Entrevista por Homero Pivotto Jr.
Pandemia, crise financeira e desgaste do cenário cultural torna tempestuoso esse período em que vivemos – principalmente para quem quer mostrar a própria arte. Produzir criativamente virou um exercício que exige ir contra a maré. E o trio de surf music Os Pampa Haoles, de Porto Alegre, está disposto a embarcar nessa aventura para divulgar seu som.
O grupo segue embalado pelos bons ventos que sopram com o lançamento do autointitulado primeiro álbum, disponibilizado na web em fim de abril e com formato físico (CD) — bancado com ajuda de financiamento coletivo — previsto para junho. Em meio à enxurrada de acontecimentos negativos, Rodrigo Nizolli (guitarra), Gabriel Bard (guitarra) e Luigi Rokero (bateria) fazem o possível para não afundar no caos da atualidade.
Se voltar aos palcos ainda não é plausível, a banda ao menos tem conseguido emplacar faixas em canais de mídia de distantes oceanos da capital gaúcha (estações de outros países têm rodado temas do trio). Afinal, não dá para morrer na beira da praia depois de todo o empenho dedicado ao disco de estreia.
Na entrevista a seguir, Rodrigo e Luigi revelam um pouco da trajetória d’Os Pampa Haoles, explicam porque não são peixe fora d’água por optarem pela música instrumental e apontam qual é a onda para o restante do revolto 2020.
Haole é uma palavra que lembra filmes estadunidenses que passavam na Sessão da Tarde. Produções cinematográficas que retratavam praias e jovens. Nelas, o hoale era o cara deslocado, que não fazia parte da galera. Isso tem alguma relação com o nome de vocês?
Sim. Apesar de a gente ter nascido e crescido na cidade grande, sempre frequentamos as praias do litoral gaúcho e nos sentimos em casa lá. Porém, aos olhos dos outros, que moram lá, somos os haoles que invadem as praias. E isso de certa forma não deixa de ser verdade.
A banda hoje é um trio, mas já foi quarteto. Pretendem continuar apenas com três integrantes e sem baixo? Ou existe a intenção de colocar alguém no posto das quatro cordas graves?
Seguimos compondo e produzindo mesmo sem baixista. Isso não tem sido um problema para nós ainda. Mas claro que a ideia é ter alguém para criar as frequências graves e ajudar na cozinha. Porém, trabalhar com música nos dias de hoje é uma tarefa bem difícil, e esse processo deve acontecer naturalmente. Não queremos uma pessoa que hoje está dentro e amanhã está fora, pois com o lançamento do disco o trabalho tende a aumentar. Nossa música está rodando em diversas rádios web e podcasts ao redor do mundo, então a disponibilidade para remar junto e cruzar os oceanos é pré-requisito básico.
E o lance da voz: em algum momento pensaram em acrescentar um cantor ou um integrante assumir como vocalista?
Não pretendemos colocar ninguém nas vozes. Talvez algum convidado para uma faixa do próximo disco. Mas não temos planos para isso ainda.
Como percebem a aceitação da música instrumental? Há um circuito para esse tipo de som em Porto Alegre?
Porto Alegre sempre teve ótimas referências na musica instrumental, inclusive tocamos um tema da banda Os Argonautas, aquela dos anos 90, lembra? Pata de Elefante e Funkalister também são outros grandes nomes do gênero daqui. Tem As Aventuras, que recém lançou disco, Os Tatuíra (que são meio de Porto Alegre, meio de Floripa), os vizinhos de Canoas da Paquetá, que também fazem alto som, e ainda podemos citar o Sexteto Blazz que é um clássico da cidade. Enfim, tem muita banda instrumental. Em 2019, tocamos no festival de surf music Não Deu Praia, na primeira edição, e já tiveram mais duas. Ou seja: tá rolando!
A praia de vocês é a surf music. Mas a música d’Os Pampa Haoles também carrega certa latinidade. De onde vem essa referência das sonoridades ligadas aos países de língua espanhola?
Estamos muito próximos do Uruguai e da Argentina. O Pampa também traz uma sonoridade singular, é inevitável ter certa referência de milonga, por exemplo. É bem comum encontrar essa sonoridade na surf music, e também rola um pouco de estudo.
Também se percebe um quê de rock garageiro. Procede?
Procede. Talvez não tão garageiro como Trashmen, mas podemos citar The Ziggens, uma banda da Califórnia que tocávamos no violão pelas pracinhas de Capão da Canoa na nossa adolescência.
E por que fazer um CD em tempos de música digital?
O CD envolve a questão de todo um conceito por trás do trabalho. A arte da capa e do encarte, pensada em conjunto, reflete nossas influências, como enxergamos a cidade e como ela inspira nossa forma de criar, compor e até executar nossas ideias e levá-las ao público. Também existe uma questão nostálgica envolvida. Gostamos da ideia de as pessoas poderem ter o disco em mãos, abrir o encarte, olhar os detalhes etc. Como se fazia antigamente.
Qual a motivação para ir contra a maré de desmerecer a cultura e seguir fazendo arte? Música, no caso.
É exatamente em momentos como este que o artista, independentemente da área na qual ele atua, precisa seguir produzindo seu trabalho, expondo suas ideias e lutando contra o descaso para com a cultura. Reverb no talo! É assim que a gente manda um foda-se a qualquer forma de opressão!
Vocês se dizem inspirados por temas praianos e lendas porto-alegrenses. De que maneira, já que as faixas não têm letras (parte das músicas na qual se costuma perceber esse tipo de inspiração)?
Os temas mais praianos geralmente têm inspiração nas nossas passagens pelo litoral e experiências vividas por lá. Já a ‘atmosfera’ da cidade nos leva a compor, às vezes, temas mais sombrios e com ideias mais dissonantes, e é nesse ponto que as lendas porto-alegrenses nos servem de inspiração. A música ‘Espectro Claussner’ tem uma história interessante. Nosso baterista, Luigi, estava passando à noite pela Rua Fernando Machado, antiga Rua do Arvoredo — na qual por volta do ano 1860, pessoas eram assassinadas e viravam linguiças a serem vendidas em um açougue. Essa é uma lenda urbana de Porto Alegre muito conhecida como “Os Crimes da rua do Arvoredo”. Ele (Luigi) então mandou um áudio no whatsapp assoviando o riff da música, para não perder a ideia e depois começamos a trabalhar no estúdio. Primeiramente demos o nome de ‘Fantasma’, pois lembrava aquelas trilhas de filmes trash lado B. Foi então que o Gabriel veio com o nome ‘Espectro Claussner’ fazendo referência ao açougueiro Carlos Claussner. Sinistro não?
Qual vai ser a onda daqui pra frente, depois do lançamento do disco?
Seguir trabalhando nas novas composições, gravar, tocar por aí. Distribuir nosso som pela web, lançar outros discos que possamos unir nossa música com artistas visuais, criar formatos diferentes. Enfim… A onda que vier, a gente pega!
– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.