por Janaina Azevedo
Foto: Thiago Piccoli
Foi em mais uma daquelas noites irritantemente frias de Porto Alegre. Mas o pessoal daqui já tá acostumado com os termômetros quase quebrando o limite da temperatura negativa e compareceu em peso no Dr. Jekyll para ver três shows. Mesmo com tanta gente nessa cena, até hoje ninguém sabe explicar como. Fato é que em determinado momento, em uma manobra malsucedida com sua guitarra dourada, Bruno Daitx acertou o instrumento em seu próprio olho esquerdo. Todo o peso da madeira maciça lhe causou um imenso hematoma que quem avistava de longe pensava “esse cara pintou o olho”. Por vários dias.
Ali, no cantinho do diminuto palco da diminuta casa de shows, Fernando Rosa, o patrão do rock independente latino-americano, o bardo do jornalismo cultural na internet, sim, o Senhor F, assistiu à cena com o copinho de cerveja em punho. Dali, ele só pôde concluir, já no fim da noite, que o show que havia acabado de assistir era uma espécie de ponte entre a performance bêbada e inconsequente de Wander Wildner e a potência guitarreira da Superguidis. Ele tava falando da ProzaK.
ProzaK foi a segunda banda a tocar e aquele era o segundo show na segunda “fase” deles. A primeira atração era a Bloco e o headliner foi a Superguidis, em seus shows de aquecimento pro disco novo.
Bruno, o cara do olho roxo, é o vocalista e guitarrista. Seu irmão mais velho, Brisa, empunha a outra guitarra, no outro lado do palco André Gules toca baixo e com Adílson Tessari ficam as baquetas. Eles formaram a banda, tocaram em todo o Estado, assistiram de camarote todo o início da cena musical que desembocou em bandas como Superguidis, Pública, Fresno até, vejam só!, brigaram no palco, espancaram instrumentos em shows intensos – quantos hematomas não teriam surgido nessa época? – e deixaram um punhado de canções gravadas em dois discos. Tudo isso entre 2001 e 2004.
Os desentendimentos eram frequentes, proporcionais à intensidade e fúria com que eles exectuavam o seu “rock antidepressivo”, e até de Irmãos Gallagher Porto-Alegrenses Bruno e Brisa foram chamados. O fim da ProzaK foi a consequência.
Mas a vontade de tocar não terminou. Alguns até tentaram outros projetos, o Bruno continuou compondo, mas tudo parecia se encaminhar para a posteridade do rock underground mesmo: poucas aparições no programa de música local Radar gravadas em vídeo, umas camisetas com o logo da banda para contar história.
Adílson se empregou numa empresa de impressão gráfica e André abriu sua própria sex shop. Brisa e Bruno trabalharam na produção de shows como No use for a Name e Sepultura em Porto Alegre. Ainda demoraria um pouco para a ProzaK receber o chute que lhes faltava rumo aos palcos.
Porque o rock intenso e dramático da ProzaK, de guitarras sujas e com muita influência noventista e letras que parecem ser o desabafo de um amigo deixou vários fãs órfãos. Entre eles, Andrio Maquenzi.
“Vamos gravar um acústico. E quero que vocês toquem duas músicas. Da ProzaK”. Em maio de 2009, a Superguidis, que já tinha passado de banda parceira para banda dos bróders, gravou um show acústico, para ser lançado posteriormente, em CD e DVD. Andrio, o vocalista e guitarrista, e bróder também, quis fazer dos irmãos Daitx os irmãos Kirkwood, “vai ser o Meat Puppets da Superguidis”. O CulturaRockClub lotado assistiu à Superguidis tocando “Retardado” e “Romantismo à Base da Modernidade”, com violões auxiliares de seus autores originais. Essa noite foi o reencontro e recomeço de tudo.
E não foi fraco: shows lotados, performance elogiada. A imprensa aprovou, os fãs reapareceram, outras bandas chancelaram. Dois meses consecutivos na Parada do Senhor F. Rádios e TV locais chamando. Shows pelo interior. Até uma lancheria apareceu pra patrocinar. Começaram a gravar um EP. Tudo isso em menos de meio ano. E no finzinho de 2009, Fernando Rosa incluiu “Reciclando Almas”, o disco de 2002, na lista dos 25 discos mais importantes do rock independente nacional, e ainda decretou: “Tão obscuro quanto surpreendente, ‘Reciclando Almas’ dos gaúchos Prozak, com ótimas guitarras e sonoridade outsider para os padrões do rock gaúcho tradicional, é um dos grandes discos ‘perdidos’ da cena independente nacional.”
Definitivamente, essa história será diferente da dos irmãos britânicos bebedores de cerveja.
E por enquanto ficamos por aqui. A agenda deles tá gorda de shows pelo interior do RS. Disco, turnê, clipe, tudo isso deve chegar, e rápido, seguindo a torrente de acontecimentos que trouxe os porto-alegrenses de volta pro palco. Agora, eles trabalham na gravação do primeiro disco, depois do sucesso do Maré, o EP da volta, lançado pela SenhorF, porque o Fernando apostou na banda desde aquela noite, em que a entrega furiosa ao rock and roll no palco chegou às consequências físicas. Caso os integrantes sobrevivam aos hematomas que virão, ainda ouviremos muito falarem da ProzaK.
http://www.myspace.com/prozakoficial
*******
Janaina Azevedo é jornalista e escreve no jornal O Sul
Leia também:
– Entrevista com o Superguidis, por Janaina Azevedo (aqui)
One thought on “Música: Maré, do ProzaK”