Música: “For the first time”, Black Country, New Road

texto por Luciano Ferreira

Em par com bandas com grande número de integrantes (The Young Republic, Belle and Sebastian, Polyphonic Sprees, Arcade Fire, Broken Social Scene), o septeto londrino Black Country, New Road (quatro caras e três garotas) apresenta em “For The First Time“, seu álbum de estreia, um compêndio musical que remete tanto a cena experimental nova-iorquina do final dos anos 70, especificamente a No Wave, com associação ao The Contortions, quanto ao pós-rock perpetrado por Slint e Tortoise, através de canções com estruturas abstratas e andamentos que se alternam.

Somando é possível encontrar elementos dispersos de uma das vertentes do pós-punk na torrente de guitarras típicas dos australianos do The Birthday Party (vide a abertura de “Science Fair”) e pitadas de jazz em doses generosas. Já os vocais de Isaac Wood são narrativos, assim como os de Florence Shaw, do Dry Cleaning, mas de forma intensa e não blasé. Na mesma “Science Fair” ele chega a soar como um pregador sobre uma base musical oscilando entre o incidental e o caótico, remetendo a Nick Cave em seus momentos mais “possessos” com sua ex-banda.

Formado por jovens amigos de escola na casa dos 20 anos, a música do Black Country, New Road soa singular dentro do cenário musical britânico atual, apesar de um esforço meio exagerado em enquadrá-los na mesma leva de nomes como Shame, Fontaines D.C. e outros. Art-Rock? Art-Pop? Qualquer que seja a resposta, musicalmente e contemporaneamente, é plausível colocá-los ao lado de bandas menos conhecidas como Robocobra Quartet ou em ascensão como Black Midi, grupos cuja sonoridade também está além dos usuais baixo, bateria e guitarra, mas que, principalmente, tem nas experimentações uma tônica.

A abertura de “For The First Time” com a instrumental e percussiva (e redundantemente chamada) “Instrumental” pode assustar. E parece ser uma das intenções possíveis ao longo do disco, provocar e desconcertar a cada faixa, a cada mudança de andamento e de elementos que compõem os arranjos, possibilidade facilitada pela quantidade de instrumentos da banda, que além de saxofone tem também violino. De volta a primeira faixa, sua duração é incomum para uma faixa de abertura instrumental: 05m27s. E dentro do contexto do álbum ela soa meio deslocada. Sua intensidade, balanço e ritmo desvairado deve funcionar bem ao vivo, já que cresce e conduz a um final catártico, apoteótico, daqueles que o Arcade Fire costuma construir.

Mas é “Athens, France” a faixa que apresenta objetivamente o universo musical do grupo. As variações de andamentos, o lado caótico se contrastando a passagens mais tranquilas, com o saxofone emergindo como protagonista na orquestração desorientada, as experimentações que estarão presentes ao longo do disco surgem aqui de forma plena.

De forma que a longa “Sunglasses”, uma suíte de quase 10 minutos e três partes, acaba soando como uma variação de todos esses elementos citados, enquanto o vocalista discorre sobre a força que os óculos escuros lhe confere e questões diversas: “Eu sou invencível nesses óculos de sol / Eu sou o Fonz, eu sou o Valete de Copas / Eu estou olhando para você e você não pode dizer / que sou mais do que a soma de minhas partes / Eu estou olhando para você com meus melhores olhos e eu queria que você pudesse dizer / Eu queria que todos os meus filhos parassem de se vestir como Richard Hell / Estou trancado em uma fortaleza de alta tecnologia, envolvente, translúcida e tingida de azul / E você não pode me tocar”.

Há algo mais que “salta aos olhos” na música da banda: a ausência de melodias. Isso confere uma sensação abstrata provocada pela junção de fragmentos musicais diversos que se unem e dão forma às canções, tendo na bateria e no baixo o papel de fio condutor primordial. Basta observar a estrutura minimalista de “Science Fair”, cuja riqueza está na entrada e saída de cena dos diversos elementos: guitarras torrenciais, sax dissonantes e sintetizadores distorcidos, que se unem no fim para formarem uma orquestra de sons bizarros tocados ao mesmo tempo. Na letra, referências ao Slint (“Só de pensar que poderia ter saído da feira com minha dignidade intacta, E fugiu do palco com a segunda melhor apresentação de tributo aos Slint do mundo”), finalizando de forma desesperadora: “É um país escuro lá fora”.

A minimalista “Track X” é a faixa onde mais se aproximam do convencional. Cantada de forma grave e adornada por backings femininos, é um momento de placidez de “For the First Time”. Mantém a fórmula da base repetitiva que ganha adereços musicais diversos ao longo do percurso, mas segue no mesmo clima até o final, sem criar sobressaltos ou momentos explosivos. Se assim se pode dizer, é a faixa mais encantadora do disco.

Com poucas canções, seis apenas, e tempo dentro do normal para um álbum (prensado em vinil), o grupo mostra entender que é mais fácil fisgar e manter a atenção do ouvinte com um número menor de canções, ainda que algumas tenham longa duração, seja na suíte “Sunglasses”, em que diz ser um “Scott Walker moderno”, ou em “Opus”, faixa de encerramento surgida na mesma seção que deu origem a faixa de abertura. Aqui o grupo brinca com a mudança de climas, variando entre uma grande fanfarra e elementos pra cima típicos do ska, e logo quebrando para um humor modorrento com andamento arrastado, beirando o melancólico, em seguida tenso e, mais uma vez, bizarro e também teatral.

Se musicalmente há muitas citações em termos sonoros, liricamente não é diferente. Isaac Wood adiciona às letras referências diversas do seu cotidiano, que podem ser musicais (Scott Walker, Black Midi, Bob Dylan, Slint, Richard Hell, Kanye West, Jerskin Fendrix), históricas (Abraham, Isaac) ou da cultura pop (Cirque du Soleil, Fonz). Elas ajudam a sustentar a narrativa esculpida pelos versos de tom subjetivo ou direto que estão reunidos para narrar e, ao mesmo tempo, refletir sobre as vicissitudes dos relacionamentos, afetados por conflitos interiores e aflições externas do cotidiano, mas também questões como os rumos da sociedade e o escapismo.

“For the First Time” é surpreendente como álbum de estreia e proposta sonora para os tempos atuais. Há certa irregularidade que não compromete o disco, aceitável para um primeiro trabalho. Sua grande qualidade é que é daqueles álbuns difíceis de se manter impassível.

– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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