por Herbert Moura
“Para que hoje a gente esteja nesse lugar, que foi negado aos nossos ancestrais, muitas pessoas suaram e sangraram no caminho”, Emicida afirmou, em novembro de 2019, de cima do palco do Theatro Municipal, na apresentação de lançamento do experimento social “AmarElo”. Para o cantor e compositor paulistano, aquele foi o dia mais bonito da história daquele espaço e, por isso, ele merecia ser eternizado em vídeo.
Usando esse show como fio condutor, o artista deu novos contornos à história da cultura brasileira com o lançamento do documentário “AmarElo – É Tudo pra Ontem”, que chegou na Netflix em dezembro de 2020 (eleito melhor filme da temporada em votação do Scream & Yell). Em tempos de pandemia, em que a indústria do entretenimento vem sofrendo com a paralisação, Emicida ousa, mais uma vez, ao lançar, no próximo dia 15 de julho, o registro desta apresentação histórica, que tem as participações especiais de Pabllo Vittar, Majur, MC Tha, Drik Barbosa e Jé Santiago. Ele disponibiliza o registro audiovisual do espetáculo em lançamento global na Netflix, além de liberar o álbum ao vivo do show – pela sua gravadora, Laboratório Fantasma, em parceria com a Sony Music – nos aplicativos de música.
Em “AmarElo – É Tudo pra Ontem”, Emicida, uma das referências da música brasileira contemporânea, resgata a herança do samba, prestes a postular que o rap brasileiro é seu sucessor. A gravação do show que o rapper da luta antirracista fez em novembro de 2019 no Theatro Municipal daquela cidade se mistura, no filme da Netflix, com a historiografia da negritude brasileira, a reparação histórica, a análise sociológica, a autobiografia e até um registro de making-of.
O documentário foi realizado pela Laboratório Fantasma com produção de Evandro Fióti, que além de empresário e sócio na empresa é irmão de Leandro Roque de Oliveira – o nome do Emicida. Fica claro que o rapper é um artista multiplataformas e sabe muito bem chegar no público com diferentes linguagens, seja na música, nos vídeos, na TV ou streaming. Pode escolher o que ele quiser, como quem já sabe o resultado dos jogos de hoje, “AmarElo – É Tudo pra Ontem” é uma perfeição audiovisual na qual o artista reescreve a participação da cultura preta na formação do Brasil. Não é por acaso que o documentário é considerado uma das grandes obras-primas do mercado audiovisual brasileiro.
O diretor Fred Ouro Preto, o roteirista Toni C e o pesquisador Felipe Choco atuam como grandes regentes nessa peça que usa os bastidores do histórico show no Theatro Municipal de São Paulo para resgatar a história da cultura e dos movimentos negros no Brasil nos últimos cem anos. E jogam luz numa parte da história do Brasil que foi invisibilizada e a que nem os próprios brasileiros tiveram acesso, além de fazer um grande exercício para contextualizar dez acontecimentos que são fundamentais para entender o pensamento negro no país e o sucesso desse mestre das rimas. “Eu não sinto que eu vim, eu sinto que eu voltei e que de alguma forma meus sonhos e minhas lutas chegaram muito antes da minha chegada”, conta o artista no filme.
Ao longo de 89 minutos somos apresentados a temas como o Brasil ser o último país do continente americano a abolir a escravidão, em 13 de maio de 1888; o estado de São Paulo ter a riqueza do ciclo do café com mão de obra escrava; o apagamento histórico do negro depois da abolição com o governo incentivando a imigração europeia; a população pobre e negra sendo relegada às periferias de São Paulo. A ocupação do Theatro Municipal de São Paulo é uma reparação histórica, pois foi construído com mão de obra negra, que depois eram excluídos dos espetáculos neste local.
Quem narra tudo é o próprio Emicida, que nos apresenta figuras importantíssimas na formação da cultura nacional. Personalidades de pele preta que, apesar da sua relevância internacional, seguem sendo ofuscadas por uma história que privilegia narrativas protagonizadas por pessoas brancas. Ele faz questão de ovacionar cada uma dessas figuras. “AmarElo – É tudo para Ontem” é um maravilhoso filme que apresenta tantas informações novas que deveriam ser de conhecimento popular amplo, e que dá vontade de assistir novamente logo após o filme acabar. E, a partir de julho, de ouvir o álbum ao vivo.
Confira a tracklist do registro audiovisual e do álbum “AmarElo – Ao Vivo”
1 – A ordem natural das coisas / Chiclete com Banana – Ao Vivo part. Mc Tha
2 – Quem tem um amigo (tem tudo) / A Amizade – Ao Vivo
3 – Pequenas alegrias da vida adulta – Ao Vivo
4 – Cananéia, Iguape e Ilha Comprida – Ao Vivo
5 – Baiana – Ao Vivo
6 – Madagascar – Ao Vivo
7 – Alma Gêmea – Ao Vivo
8 – 9nha / Eu gosto dela – Ao Vivo part. Drik Barbosa
9 – Paisagem – Ao Vivo
10 – Hoje Cedo – Ao Vivo
11 – AmarElo (Sample: “Sujeito de sorte” – Belchior) – Ao Vivo part. Pabllo Vittar e Majur
12 – Eminência Parda – Ao Vivo part. Jé Santiago
13 – Pantera Negra – Ao Vivo
14 – Boa Esperança – Ao Vivo
15 – Ismália – Ao Vivo
16 – Levanta e Anda – Ao Vivo
17 – Principia – Ao Vivo
18 – Gueto – Ao Vivo
19 – A chapa é quente – Ao Vivo
20 – Libre – Ao Vivo