por Renan Guerra
Bruno E. não é nenhum novato: nos anos 90 ele já trabalhava produzindo artistas de hip hop como Pavilhão 9, Piveti e outros. A partir de 1998, envolveu-se no surgimento e desenvolvimento da gravadora Trama Virtual, ao lado de João Marcelo Bôscoli, e com esse trabalho começa a dar seus passos em sua carreira solo no universo do jazz, lançando, por exemplo, o elogiado disco “Lovely Arthur”, em 2003. “São Paulo Jazz Rebels” (2019), assinado ao lado do Coletivo Superjazz, é seu mais novo disco, em uma empreitada na qual pela primeira vez Bruno mostra sua voz como cantor.
Figura presente na cena de Jazz da cidade de São Paulo, Bruno faz de seu disco um passeio por lugares fundamentais para esse universo, como o Jazz nos Fundos e o Ó do Borogodó, em Pinheiros, ou mesmo lugares já inexistentes, como o antigo Club Sarajevo, que ficava na Rua Augusta. A rua, alías, dá o nome de outra canção, assim como outros pontos da cidade, como o centro e a Avenida Paulista. A perspectiva urbana é o ponto de partida para canções que exploram as potencialidades do jazz de forma classuda, pasando por possibilidades como o free jazz, o bebop e o nu jazz.
Com participações especiais do mestre de samba paulistano Toinho Melodia e do vibrafonista Beto Montag, “São Paulo Jazz Rebels” foi gravado nos estúdios da Belas Artes, em São Paulo, e conta com produção assinada pelo próprio Bruno. Para explicar um pouco mais sobre o universo desse disco, o músico respondeu as nossas três perguntas antes de sua apresentação no CCSP – Centro Cultural São Paulo, no final de agosto. Confira o papo abaixo:
Nesse disco, São Paulo é quase como uma personagem central que guia as canções, tanto por locais ainda existentes quanto aqueles que nem existem mais. Como foi pra você construir esse universo sonoro através desses locais e qual a importância deles para você?
São Paulo é uma cidade que tem uma atmosfera mágica, ela tem um lance ao mesmo tempo feio e desorganizado, só que por outro lado tem um glamour. Um amigo meu falou que em São Paulo muitos lugares, como a Vila Buarque, por exemplo, parecem a Nova York antiga. Eu sou de Goiânia, quando eu vim pra cá, logo que eu cheguei, eu fui morar lá no Bixiga, isso me chocou assim de um jeito positivo: “nossa, que legal, uma atmosfera mágica de São Paulo”, que é essa coisa que é meio desordenada, extremamente urbana, que não tem em lugar nenhum do Brasil. A questão da noite é algo muito especial de São Paulo, acho que a cidade tem uma vida noturna que é diferente do resto do país. Eu fui DJ durante muito tempo, toquei em muitos clubes, então a cidade tem essa coisa cosmopolita, que lembra Londres também – eu morei em Londres um tempo. Esses lugares do disco têm uma história. O ruim é que São Paulo tem algo – que é do Brasil até – que é você destruir os lugares, eles não ficam tão tradicionais. Não é igual lá em Londres, onde você tem casas que estão há 50, 60 anos abertas. Aqui tem essa coisa muito triste, que é uma cultura de destruir para construir. Você destrói uma casa legal, um predinho bacana, para construir um predião; totalmente sem critério. De todo modo, a cidade tem algo muito mágico pra mim.
Você falou do seu trabalho como DJ, porém, além disso, você também trabalhou com vários outros gêneros musicais. E nesse disco, uma coisa nova é você cantar. Como foi a decisão de colocar a sua voz nesse álbum e como isso gerou algum impacto?
Na verdade, isso foi acontecendo aos poucos. Não foi tão planejado. A música “Backstage Jazz”, por exemplo, surgiu como uma música instrumental, que é uma homenagem ao Jazz nos Fundos; a gente tocou ela pela primeira vez lá no Jazz nos Fundos e ela não tinha voz. De repente começou a pintar uma melodia, eu comecei a arriscar, não foi algo que veio assim de pronto, eu arrisquei, mostrei pra minha atual mulher e ela adorou! Eu até me surpreendi, pois eu achei que não tivesse ficado bom. Eu nunca cantei, minha ex-mulher era uma excelente cantora, que é a Patrícia Marx, então eu nunca tive essa necessidade de cantar, pois tinha ela e eu sempre queria ficar no backstage. Só que dessa vez, o “Backstage Jazz” me trouxe pra frente. Eu ainda não me considero um cantor, pois ainda não tenho técnica para isso. De todo modo, por exemplo, o Chet Baker criou uma ruptura na arte, pois ele não é cantor, ela cantou por uma questão de necessidade: quebraram a boca dele e ele precisava cantar, pois ele não conseguia tocar o show inteiro. Só que ele começou a cantar de um jeito extremamente original, e ele abriu a porta para muitas pessoas cantarem. Inclusive aqui no Brasil, o próprio João Gilberto mudou o jeito de cantar por conta do Chet. E falei “poxa, já que ele conseguiu fazer isso, eu vou me dar o direito de experimentar”, então o exemplo veio do Jazz mesmo. E aqui no Brasil a gente tem uma tradição de muitos cantores e muitas cantoras que não são aquelas virtuoses, mas mesmo assim possuem vozes bonitas, que é aquela coisa que vem do cool jazz, então eu ainda estou tentando achar um jeito. Ainda não cheguei no meu estilo, estou tentando arriscar, cada show é uma descoberta. O primeiro show, no Jazz B, eu arrisquei um pouquinho da faixa “Backstage Jazz”, no segundo show eu já cantei cinco músicas e por aí vai.
Esse novo disco é assinado ao lado do Coletivo SuperJazz. Como funciona esse trabalho em grupo com eles?
Na verdade, o que acontece é o seguinte: o Dudão, que é meu grande amigo e parceiro, foi com quem eu comecei a festa Superjazz, no Sarajevo, lá na rua Augusta. Depois disso, passou um tempo, teve um festival lá no Bar Avenida, em Pinheiros, a gente ia tocar, fazer um live, aí eu falei: “Deixa eu compor algumas músicas”. Eu chamei o Bocatto e o Márcio Nery, fiz alguns temas, como “São Paulo Jazz Rebels”, para esse evento, e a partir daí deu muito certo. A gente foi tocar em outros lugares, como o Universo Paralelo, só que era eletrônico com metaleira. Só que depois eu comecei a tocar o baixo acústico, que eu não sabia, comprei um baixo upright e comecei a brincar, a gente foi lá pra Bahia e pensei: “não, vou levar o upright”, ainda bem que não quebrou no meio do caminho, e comecei a tocar pra valer. Depois eu comprei um acústico e decidi tirar a parte eletrônica: “Agora vamos para o jazz mesmo”. E o coletivo veio disso, de tocarmos juntos e tal. Chegou um momento em que falei pra eles: “Galera, vamos lançar um disco e eu vou colocar o coletivo comigo”. De todo modo, o Coletivo Superjazz não é hermético, mudam as formações, há um giro. Nesse momento, eu resolvi chamar o coletivo porque começou-se esse trabalho com eles, mas agora eu estou seguindo minha carreira solo, e é isso a partir de agora.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz. A foto que abre o texto é de Clovis Prestes!
Amei!!!