Resenha por Renato Caliman
Michael MacCauley (Liam Neeson) é um vendedor de seguros classe média-baixa, paizão de família, que exala comprometimento e é obrigado a pegar o metrô todos os dias para ir e voltar do trabalho. Numa dessas viagens é abordado gentilmente por uma misteriosa mulher chamada Joanna (Vera Farmiga), que entre uma conversa e outra sobre psicologia lhe propõe uma ‘caça ao tesouro’, cujo objetivo é encontrar um passageiro que não deveria estar no trem. Talvez em outro dia ele não aceitasse a proposta, mas o fato de horas antes ter sido avisado sobre sua demissão o coloca à força num jogo em busca da recompensa de US$ 100 mil reais.
Dar a Liam Neeson características de homem comum, ameaçá-lo e colocá-lo contra a parede tem se mostrado uma fórmula certeira de entreter e arrecadar uma grana fácil nas bilheterias. O espanhol Jaume Collet-Serra sabe tão bem disso, que convoca o irlandês de 1,93m, e agora 65 anos, para mais uma empreitada alucinante, onde o tempo, mais uma vez, é fundamental para a narrativa, assim como o local onde ela acontece. O diretor aposta no que já deu certo em “Sem Escalas” (2014), e nessa quarta vez ao lado de Neeson (filmaram também “Desconhecido”, 2011 e “Noite Sem Fim”, 2015), mantém o estilo envolvente de filmar e com isso consegue entregar um entretenimento eficiente, no entanto, sofre com a pouca originalidade, que resulta em previsibilidade, além das inevitáveis semelhanças com o passado.
A narrativa abre com uma sequencia de planos bem sucedidos cujo objetivo é estabelecer a rotina do protagonista. Aliado ferrenho do diretor, tanto quanto o próprio Liam Neeson, o tempo e alguns dos artifícios usados para ilustrá-lo como, por exemplo, as horas, as estações do ano, a temperatura e o humor dos personagens, são expostos por Collet-Serra de maneira muito criativa com o auxílio de uma montagem ágil e muito coerente, ainda que seja uma ferramenta já vista em outras películas. Aqui, ele conta em pouco menos de 5 minutos sobre o cotidiano de um homem comum, desiludido, mas dedicado à família e ao trabalho, mesmo que esse seja considerado fora dos padrões do qual ele sonha. Um meio inteligente de contar uma história sem a necessidade de apelar para uma exposição excessiva.
Determinada a personalidade e como aquele homem vive o dia a dia, a narrativa começa sua jornada abordo de um trem, o que também é um ponto incômodo que atesta a falta de inventividade do roteiro escrito por Ryan Engle. O roteirista foi um dos responsáveis por escrever o argumento de “Sem Escalas”, e apenas fez o favor de substituir o avião –ambientação daquele filme – por um trem. Levando em conta que em ambas as situações o protagonista estaria sob risco, o que se esperava em “O Passageiro” (The Commuter, 2018) era que pelo menos o perigo e o desafio fossem em maior escala. A premissa aponta para isso, mas o desenrolar vai na contramão.
Mesmo com a narrativa tão ágil quanto o trem em que ela ocorre, o segundo ato do longa alterna entre bons e maus momentos. Ponto positivo para a entrega de Liam Neeson para com o protagonista, que ganha a confiança do espectador com mais uma interpretação vigorosa. Vê-lo executando as várias cenas de ação propostas é um enorme prazer. Todas as sequências são bem coreografadas e muito movimentadas, e ainda que exageradas em certos momentos, conseguem tirar o fôlego daqueles que estão assistindo, que por sua vez compram a ideia entendendo-as como parte do show. Quando exigido no drama, o filme sente o peso de não ter alguém para confrontar o ator principal, cujo comprometimento é ressaltado pelo semblante expressivo e a voz marcante.
Embora seja peça chave para o ‘start’ no desenvolvimento da narrativa, Vera Farmiga aparece pouco e pelo currículo dela merecia mais espaço. Patrick Wilson, Sam Neill e Jonathan Banks são tratados como coadjuvantes de filme B que também poderiam render mais, porém receberam a ingrata missão de viverem figuras insignificantes e mergulhadas em clichês. Outro ponto negativo da produção está relacionado à tensão não corresponder ao tamanho do perigo apresentado. Por várias vezes existem paradas indesejadas para diálogos pouco inspirados, ao passo que é possível sentir a ausência de uma trilha sonora capaz de evocar o mínimo de ameaça ou qualquer tipo de contratempo.
Além disso, o clima de investigação também deixa a desejar, ainda mais quando comparado ao “Assassinato no Expresso no Oriente”. Embora carregue consigo hábitos de homem banal, o protagonista é um ex-policial, e partir do momento que isso fica explícito, a narrativa deveria explorar mais dele, indo além das habilidades especiais para lutar. Como já disse, Neeson transmite segurança e sua determinação em querer resolver o problema é palpável, contudo, seu senso de investigação é ignorado pelo roteiro e as únicas atitudes tomadas a fim de consertar as coisas terminam por serem atitudes completamente triviais, passíveis de execução por qualquer um com um instinto de sobrevivência aflorado.
Toda essa falta de engenhosidade do roteiro culmina num desfecho pra lá de absurdo, que devemos ressaltar, para o bem e para o mal. Apesar dos efeitos especiais limitados, a construção do ato final em termos de energia é feita com bastante competência. A montagem mais uma vez trabalha bem e mesmo com tantos cortes o espectador não perde o foco. Para o mal, fica o previsível. Aguardávamos por uma daquelas plot twists de bagunçar a cabeça, em troca recebemos um encerramento, não esperado, mas que foi se desenhando durante a narrativa. “O Passageiro” conta com um ator comprometido e um diretor disposto a divertir. Só que a história batida e sem novidades não permitem ao filme ser mais do que ele anunciava.
Nota: 6,5
– Renato Caliman (fb.com/renato.caliman) escreve no #CineMarmita: https://cinemarmita.wordpress.com