é: um adeus àquela fase agridoce, mas que sempre possuía seu sabor mais agradável se destacando na nostalgia, para chegar a um “olá, bem-vinda fase adulta” destinada a tudo que teremos que enfrentar de amargo dali para frente.
Por sorte, esses laços representados tão bem aqui perduram e nos ajudam quando a situação aperta. Mesmo que sejam apenas laços afetivos de lembrança, eles funcionam como pilares de sustentação. “Eu nunca fiz amigos como aqueles que fiz aos 12 anos de idade. E quem é que fez?”, escreveu Stephen King em seu clássico conto “O Corpo”, adaptado por Rob Reiner em 1986 e se tornando o clássico “Conta Comigo (Stand by Me)”. Essa frase veio à mente durante os créditos finais de “Turma da Mônica – Lições’, algo que faz aumentar a total simpatia e identificação pelo que escreveu o rei do Maine há quase 40 anos.
Texto dedicado ao querido amigo Gabriel Serravalle, que me acompanha desde os 12 anos de idade.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.