por Marcelo Costa
Texto escrito originalmente para o site Viés em 2001
Para mim, o cinema é um espelho. Muitas vezes me enxergo em um filme, como enxergo o mundo, ou como deveria ser, ou como será. É uma relação cúmplice que me faz emocionar e apaixonar. E que me faz meio tolo, mas esse é um outro lado da moeda que, sabemos, tem duas faces.
Cada pessoa tem seus filmes preferidos e “Brincando de Seduzir” (“Beautiful Girls”) é um dos meus, em posição de destaque na minha estante. Sim, eu tenho a fita e você terá que ir a uma boa locadora para encontrar essa comediazinha romântica dramática lançada em 1996. Vá, por que vale a pena.
“Brincando de Seduzir” tem um roteiro ultra-simples e batido. Conta a história de alguns amigos que se encontram no aniversário de formatura da turma, coisa típica de americano. A grande sacada é que o filme não trata da festa e sim dos losers em que se tornaram esses personagens.
O inicio é de uma poesia cortante. Willie, o personagem principal interpretado magistralmente por Timothy Hutton, junta as gorjetas de sua noite como pianista. Despede-se do dono do bar e caminha entre o gelo e a neve do inverno americano em direção a rodoviária, em direção a sua casa e ao seu passado.
Ele está em dúvida, repensando os passos, sua história. Apostou seus sonhos em algo que não conseguiu realizar. A volta para casa é, também, uma volta ao inicio de sua trajetória, uma analise de “onde eu errei?” e “o que faço agora?”.
Esse retorno a cidade tem um q de traumático, afinal, só quem viveu numa cidade pequena sabe: nada muda. Seus amigos, tão losers quanto ele, continuam os mesmos, para o bem e para o mal. Tommy, o básico Matt Dillon, é um limpador de gelo e continua dividido entre duas garotas (Sharon e Daryan – respectivamente Mira Sorvino e Darian Smalls). Paul, numa excelente interpretação de Michael Rapaport, continua um moleque com zilhões de pôsteres de mulheres nuas nas paredes do quarto. E Mo, o ótimo Noah Emmerich, está casado. Todos eles beirando os 30 anos. Todos eles losers de carteirinha.
Mas o filme não é sobre homens. É sobre garotas, belas garotas. E que belas garotas. E como estas belas garotas influenciam a vida dos nossos pobres amigos losers.
Willie volta para casa com uma dúvida cruel: casar ou não casar? Seis meses de namoro com uma advogada e lá está ele, na encruzilhada, sem nem saber sobre si mesmo. Tracey (Annabeth Gish) é uma bela garota.
Assim como Marty (Natalie Portman perfeita como uma Lolita de Nabukov, ou uma Joey de Kevin Willianson, sempre com a palavra certa na hora certa) é uma bela garota. Uma bela garota de… 13 anos. Só os diálogos de Willie e Marty já valem o filme. Gina, a genial Rosie O’Donnell, é outra bela garota. Seu “solo” no supermercado explicando que homens sonham com modelos (irreais), mas casam com as normais (reais), é outro grande momento.
E Andera, Uma Thurmam indispensável, bem, é publicitária e renova a improvável equação “garota bonita e inteligente”. Frases como “tudo que eu preciso é de um cara que me chame de docinho na hora de dormir” ou “tudo que eu preciso à noite é de um dry martini e Van Morrison” ficam ressoando na cabeça durante dias, dias e dias.
A trilha sonora é excelente e centrada basicamente em standars americanos. Coisas que a mãe da gente lembra como “Me and Mrs. Jones”, de Billy Paul, ou “Sweet Carolinede”, Neil Diamond, que rende outro dos grandes momentos do filme.
Traz também belas canções perdidas no tempo como “Graduation Day” do cavaleiro solitário Chris Isaak, “I’ll Miss You” do Ween e uma dobradinha sensacional dos americanos dos Afghan Whigs (uma das bandas prediletas deste que vos escreve), fazendo covers de duas canções (uma delas de Barry White), com direito a ponta em um pub tocando a maravilhosa “Be For Real”, para embalar a dança de Andera e Paul.
No geral, “Brincando de Seduzir” é cinema sem pretensão, com o intuito único de mostrar as dificuldades da passagem tardia para a vida adulta. Consegue bem isso. Consegue divertir e fazer pensar.
Afinal, onde eu errei? O que faço agora? Sedução é brincadeira? O que é real? O que você imagina ou imaginava estar fazendo aos 30 anos? Isto é cinema. Seja bem-vindo.