Texto por Rafael Donadio
Fotos por HAI Studio
O embargo realizado pelo Ministério Público, no início de 2017, na casa que abriga o coletivo curitibano Arnica Cultural reflete o retrocesso político e cultural que vivemos em todo o país. A resistência ouvida, vista e sentida na primeira edição do Festival Estopim, realizado pelo próprio coletivo, nos últimos dias 15, 16 e 17 de dezembro exibe a força dos artistas na luta contra essa opressão. Como bem disse Alexandre Osiecki (fundador e produtor do Psicodália): “A conjuntura política não ajuda os festivais, independentes ou dependentes de patrocínio privado e/ou público. Mas é exatamente essa dificuldade que faz os grupos se fortalecerem e se juntarem”.
O sexteto que compõem a banda Trombone de Frutas e gerencia a Arnica Cultural, espaço que já recebeu artistas do porte de Metá Metá, Curumin, Nomade Orquestra, Apanhador Só, Di Melo, Yuck e muitos outros, mostrou que não se calará tão facilmente. O Festival Estopim colocou em pauta, no primeiro dia, de conversas e trocas, as dificuldades, impasses e possíveis soluções de se produzir música, festival e arte no Brasil. Na calmaria de boas conversas, a polícia não apareceu e não viu problema nenhum ali pelos cantos do bairro Bigorrilho. Mal sabem que o grito foi alto. Muito alto.
As trocas começaram cedo com a mesa “Fazendo o Rolê” e a presença de Salma Jô e Macloys Aquino, da banda Carne Doce, Kaila Pelisser e Katherine Zander, da banda Cora, e Madu e Vitor Salmazo, do grupo Machete Bomb. Mediada por Heitor Humberto, os grupos e a plateia discutiram sobre a dificuldade de se auto produzir, a importância dos shows e a dificuldade, principalmente dos curitibanos ali presentes (Cora e Machete Bomb) de entrar no circuito independente de festivais. Também ressaltaram a importância dos selos, também independentes, na produção e divulgação das bandas, neste caso específico da Cora, que trabalha com a PWR Records (PE) e com Honey Bomb Records (RS).
“Selos foram essenciais para nos entendermos como produto. Entender o próximo passo após o cair da ficha: ‘eu sou artista’. Selo te dá um norte do que fazer. Além da importância da parte mercadológica, que pode ser honesta”, declararam as meninas da Cora. Por outro lado, Salma ressaltou o papel dos selos para toda uma cena ser construída e fortalecida: “Mesmo não trabalhando com nenhum, a gente sabe que quando vamos tocar em alguns lugares, os selos locais são fundamentais para o show acontecer”.
Logo depois, Michelle Hesketh (Musicletada e Ruído CWB), Alexandre Osiecki (Psicodália) e Jonas Bender Bustince (Festival Enxame) participaram da mesa “Amplifica Aí”, mediada por Bina Zanette, para traçar um panorama dos festivais que movimentam o Sul. Todas as histórias ali compartilhadas têm uma situação em comum: os quatro festivais surgiram da falta de espaço para as bandas tocarem, cada um na sua região e no seu tempo. E também todos ali presentes chegaram a uma conclusão: Estopim e os demais festivais são apenas alguns passo, tem muita banda precisando de espaço em Curitiba, no Paraná e pelo Brasil afora.
Para finalizar a primeira noite do Estopim, a noite “silenciosa”, a mesa “Buracos no Teto” reuniu Toni Aiex (TMDQA), Rodrigo Chavez (Arnica), Matheus Mantovani (Onça Discos), Hannah Carvalho e Leticia Tomás (PWR Records) e Luciano Faccini (Água Viva Concertando Artístico) para discutir sobre as iniciativas que reinventam as cenas independentes. E como bem pontuou Leticia, “Independência foi a palavra-chave”. E completou: “Vimos que se não tivesse ninguém movimentando a cena e as bandas com mulheres no meio independente, nada aconteceria.” PWR Records é um selo recifense que lança apenas trabalhos que tenham mulheres na formação.
No sábado, onde o barulho estava liberado, no Hermes Bar, os gritos por liberdade e pela cultura soaram ainda mais fortes. Mulamba (Curitiba, PR) subiu ao palco às 22h e levou o público ao auge já na primeira apresentação, com os dois grandes hits “Mulamba” e “P.U.T.A”. A última, com direito a solo de dança de Flávia Massali, que no meio de uma roda no público que já lotava o local, emocionou a todos, inclusive ao sexteto que tocava e apreciava o show de Flávia. E nada mais a dizer de uma banda que consegue dar um peso ainda maior, mais rock’n’roll, à música “Maria de Vila Matilde”, de Douglas Germano e imortalizada pela Mulher do Fim do Mundo, Elza Soares.
O Carne Doce (Goiânia, GO) manteve o público atento e suado, sempre no auge, dançado e acompanhando a bandleader Salma Jô, que, da mesma forma, dançava, se contorcia e suava em cima do palco. Como sempre, com muita maestria, ela cantava e entoava seus gritos característicos que penetram a alma. Para finalizar e mandar todos para casa com a roupa ensopada, os donos da festa, Trombone de Frutas, fizeram seu baile. Sempre com um humor sarcástico, os trombonistas frutíferos apresentaram as músicas dos dois álbuns da carreira. E após essa enxurrada de adrenalina, alguns guerreiros ainda aguentaram na pista, sob o comando de DJ Baqueta.
Para tirar todos da ressaca do dia anterior – principalmente daqueles que abusaram dos drinks caseiros e deliciosos – e também daquela clássica e já esperada ressaca de domingo, a primeira banda do dia 17 subiu ao palco com apenas meia hora de atraso, nada que tenha preocupado os presentes, que já voltavam aos drinks. Tuyo (Curitiba, PR) e o seu folk futurista acordou e levantou a galera e fez muito mais que o papel de “banda local”. Fez um show digno de banda principal.
Com a galera já fora da prostração de domingo, Tagore (Recife, PE) trouxe, mais uma vez, o psicodelismo nordestino para os palcos curitibanos, e colocou todo mundo para dançar e fritar. Também já ambientados com os palcos da capital paranaense, Francisco, El Hombre (Campinas, SP) levou todo mundo ao êxtase com alguns hits do verão: “Triste, Louca ou Má”, “Calor da Rua”, “Bolso Nada” e “Tá Com Dólar, Tá Com Deus”. O bis da Francisco veio para resumir a representatividade dessa primeira edição do Festival Estopim – desde as conversas “silenciosas” até todos os shows –, que mostraram a força das mulheres, da música e dos artistas independentes. Aos gritos, todos se deliciaram com o refrão de “Não Vou Descansar Até o Temer Derrubar!”.
– Rafael Donadio (Facebook: rafael.p.donadio) é jornalista do Diário do Norte do Paraná
O mais interessante de tudo isso, minha opinião, claro, é o fato de uma banda (ótima por sinal) acumular o papel de articuladora numa capital do tamanho potencial que Curitiba tem e insiste em não aproveitá-la.
O Trombone de Furtas também tem a curadoria em um dos palcos de um festival maior, e também novo no calendário da cidade, o Festival Coolritiba, ou seja, aos poucos pinta uma nova perspectiva de maior fluidez de eventos e oportunidades para consumir e descobrir música independente. Parabéns aos envolvidos, seguimos em frente!
só faltou a foto da única banda preta do festival HAHHAHAHA <3