entrevista por Leonardo Vinhas
La Pequeña Revancha é um duo venezuelano que consegue combinar doses bem distribuídas de pós punk, folk, pop feminino dos anos 1960 e trilha sonora de spaghetti western em uma música única, tão climática quanto pop, tão épica quanto melancolia.
Como nasce essa combinação? Essa foi uma das questões que o Scream & Yell foi explorar na entrevista com Claudia Lizardo e Juan Olmedillo, hoje residentes no México, mas esse era apenas o ponto de partida. Havia outras questões ainda mais instigantes e prementes. Entre elas: se a condição de expatriado já é suficientemente difícil, quão mais séria ela se torna em meio a uma pandemia global? E o que isso traz à música?
A última pergunta pode ser respondida com uma canção: “1, 2, 3”, lançamento mais recente do duo (saiu no começo de abril de 2021) resume, em pouco mais de quatro minutos, a complexidade emocional da situação. Letra, harmonia e arranjos criam uma paisagem sonora sensível, cuja dor é entendida mesmo por quem não fala espanhol. É, desde já, uma das grandes canções do ano.
Porém, quem fuçar nos lançamentos anteriores – os EPs/álbuns “Falsos Hermanos” (2013) e “Pasos Sincopados” (2016), mais o single “El Aliento del Cobarde” (2020) – vai encontrar mais composições dignas, sempre nessa senda concisa entre o sombrio e o belo. Uma definição que cabe, também, para a versão de “Baby”, d’Os Mutantes, que a banda gravou para o disco “Brasil También Es Latino”, do Scream & Yell.
Então, vá ao Bandcamp da banda (“gostamos da ideia de algo que possa quebrar a hegemonia do Spotify”, diz Claudia), dê o play e acompanhe essa entrevista.
Essa é a primeira produção de vocês já como expatriados. Como vocês estão lidando com essa situação, de ter deixado o país não por gosto, mas por necessidade?
Juan: Está bem osso, para mim e para a Claudia. (ri) Quer dizer, posso falar por mim…
Claudia: Não, fale, fale! (aflita) Para nós dois, isso é muito importante!
Juan: Bem, acho que La Pequeña Revancha exprimiu isso através da letra de Claudia [de “1, 2, 3”]. Foi um pouco para lidar com as emoções. É um bom reflexo do que nos acontece. Eu já estou aqui no México há dois anos e claro que já consegui conectar um milhão de coisas, mas nós, como venezuelanos, como coletivo, sabíamos pouco sobre migração. A experiência como grupo é diferente. De fato, não sabíamos que éramos tão nostálgicos quanto os portenhos, ou como os mexicanos, muito menos como os portugueses (ri). Apareceu em nós um aspecto muito nostálgico, a ponto de estarmos roubando constantemente de vocês [brasileiros] um termo que nunca havíamos usado: saudade (risos). Essa transição de estar aqui e não estar mais lá é muito dolorosa, e o país não colabora em nada [para amenizar essa distância] porque as coisas parecem não melhorar por lá. O retorno se torna cada vez mais distante. E então vamos vivendo a coisa dia após dia, não temos um critério claro a respeito de nada. Vivemos com incerteza, nostalgia, preocupação. Por exemplo: agora, com o coronavírus, não é fácil escutar as notícias. Tenho parte da minha família lá, Claudia ainda tem um irmão por lá também, e não sentimos que eles estão protegidos.
Claudia: É bem isso, você falou super bem, Juan. E isso que você falou, Leonardo, de que não fomos embora por gosto, é uma peça chave. Porque eu tive a oportunidade de sair do país por gosto quando eu era mais jovem, fui estudar e voltei. Agora é algo totalmente imposto pela necessidade. O que acontece é que agora tentamos nos entender como indivíduos e como venezuelanos fora da Venezuela. É um movimento que ninguém sabe como começa, essa natureza migratória, e como há tanto medo e há tantos fatores na mesa sobre porque alguém decidiu ficar e outro decidiu sair, é uma discussão muito tensa.
Juan: (enfático) Sim!
Claudia: É uma discussão na qual as pessoas colocam sua experiência pessoal antes de tudo. Então é um assunto difícil. E isso que somos parte do pequeno grupo de privilegiados. Eu me considero, sim, uma imigrante privilegiada, porque eu não tive que colocar uma sacola nos ombros e atravessar a pé a fronteira com o Brasil ou com a Colômbia, tenho um bom trabalho. Esses são pormenores que alimentam a discussão e a tornam mais complexa.
Quando morei na Tríplice Fronteira, trabalhei com um cubano que morava no Paraguai. Ele dizia: “em Cuba, eu não vivia bem, mas era feliz. No Paraguai, eu vivo bem, mas não sou feliz”. Vocês diriam que o mesmo se aplica a vocês?
Juan: Absolutamente! (risos)
Claudia: Sim, totalmente! Mas digo que aqui há questões que são impressionantes. Assuntos como os povos originários, feminismo, desaparecidos, são todos tratados com uma proximidade que a Venezuela não chega nem perto. Lá eu era muito umbiguista. Isso me fascina aqui, mas isso é parte da condição de ter migrado: eu sei que sempre vou estar um pouquinho triste. Sempre. (Juan ri). E tudo bem, porque isso não me impede de me inserir [na sociedade mexicana].
Juan: E claro, temos a pandemia. Ela condiciona muitas coisas, inclusive a cena musical. Isso afeta a mim e à Claudia, e a mim talvez mais, porque tenho vários projetos musicais e minha natureza é de tocar ao vivo, estar com músicos, e isso está em standby. Me dá coceira de sair em turnê pelo México, musicalmente. É desesperador estar em uma cidade que é culturalmente incrível e só poder aproveitá-la do meu apartamento. É frustrante (ri).
Sim. Quando te entrevistei sobre seu projeto solo, você já estava armando shows com músicos mexicanos e estava muito animado. Aí vem a pandemia e corta tudo.
Juan: E não só com meu trabalho solista. La Pequeña Revancha estava bem ativa. Claro que há um rigor ao chegar em um país novo, não é como se você já conseguisse fazer vários shows logo de cara, mas estávamos nos movendo e temos planos de aproveitar o México musicalmente tão logo quanto possível.
Claudia: O México foi o país com mais casos de coronavírus depois do Brasil. Não dá pra falar da Venezuela porque nem há números de lá, mas aqui começou a jornada de vacinação e está indo tudo muito bem, muito organizado. Agora, eu venho de um país com muita desinformação, mas aqui eu me sinto tão ou mais desinformada, confesso. Há muita opacidade em relação à informação. Seja como for, aqui eu estou com meu companheiro, meu pai e minha mãe, e meus pais já estão vacinados. Isso seria impensável na Venezuela.
Juan: Aqui, tudo indica que em maio vacinarão as pessoas entre 40 e 50 [anos]. Aí eu estarei na fila, hehe.
Bem, estou na mesma faixa de idade, mas se eu for vacinado em setembro, acho que estarei no lucro, a considerar o andamento das coisas aqui (risos). Mas falemos de música: La Pequeña Revancha já tem uma tendência à melancolia. E não apenas diretamente na letra, mas também nos climas e arranjos. Essa situação toda vai aprofundar essa melancolia, ou, ao contrário, vocês acham que cabem um espaço para reagir contra ela?
Claudia: Pensando principalmente nos próximos planos… (se interrompe) Em 2020, lançamos só um single, “El Aliento del Cobarde”. E agora lançamos “1, 2, 3”. Parece que estamos lançando um single por ano (risos), acho que a situação nos está forçando a agir dessa maneira. Há uma porção de canções que estão rondando, e por um lado eu adoraria dizer que vamos mudar. Mas por outro lado, fico muito feliz em dizer que a essência [de La Pequeña Revancha] está ali, em termos de melancolia, dessa “tristeza alegre”. Até porque não sinto muito espaço para mudar isso. Óbvio, temos espaço para fazer o que quisermos, mas pelo menos em relação às letras e ao que estamos vivendo, vai por aí. Sempre vai ser muito autorreflexivo. Juan sempre me diz que me custa muito compor de um jeito diferente. E custa mesmo! (Juan ri). Talvez seja por inexperiência, talvez por estado de ânimo, mas eu me movimento muito entre lás menores e rés menores. Não posso prometer grandes mudanças. (ri)
Juan: Eu estou tentando escrever uma canção um pouquinho mais uptempo (risos).
Juan, em seus projetos você explora caminhos muito diferentes em relação ao som da La Pequeña Revancha. Claro, é natural que você explore outros sons, mas é uma diferença tão grande entre seus outros trabalhos e este que me leva a pensar que LPR tem um certo protagonismo compositivo de Claudia, não?
Juan: Definitivamente é Claudia quem tem a batuta da canção em sua origem. E depois, entre ambos experimentamos as definições estéticas. Cantar e fazer canções é a forma de Claudia fazer poesias, então eu me sentiria muito intrusivo se quisesse colocar um caco ali. Você pode propor certas coisas a um escritor em termos de redação, mas em conteúdo é impossível. Meu papel em La Pequeña Revancha é procurar trazer arranjos, e às vezes estruturas melódicas e harmônicas, sempre próximas do que Claudia me traz. A ideia melódica e a letra chegam já indestrutíveis. É sempre assim.
Claudia: É uma mistura rara. Eu chego com a madeira recém-tirada, quase o tronco. Vem praticamente de uma catarse. Aí o Juan trabalha essa madeira toda. Mas é importante notar que nossas duas músicas mais tocadas são “Yo Era El Sol” – que é minha, e tem uma estrofe que o Juan ajudou a escrever – e “A Mi Pesar”, que é totalmente do Juan. Até nisso vemos que a banda é realmente a união de nós dois em partes iguais, 50/50, ele tentando puxar para cima e eu para baixo.
Juan: Com meu mindset atual, La Pequeña Revancha é a coisa mais punk rock entre todas as que faço. Principalmente em relação ao que diz, à falta de expectativa de outras pessoas, à proposta em si. As coisas saem do jeito que queremos [com LPR]. Então para mim é claro que sempre faço punk rock (risos), só que em diferentes canais.
E como essa dinâmica funcionou na hora de escolher “Baby” como a canção para figurar na compilação “Brasil También Es Latino”, do selo Scream & Yell? Não sei se vocês sabem, mas essa é a canção com mais plays do disco em todas as plataformas.
Juan (rindo): Que bom!
Claudia: Não pode ser… Que incrível!
Pois é. Então digam: como os Mutantes chegaram até vocês, e por que escolheram essa canção em particular?
Juan: Bem, eu particularmente não me lembro. Eu tenho pouca referência da música de Brasil. A Claudia, sim, escuta bastante. Ela gosta muito de Caetano e da MPB em geral. Eu conheço mais as bandas de rock, e isso foi depois de eu ter ido tocar no El Mapa de Todos (nota: com os Los Mentas, em 2011 e 2014). Me lembro que, quando escutamos “Baby”, nos demos conta que podíamos fazer a versão porque havia nela algo melancólico (risos). Mas por que, exatamente? (hesita) Acho que foi pelo Caetano.
Claudia: Acho que um pouco foi pelo Caetano, mas foi mais pelos Mutantes mesmo. Havia algo na canção que me chamava atenção desde antes [de gravá-la], que é uma coisa quase de polifonia. Foi pela versão dos Mutantes que a escolhemos, com certeza. E eu tinha impressão de que estávamos reinterpretando um clássico de uma maneira muito boba… E ela tem uma coisa assim que vai crescendo…
Juan: … tipo um shoegaze (ri).
Claudia: SUPER shoegaze. Meio que não se entende nada, mas se entende tudo (ri). Talvez por isso não tenham percebido que pronunciamos super mal o português (risos).
Juan: Português terrível! (risos)
Claudia: Sofremos! (risos) E que você venha e fale agora que ela é a mais ouvida… (suspira)
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.