Tradução de Mariangela Carvalho
Entre o lado suntuoso dos teclados espaciais e a opção guitarreira (que retorna à banda, ausente desde o ótimo “Clouds Taste Mettalic” de 1995), “At War With The Mystics” torna-se um álbum totalmente relacionado com o tempo claustrofóbico em que vivemos. Wayne Coyne dá um basta nas historinhas japonesas e tenta provar que até um maluco drogado viajandão percebe o quão George W. Bush é prejudicial para a humanidade. Isso é sério. (leia a resenha completa aqui). Abaixo o faixa a faixa assinado por Wayne Coyne.
The Yeah Yeah Yeah Song
“O Steven (Drozd) estava gravando numa cabine separada com o computador e eu passei e ouvi uns vocais malucos combinados nos yeah yeah yeah e fiquei pasmo. É uma dessas músicas que apontam o dedo na cara da hipocrisia daqueles no poder, mas também apontam o dedo para nós mesmos – o que VOCÊ faria? Poder na mão de inexperientes (que é o que devemos ser) pode ser perigoso…”
Free Radicals
“Eu tive um sonho no qual o Devendra Banhart (cantor/compositor esquisitão) implorava para que um homem-bomba (prestes a explodir algo ou alguém) mudasse de ideia. E assim que ele muda o ponto de vista deste fanático desmiolado/insensato, ele (Devendra) imediatamente se compadece com a frustração (principalmente focada em George W. Bush) que poderia fazer alguém querer uma vingança tão exagerada… (Lembre-se que isso é apenas um sonho – esses homens-bombas são claramente fanáticos religiosos que sofreram lavagem cerebral e que ficam malucos por seus compromissos… Eles estão além de qualquer alegação racional e não valem nem um pouco de condescendência).”
The Sound of Failure
“Temos uns amigos cujo pai estava morrendo de câncer – digo que “estava” porque isso (o câncer e a morte) causou agonia por mais de um ano – e eles (nossos amigos), compreensivelmente, foram se cansando de serem forçados a continuar confiantes. E me lembro de uma vez ter ouvido um comentário sobre como era chato, para eles, terem que ouvir este grande entusiasmo falso (normalmente salientado pelas bandas pops super hype, tipo Black Eyed Peas, Destiny’s Child, Ashlee Simpson, Hillary Duff, etc.) tocando muito alto em versões “muzak” (sucessos em versões instrumentais como se fossem canções de elevador) em qualquer lugar que eles queiram. Para eles, este tipo de ataque cheerleader só funcionava caso você não tivesse nenhum stress psíquico. E surpreendentemente, eles descobriram que aquilo poderia ajudá-los na tentativa de compreender os medos e tristeza – em oposição a fingir que “está tudo bem”. E você vê, isso é verdade… finalmente sabemos que não há problema em se ter uma cabeça problemática e que tudo bem se falharmos… Então esta música (que foi escrita no carro no caminho de Oklahoma até Nova York, enquanto eu dirigia e Steven tocava um teclado de pilha junto com o computador) é sobre uma garota que perde sua melhor amiga, e pra qualquer lugar que ela vá (assim como os amigos que mencionei) precisa aguentar o otimismo vazio daqueles que não têm experiência. Ela quer saber, desde quando perdeu sua amiga, o que é o desespero, o que é a esperança e o fracasso… E o que é aquilo que está escondido???
Na música, a frase “So go tell Britney and go tell Gwen” é, obviamente, uma referência aos meus amigos e àquele incidente das versões muzak… quer dizer, “Yeah, go tell Britney Spears and Gwen Stefani that their energy and their Prom Queen smiles only go to prove that they don’t emphatize with my sadness” (“Então vá dizer à Britney Spears e à Gwen Stefani que seus sorrisos de Rainha do Baile não compreendem minha tristeza”). Acredito que, nesta música, Britney e Gwen podem ser consideradas as amigas mais imaturas daquela menina aflita. Mas ela não quer ser contra as duas, apenas não quer fingir que entende o que na verdade ela não entende – o que é a morte, o desespero… o que é o medo existencial. Ela não sabe, mas está começando a descobrir.”
It’s Dark… Is It Always This Dark?
“Um tipo estranho de continuação da música anterior. A voz e a trilha “blippy” (algo com muitos barulhinhos ao mesmo tempo) é, na verdade, a minha voz num efeito de computador chamado Squirrel Parade. Muito legal… De qualquer forma, parece que estou dizendo “It’s Dark”, mas eu não digo “It’s Dark”. Não me lembro exatamente o que era – sou somente eu falando antes da música, mas passa a impressão de que uma menininha está descobrindo um caminho através do mistério… não?”
My Cosmic Autumn Rebellion
“Nós ficamos utilizando os elementos melódicos desta música (que não era uma música até então), como introdução para nossos shows ao vivo, enquanto eu rolava em cima do público na, agora famosa, “Space Bubble”. A força da estrutura e dos arranjos no refrão me inspiraram e eu despedacei este manifesto de provocação e otimismo. Esta é a minha resposta aos sabe-tudo solucionadores-de-problemas, que enxergam a vida levando apenas à morte, e vêem a natureza como uma piadista cruel feita para derrotar o espírito humano. E a verdade (que apóio como se estivesse no topo de uma montanha sagrada disparando raios lazer de minhas mãos – graças à orquestração épica de Steven) é que nenhuma circunstância pode nos derrotar ao menos que deixemos… Persistência, na cara do fracasso, é uma manifestação da mente…”
Vein of Stars
“Peguei um violão que o Steven tinha deixado com um acorde estranho (F 6/9) e, sem pensar, dedilhei algumas vezes e logo cantei (inesperadamente) a primeira frase no gravador, “Who knows, maybe there isn’t a vein of stars calling out my name”. Minha intenção era cantar algo cósmico, sobre como os seres humanos (assim como a ciência revela mais e mais sobre a natureza do tempo e espaço) foram abandonados pelas estrelas… Mas eu acredito que, assim que finalizarmos (a música e a produção), vai parecer exatamente o contrário… Que, apesar da ciência, nós estamos ligados às estrelas… Porque adoramos olhar para elas e esperamos que elas adorem olhar para nós.”
The Wizard Turns On
“Um tipo de “space jam” onde na primeira execução o Michael (Ivins) tocava um CD com a gravação da bateria, o Steve tocava um teclado Rhodes e eu tocava um baixo elétrico. (David) Fridmann (produtor do Flaming Lips – e também do Mercury Rev) tocou a coisa toda numa série de ecos espaciais, flangers, filtros e distorções… A mistura inteira foi feita num programa chamado Metaphysical Function… Legal, né?”
It Overtakes Me
“Às vezes faço um pequeno truque de compositor: faz de conta que estou escrevendo uma canção para outra pessoa, e para esta faixa pensei na Gwen Stefani… Pensei nela cantando e imaginei que tipo de produção aquilo teria. Primeiro dei um nome à música, que seria da Ms. Stefani: “I Like to Masturbate and Think of Outer Space”… e ainda acho que se ela cantasse esta música seria um ótimo título. Mas pense em mim, um cara de 45 anos com uma barba grisalha, hmm, se masturbando… é… bem… (me incomoda só de digitar isso)… desagradável… De qualquer maneira, a música acaba sendo mais sobre meus acessos de pânico quando acidentalmente “vejo que a ‘Realidade Cósmica'” está… estamos (a Terra) perigosamente flutuando por aí, num mar grande e inacabável de infinidade negra (o espaço cósmico) e isso, quando é analisado, é um chute na cabeça. Sim, eu me sinto horrivelmente insignificante… De qualquer forma, aquilo que a gente consegue, acredito, ainda se parece com uma mistura de “Hollaback Girl” e “1969”, dos Stooges… Tome algumas drogas e ouça bem alto…”
The Stars Are so Big and I Am so Small… Do I Stand a Chance?
“Esta parte captura, eu acho, a vulnerabilidade e reverência deste mesmo cenário (a Realidade Cósmica) com uma nuvem de vozes angelicais.. E no lugar do pânico, ela é solene e reconfortante.”
Mr. Ambulance Driver
“Esta música inteira, tom e estrutura de acorde, foram construídos a partir de um sample de sirene de ambulância. Na primeira vez que fizemos isso conseguimos um tom sinistro de morte… Mas descobrimos, ouvindo repetidamente, que a sirene, de algum modo, desaparecia subliminarmente e, para nossa surpresa, revelou um pouco de Eddie Rabbitt (cantor/campositor pop/country dos anos 70) num rinque de patinação. Balada easy listening de acidente de carro com jovens.”
Haven’t Got a Clue
“Um amigo nosso, Greg Kursten (ele tocou com a gente na turnê do Beck e foi apelidado por Steven de “Firefingers” por seu jeito sublime de tocar teclado), é um músico perfeito e tem um ótimo ouvido para sons e estrutura pops… Ele já compôs canções para artistas desde Enrique Iglesias à Karen O (do Yeah Yeah Yeahs). Ele, por minha insistência, mandou esta faixa ainda não finalizada pra que nós a estruturássemos. Foi muito divertido e novamente (assim como no truque da Gwen Stefani) permitiu que criássemos uma outra identidade. A música é sobre um tipo de pessoa que todo mundo conhece e agüenta (não vamos mencionar nomes). Eles culpam a todos, menos a si mesmos, por todos seus problemas e eles parecem tê-los em quantidade infinita. Se eles sofrem, você sofre mais… Você sabe de quem estou falando.”
The W.A.N.D. (The Will Always Negates Defeat)
“Estava tocando guitarra, Michael tocava baixo fuzzwah e Steven estava na bateria e nos deparamos com este riff de rock progressivo, batida meio funk. Parecia Black Sabbath misturado com Sly and the Family Stone ou Stevie Wonder, o que nos deu uma outra direção muito boa. A ideia de uma varinha de condão e poderes mágicos surgiu enquanto eu via um mendigo, na cidade de Oklahoma. Acho que ele era vietnamita e tinha uma barba e bigode parecidos com os de um feiticeiro, e ele carregava um longo pedaço de pau que usava como se fosse uma bengala-arma. E um dia vi que ele lutava com um inimigo “imaginário” e a bengala se transformou (na melhor maneira que posso dizer) numa espécie de varinha de condão que o deixou invisível para que se protegesse. Quer dizer… parece que aquilo deu a ele uma confiança que o ajudou a vencer suas alucinações. De primeira pensei: “que triste, ele acha que sua velha bengala o está salvando”, e quanto mais eu pensava sobre aquilo, mais eu o invejava. Para aquelas manifestações do mal dentro de sua cabeça, ele inventou uma varinha de feitiço que conseguisse lidar com sua revolução psicótica… Yes!!
Então nos aprofundamos numa mentalidade radical de protesto… Cantamos “We got the power now, motherfuckers, that’s where it belongs”. Acho que isso é cosmicamente controlado, não apenas controlado. Na música, nós nos revoltamos com a ganância e com as pessoas más e corruptas que estão no controle para nos escravizar… mas nossa parte é apenas lutar de volta – não temos outra solução.”
Pompeii Am Götterdämmerung
“A melodia entusiasmante de Godhead (do Hino Nacional Alemão) contando uma vaga história sobre um jovem casal planejando suicídio. Eles moram num lugar onde tem vulcões em erupção, eles vão pegar o trem para subir uma montanha e pular dentro da lava que flui como um sacrifício simbólico de seu amor restrito. A qualidade triunfante do arranjo sugere que, antes que eles se destruam, percebam que para tomar tal decisão, de se matar, é uma questão interna de motivação que chega à ação exterior. E, se eles podem fazer algo tão extremista quanto se matar, por que eles não tentam mudar as circunstâncias que os deixam limitados? Ação é tudo que temos… Vale mencionar que esta foi a primeira vez que Steve fez o vocal principal numa música do Flaming Lips…”
Goin’ On
“A essência da melodia no refrão tem uma resolução melancólica evocando, abstratamente, partes da Nona Sinfonia de Mahler… Nós fomos, subconscientemente acho, levados “à resposta”… talvez por isso as pessoas sintam este impulso de rezar ou cantar ou criar. A gente quer muito esta coisa chamada “término”, mas acho que “término” seja, talvez, uma ilusão. Esta música dá uma boa olhada nas resoluções e nos poderes secretos da cura por se perder no tempo e espaço… Assim como o sofrimento que, de alguma forma, é liberado por uma simples… aceitação.”