Texto por Adriano Mello Costa
“O maior perigo para o homem é o próprio homem” é uma frase que, por mais que tenha estilo de filosofia barata, não deixa de ser uma grande verdade. Ela está presente em “Um Estranho Numa Terra Estranha” (“Stranger in Strange Land”, no original), obra bem importante da ficção científica escrita pelo norte-americano Robert A. Heinlein em 1961. O livro ganhou nova edição nacional pelas mãos da editora Aleph em 2017, com 576 páginas e tradução de Edmo Suassuna contendo um devotado prefácio do Neil Gaiman.
“Um Estranho Numa Terra Estranha” nasceu primariamente do desejo do autor em escrever algo mais “adulto”, pois fazia muitas obras juvenis nos anos 50, e conseguiu ir bem longe. Ganhou o prestigiado prêmio Hugo (assim como outras três obras de Heinlein – como “Tropas Estelares”, de 1959), virou referência na contracultura dos anos 60 e gerou muita, mas muita discussão sobre os temas nele envolvidos.
Na trama deste livro, a humanidade chegou às estrelas, mais precisamente a Marte. 30 anos depois da primeira expedição ao planeta vermelho, outra espaçonave chega e se depara com um improvável sobrevivente. Um humano, nascido em solo marciano, que foi criado diante das concepções e ideias dos habitantes do lugar. Autorizado por esses anciões, ele retorna a Terra para conhecer seu lar, digamos assim.
Assim que Valentine Michael Smith (esse é seu nome) põe os pés na Terra, ainda tentando adequar sua fisiologia as mudanças, cai logo nos braços do governo que, logicamente, busca adequar essa nova realidade da maneira que melhor sirva aos seus próprios interesses. Porém, quando um repórter xereta chamado Ben Caxton e uma enfermeira chamada Gillian Boardman entram no seu caminho, as coisas ficam um tanto mais complicadas.
Nessa primeira parte de adequação, diversos temas surgem com destaque. A questão econômica é uma, devido ao fato desse sobrevivente ser dono ou beneficiário de várias coisas, inclusive até mesmo de Marte pelas esdrúxulas leis terráqueas. No meio das burocracias estapafúrdias, percebe-se de imediato que o autor não terá piedade com isso. Depois que Jubal Harshaw aparece na trama, isso vai além junto com suas excentricidades, polêmicas e mau humor.
A partir desse ponto, o autor foca sua metralhadora com mais ferocidade para dois controversos temas: religião e sexo. Heinlein que nunca acreditou em Deus e teve várias visões políticas durante os anos, nunca apreciou quaisquer governos na plenitude. Foi um escritor repleto de contradições. Ao mesmo tempo em que detonava os temas acima, por exemplo, e expunha conceitos libertários no que tange a questões individuais, apresentava outros que iam contra isso, além de sempre exibir misoginia em seu texto.
Mesmo publicado em 1961, a essência de “Um Estranho Numa Terra Estranha” foi calcada nos anos 50 e é de lá que vem os conceitos que ele tenta quebrar ou, involuntariamente, até amplificar. Há de se imaginar o choque causado por isso na época. Lido hoje, “Um Estranho Numa Terra Estranha” causa rebuliço um pouco menor e até incomoda por outras questões (como o tratamento das mulheres na trama, ainda que sejam de vital importância), apesar de se entender que isso é retrato do tempo em que foi gerado.
Contudo, naquilo onde é mais animalesco e brutal, a obra de Heinlein é devastadora, não deixando pedra sobre pedra. Revertendo conceitos religiosos a cada momento e explorando a farsa embutida em quantidades generosas dentro das igrejas e principalmente das pessoas que as comandam e que revertem qualquer coisa em “divina” desde que lhe sirvam bem, o livro explora e explode questões ainda bem vívidas dentro do nosso mundo. Mesmo tanto tempo depois.
Nota: 8
– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop: http://coisapop.blogspot.com.br