entrevista por Renan Guerra
O Museu da Imagem e do Som está trazendo para São Paulo a exposição “Björk Digital”, que fica em cartaz até 18/08 e se concentra especialmente sobre o universo de “Vulnicura” (2015), o íntimo disco em que a cantora islandesa dissecava sua separação do artista Matthew Barney, algo como uma elegia da separação. No MIS, são quatro espaços dedicados a canções desse disco, todos com experiências de realidade virtual, em que o visitante fica imerso na vivência emotiva (e um tanto quanto lisérgica) desse universo da cantora.
Há ainda na exposição um espaço dedicado inteiramente ao app “Biophilia” (2011), derivado do disco de mesmo nome, o primeiro “álbum de estúdio no formato de aplicativo” no mundo, produzido em colaboração com a Apple. Outro destaque é um espaço de cinema em que todos os clipes de Björk passam em looping. É, no mínimo, uma exposição histórica, já que São Paulo é a 15ª cidade no mundo a receber essas obras, pensadas por Björk como vivências bastante específicas.
Esse preciosismo da artista, assim como sua preocupação e dedicação a sua arte são alguns dos pontos que passarão por análise no curso “Björk: Paradigmas do Pós-humanismo.exe”, criado pelo filósofo e pesquisador Alisson Prando. Os encontros, que ocorrerão paralelamente à exposição, discutirão a obra de Björk por vieses como o gênero, a sexualidade e a tecnocultura. Serão quatro encontros que acontecerão nos dias 11, 16, 18 e 23 de julho, das 19h às 22h, no MIS SP (informação de inscrições aqui). Para entender um pouco mais sobre essa proposta, conversamos com Alisson (em destaque na foto abaixo) sobre a importância de se entender a cultura pop por um viés filosófico e o que o público pode esperar desses encontros. Confira abaixo:
Esse curso buscará falar sobre ciborguização dos corpos, políticas de gênero e tecnocultura, como se darão esses debates de temas tão complexos no entorno da obra de Björk?
Esses temas podem parecer assustadores ou complexos à primeira vista, mas eles estão mais presentes do que nunca no contemporâneo. Quando estamos falando sobre políticas de gênero, por exemplo, estamos falando sobre essa divisão binária que nos é imposta em nossos corpos e no mundo: por que dividimos banheiros entre masculino e feminino? Pode então o banheiro ser uma tecnologia de produção de gênero? Por que as roupas são divididas entre masculino e feminino, se no final das contas, a matéria-prima delas é apenas tecido? As vagas de trabalho que acessamos em bancos de dados muitas vezes são generificadas, as fragrâncias que compramos em perfumarias, os brinquedos que compramos para crianças, como se ser “homem” ou “mulher” marcassem então um destino da vida. Se você parar para pensar, a divisão binária entre homem e mulher tem intenções políticas e mercadológicas, os discursos hegemônicos da mídia, direito e medicina, querem fazer crer que a feminilidade e a masculinidade são naturais, mas esses fenômenos são frutos de códigos de linguagem que são (re)produzidos o tempo todo – logo, podem ser subvertidos. Da mesma maneira, a ciborguização dos corpos ou os corpos-apps, acontecem toda vez que nós acoplamos instrumentos, gadgets, telas, dispositivos em nossos organismos e em nossos sistemas cognitivos, de uma ação simples como colocar um óculos que aprimora nossa visão para ler livros, ao uso de cadeiras de rodas ou próteses, ou quando alguém ingere viagra ou analgésicos, até mesmo a reedição dos corpos, a partir do uso de hormônios ou cirurgias plásticas. Acredito que a obra audiovisual de Björk se encaixa como uma luva para flexionar essas questões, justamente porque a artista islandesa está sempre preocupada em diluir binarismos e ficções biopolíticas: ela não tem medo de soar como uma máquina, como um animal, usa sua voz e seu corpo das mais diversas maneiras. Björk está para além do humano, ela representa o pós-humanismo porque acaba com a divisão entre homem e mulher, natural e tecnológico, humano e máquina.
Um de seus projetos é o curso “Politizando Beyoncé”, que também une política, filosofia e ícones pop. Como você entende a importância de se olhar para objetos da cultura pop pela lente da filosofia?
A política será POP ou não será. O ‘Politizando Beyoncé’, ‘Björk: Paradigmas do Pós-humanismo.exe‘ e outros projetos são laboratórios anarcopopdadaístas que eu criei a fim de horizontalizar textos e conceitos filosóficos que muitas vezes circulam apenas pela academia ou no máximo por ambientes de militância política, como as obras de Achille Mbembe, Paul Beatriz Preciado ou Judith Butler. Quando eu crio esses projetos, estou interessado em mensurar a elasticidade política que uma obra de Beyoncé ou Björk pode ter no mundo – o que Björk quer nos comunicar quando cria um videoclipe onde robôs agêneros fazem sexo? Como Beyoncé pensa o patriarcalismo ou a violência policial da milícia norte-americana contra pessoas negras? Nessas tecnoperformances de artistas POP existem pedagogias, maneiras de pensar-ser no mundo que dialogam com esses manifestos de filosofia. Penso na cultura POP como um espelho social e político da nossa sociedade, e mais do que isso, do tipo de sociedade que podemos ou queremos construir. Minha intenção é fazer com que as pessoas duvidem daquilo que parece verdade, daquilo que parece natural, tal como fez Foucault com suas analogias sobre a história da medicina, sexualidade e da loucura. Mais do que isso, gostaria de inspirar as pessoas a inventarem suas próprias verdades também.
Você esteve na exposição e gostaríamos de entender como ela impactou em você, para além do pesquisador, mas sim o Ali enquanto espectador, como foi essa experiência?
Uma das coisas que mais me encanta na estética de Björk é que apesar de seu trabalho ser muitas vezes denso e complexo, ela sempre se posiciona enquanto alguém que faz arte POP, ou seja, que faz música para que as massas ouçam, independente de suas nacionalidades, gênero, idade e outras marcações sociais. A exposição do Museu da Imagem e do Som serve para nos mostrar como estamos caminhando em relação à música e tecnologia, mas sem dúvidas, os videoclipes que mais me encantam em ‘Björk Digital’ são ‘Family’ e ‘Notget’: dançar com Björk, interagir com ela naquele formato, onde a artista assume a forma gigante de uma deusa cyberxamânica é arrepiante, literalmente um sonho acordado, uma viagem lisérgica.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz
Onde que a Björk é artista pop que faz músicas para as massas? Você pega o último álbum, Utopia, e não é acessível para ouvintes comuns, talvez Post e Homogenic.