entrevista por M. R. Terci
Sem dúvida, 2019 está sendo um ano muito especial para os cinéfilos, especialmente para os fãs de filmes de terror. A lista de filmes do gênero é bem longa e ainda tem coisa boa a ser lançada, o que só aumenta a expectativa. Nesse ponto, destaque para o filme “Terrified”, produzido por Guillermo Del Toro, remake do filme argentino “Aterrados” (2017), escrito e dirigido pelo cineasta Demian Rugna. O cineasta argentino filmou o remake no primeiro semestre em Hollywood, e acerta os detalhes finais da película junto com a equipe.
Nascido em 1979 na grande Buenos Aires, Demian escreveu seu primeiro roteiro em 2005, “La Muerte Conoce Tu Nombre”, após vários curtas de terror. A estreia na direção aconteceu em 2007, com “The Last Gateway”, depois vieram “Damn Sean!” (2011), “No Sabés Con Quién Estás Hablando” (2016) e “Aterrorizados”, de 2017, que conquistou a atenção do vencedor do Oscar Guillermo Del Toro. “Hoje eu me deparo com meu ídolo produzindo um filme para mim”, conta orgulhoso Rugna.
O cinema de horror sul americano cresce em qualidade e quantidade. Nos últimos anos, trabalhos notáveis ganham projeção internacional com promessas de revolucionar o gênero. Pois bem, Demian é um desses visionários que tocam o terror e conquistam cada vez mais espaço no cenário do Horror Internacional. Na entrevista abaixo, ele fala sobre o que o influenciou, sobre o sobrenatural, a fantasia e a ficção. E, claro, sobre a adaptação de “Aterrorizados”. Confira!
Todos nós, fãs brasileiros, estamos ansiosos para conhecer um pouco mais de seu trabalho e quais as próximas novidades.
Certamente vocês verão o remake de “Aterrorizados” nos cinemas, suponho que será uma estreia importante, já que a Fox Searchlight está por trás. Depois do remake eu não sei, é muito provável que eu comece a trabalhar na 2ª parte de “Aterrorizados” ou talvez eu retome meu novo projeto de terror chamado “Quando o Mal Espreita”. Mesmo assim tenho um filme inédito que fiz antes de “Aterrorizados” e espero lançar em breve, se chama: “Você Não Sabe Com Quem Está Falando”, é humor negro que parodia um pouco os filmes de gênero, acho que os fãs de horror (como eu) vão gostar. Mas não se preocupem: meus próximos dois ou três projetos serão puramente terror.
Literatura, quadrinhos e cinema. Quais as referências para o trabalho de Demian Rugna? Quais as suas influências dentro do gênero do horror fantástico?
Cresci lendo Stephen King, Poe e Lovecraft. Então cheguei a Clive Barker e Cortazar. Acho que (especialmente nos meus primeiros filmes) a influência dos dois últimos é perceptível. No nível comic, eu venho da história em quadrinhos, quero dizer, toda a minha vida, minha abordagem para o cinema foi desenho em quadrinhos, estudei três anos para me profissionalizar. Não sou dos super-heróis, esse ramo não me pega, sou mais o comic europeu que foi bem desenvolvido na Argentina, o quadrinho mais autoral. Mas deixei minhas ambições de desenhista para ser diretor de cinema. E baseado no cinema, minha escola foi o cinema fantástico dos anos 80, acompanhei fervorosamente os filmes com seus diretores clássicos de gênero. Raimi, Craven, Carpenter, Spielberg, Cronenberg, Argento, Verhoeven e mais nos anos 90, Peter Jackson e Guillermo del Toro. Essa é a minha escola.
O que é o sobrenatural para Demian Rugna?
Prefiro que não tenha forma definitiva, me refiro com isso (pelo menos em “Aterrorizados”) a não facilitar a atribuição de forma a “um fantasma” ou “uma maldição”, acredito que o sobrenatural não pode ser definido facilmente em sua origem. Sinto que é falta de respeito com o espectador quando se constrói uma história e então se diz simplesmente: tudo é causado por um fantasma. Sinto que o sobrenatural não pode ser explicado tão facilmente. Porque nós nem sequer sabemos (como seres humanos) de onde realmente viemos e por que estamos neste planeta. Pelo menos em “Aterrorizados”, tento não tomar o espectador como estúpido com uma explicação categórica e instantânea de algo inexplicável.
O horror é um gênero cinematográfico e literário muito ligado à fantasia e à ficção especulativa. Em “Aterrorizados” você aborda a questão de outros planos interdimensionais e as terríveis consequências de contata-lo. Nessa linha de raciocínio, você expõe crenças próprias?
Não. Mas devo admitir que pouco tempo depois do lançamento, um jornalista me transmitiu a informação de que meu filme tinha muitos elementos de um fenômeno, muito comum e que ocorre com muitas pessoas, chamado: “paralisia do sono”. Eu não sabia nada sobre isso, mas através dessa pessoa aprendi que se tratava de um fenômeno que acontece quando você acorda no meio da noite, incapaz de mover seu corpo, mas podendo abrir os olhos, vê uma figura alta, careca e desajeitada, às vezes usando um chapéu, te observando. Então você realmente acorda e está na mesma posição. O incrível de tudo isso é que passei por um episódio assim, muito tempo depois de escrever o roteiro, sofri a paralisia do sono uma noite, vi aquela figura me observando. Mas eu sempre relaciono isso com um pesadelo. Até que eu descobri que isso é algo muito comum, comecei a pesquisar e me pareceu incrível. No caso de “Aterrorizados”, tentei criar minha própria mitologia, longe do simbolismo religioso e das teorias fantasmagóricas. É por isso que não há nenhuma ouija no meu filme. Isso é simples: dimensões que se filtram entre si e esses seres estão conhecendo nosso ambiente, são eles que estão experimentando e tentando descobrir o que é o nosso mundo. O problema é que esses seres não têm a nossa moral, para nós, eles são selvagens, porque se precisarem abrir uma pessoa em dois para ver o que tem dentro, eles farão. Assim como fazemos com um inseto, sem ser mal, mas curioso.
A Fox Searchlight colocou Sacha Gervasi para escrever “Terrified”, um remake de “Aterrados”. O filme será produzido por Guillermo Del Toro. Você escreveu e dirigiu o original, e agora irá liderar o remake. Como foi esse contato, como está sendo essa experiência e o que pode nos adiantar a respeito do remake?
Ainda estamos trabalhando no roteiro, posso dizer-lhe que cada uma das cenas do terror está sendo projetada para ser muito mais espetacular. Queremos respeitar a versão original, já que é um filme que funciona e não vamos desperdiçar isso. O interessante é que eu serei o diretor do remake, então não vou deixar que machuquem meu bebê. Me dou muito bem com Sasha, ele é muito engraçado e isso é algo que eu pedi a Del Toro, alguém com humor, já que acho que um pouco de humor nos piores momentos faz o espectador relaxar um pouco para que, em seguida, possa atacá-lo com um choque de terror. A experiência está sendo muito boa. Imagine só, sou fã do gênero desde menino, aos 16 anos eu fiz uma tatuagem de Jason Voorhes, e desde criança eu sonhava em filmar em Hollywood. Então, hoje eu me deparo com meu ídolo produzindo um filme para mim. É muito louco poder discutir ideias com pessoas que admiro como verdadeiros ídolos – e achar que não concordo em tudo também é muito estranho. Às vezes eu pergunto a mim mesmo “como posso contradizer as ideias de Guillermo Del Toro?”, mas ele deixou muito claro, desde o começo, quando me disse: “Eu confio plenamente em seu instinto” e isso dá forças para acreditar em mim mesmo.
Após a conclusão do remake, quais os próximos projetos?
Parte 2 de “Aterrorizados” (eu ainda não sei qual versão, se espanhol ou inglês), “Quando o Mal Espreita” e libero o filme de humor negro, já filmado, chamado “Você Não Sabe Com Quem Está Falando”.
Como você interpreta o atual momento do cinema do horror?
Uma maravilha! Acho que o avanço das redes sociais fez com que os fãs do gênero parassem de se sentir marginalizados. Percebemos que existem muitos mais doentes mentais como nós que querem ver todos os filmes de terror do planeta, comprar o Blu-ray e colecionar os bonecos. Acho que isso fez o gênero fantástico se consolidar muito mais. O púbico foi fortalecido e até as críticas pararam de desrespeitar os filmes do gênero. Nesse sentido, crescemos em audiência. Então, com relação ao conteúdo, é eclético, como todos os filmes, há bons e ruins em todos os gêneros. Acho que o autor no gênero está ganhando espaço e isso é ótimo.
Para Demian Rugna qual foi a era de ouro dos filmes de terror?
É uma boa pergunta, mas minha resposta não é objetiva, eu amo o gênero nos anos 80, mas talvez seja porque eu cresci lá, porque foi o começo de uma revolução nos FX (efeitos especiais). Também temos de observar tudo o que exalava o horror até ali e, então, após essa parte, o que James Wan alcançou com SAW. Mas talvez venham os fãs da Hammer e queiram me linchar pelo que disse! Eu não sei, é muito pessoal, mas eu fico nos anos 80.
M. R. Terci é escritor, roteirista e poeta. É o criador da série “O Bairro da Cripta”, lançada anteriormente pela LP-Books e que reforçou seu nome como um dos principais autores brasileiros de horror da atualidade. Com base em fatos históricos, Terci substitui os castelos medievais pelos casarões coloniais, as aldeias de camponeses pelas cidadezinhas do interior, os condes pelos coronéis e as superstições por elementos de nosso folclore e crendices populares, numa transposição do gótico para a realidade brasileira. Conheça: https://www.mrterci.com/
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