Resenhas por Adriano Mello Costa
“Hinterkind – Os Desterrados: O Despertar do Mundo”, de Ian Edginton, Francesco Trifogli e Cris Peter (Panini Comics)
Durante séculos a humanidade foi a espécie dominante do planeta. Usou e abusou da natureza esgotando os recursos naturais de acordo com interesses próprios. No entanto, todo esse poder foi embora em apenas sete meses. A raça humana foi praticamente dizimada por uma peste sem nome que se alastrou pelo mundo devastando tudo que via na frente. Nesse cenário pós-apocalíptico animais selvagens passaram a ser donos das ruas e cidades e lendas reapareceram para brigar pela posse do planeta. Personagens comuns em livros e histórias antigas como elfos, fadas, centauros e trolls saem do esconderijo que habitaram e reclamam a terra novamente para si. “Hinterkind – Os Desterrados: O Despertar do Mundo” mistura esses dois lados citados: a sobrevivência da espécie humana depois da praga e o enxerto da fantasia que transforma a história em algo mais. Lançada nos EUA dentro do selo Vertigo, ganhou edição nacional esse ano pela Panini Comics em um volume de capa cartonada com 148 páginas que traz as edições originais de 1 a 6 publicadas entre dezembro de 2013 e maio de 2014. A história é criação do britânico Ian Edginton (Planeta dos Macacos) e tem como grande destaque a belíssima arte do italiano Francesco Trifogli com as cores da brasileira Cris Peter. O selo Vertigo é – já faz algum tempo – o único resquício de boas histórias da DC Comics dentro dos quadrinhos e isso não é diferente com “Hinterkind”. Uma trama bem contada, com algumas ornamentações de segundo plano, com arte de encher os olhos, que habita dentro do “universo geral” da fantasia do selo composto por coisas como “O Inescrito” e “Fábulas”. Usando de conceitos já explorados anteriormente e fazendo estes fluir em nova aventura, Ian Edginton foge o máximo que pode do lugar comum desse tipo de enredo e proporciona ao leitor uma atrativa pedida.
Nota: 7
“Tabloide”, de L.M. Melite (Editora Veneta)
O quadrinista paulista L.M. Melite é responsável por um trabalho dos mais intrigantes no cenário nacional dos últimos anos. É obra dele “Desistência Azul” e “Dupin” (ambos lançados pela Zarabatana Books) e “Leviatã” (que saiu na revista Café Espacial 13). Suas histórias sempre apresentam um ponto mais fora da curva, seja no experimentalismo da arte ou no traço em alguns momentos, seja na concepção do roteiro e narrativa em outras, gerando um resultado digno de nota. Esse ano chega às livrarias mais uma obra sua intitulada “Tabloide” que foi contemplada pelo PROAC (Programa de Incentivo à Cultura de São Paulo) e tem publicação caprichada em capa dura pela editora Veneta. Com 136 páginas e em cores, Melite narra as desventuras de Samantha Castelo, uma jornalista que tem atração por histórias estranhas e sobrenaturais, dona que um pequeno jornal que narra esses fatos enquanto os demais não estão nem aí. Samantha é cínica ao extremo, desbocada, bagunceira, fora do peso, pouco higiênica, cheia de artimanhas para conseguir o que quer e enxerida como uma jornalista criminal deve ser. Quando se depara com um homicídio que tem um cadáver vestido de noiva trancado dentro do porta-malas de um carro afundado, ela não se contenta com o descaso geral da polícia e resolve atropelar para conseguir a matéria. Nesse percurso é auxiliada pelos poucos que lhe cercam como o fotógrafo Horácio e o ex-patrão e atual “conselheiro” Bogus para entrar no submundo de São Paulo se deparando com bizarrices e segredos guardados a sete chaves. Enquanto o thriller policial avança com as descobertas, o autor aproveita para contar um pouco mais sobre a protagonista e os cadáveres pessoais que ela tranca no armário. “Tabloide” é um dos grandes lançamentos nacionais do ano, que ratifica de vez o trabalho do seu criador e deixa o leitor torcendo para que no futuro venham mais histórias de Samantha Castelo.
Nota: 9
“Paciência”, de Daniel Clowes (Editora Nemo)
Quem pelo menos uma vez não pensou em voltar no tempo para ter uma atitude diferente ou impedir algum fato? É difícil que esse desejo não tenha permeado pelo menos uma vez a mente e é esse mote que o quadrinista Daniel Clowes usa em “Paciência” (Patience, no original). O autor é um dos nomes mais respeitados do mercado alternativo dos EUA e com esse trabalho quebra anos de jejum sem lançar nada. Nessa “viagem cósmica através do espaço-tempo rumo ao infinito primordial do amor eterno” (como diz a espécie de subtítulo), somos apresentados a Jack e sua esposa, que empresta o nome a graphic novel. Os dois são apaixonados, duas almas incomuns que acharam um no outro o suporte para tocar a vida. Aqui o autor traz de “Wilson” (publicada aqui pelo selo Quadrinhos na Cia.) a completa falta de vontade de socialização com a humanidade transportada agora para o casal. Enquanto Jack busca emprego e grana, pois a esposa está grávida, ela tenta fazer as pazes com o passado. Tudo muda quando ela é assassinada junto com a bebê que carregava na barriga. Jack é tomado pela obsessão de achar o assassino e isso guia sua vida para frente. Muitos anos passam e ele já se encontra sem esperanças quando acha uma maneira de voltar ao passado, o que dá novo gás a caça e faz com que ele descubra diversos segredos da falecida mulher. “Paciência” foi lançado nos EUA em 2016 e chega agora ao Brasil pela editora Nemo, com 184 páginas. É um trabalho completo onde o texto, a imagem e a formatação dos quadros servem diretamente um ao outro para formar um estupendo conjunto. É uma obra viva, com cores e mais cores se alternando para provocar as sensações do leitor, uma excelente ficção científica que trata com brilho do tema mais antigo de todos: o amor.
Nota: 9
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) assina o blog de cultura Coisa Pop