por Janaina Azevedo
Certo dia pensei: por que não entrevisto o Frank Jorge? (A última entrevista de Frank para o Scream & Yell foi em… 2000!) Procurei um contato, encontrei o e-mail da universidade onde ele leciona e coordena uma graduação, e enviei uma mensagem. A resposta veio em uns três minutos. Ele toparia conversar comigo naquele dia mesmo, mas o encontro só aconteceu dois dias depois, em um café em Porto Alegre, para uma hora e quarenta das mais espontâneas histórias que Frank revela com detalhes, preocupado em fornecer o contexto daquilo que está falando.
Fui com um caderno cheio de perguntas, mas usei pouquíssimas. Frank lançou um disco em agosto do ano passado e o assunto natural seria esse. Mal sabia eu que, em se tratando de Frank Jorge, a conversa ganha vida própria, com personagens entrando e saindo de cena toda hora e análises francas do multiartista que o jornalista Alexandre Matias já chamou de O Papa do Rock Gaúcho. Bem, depois de ler essa entrevista, tu vais entender porque, caso o rock gaúcho fosse uma religião, Frank Jorge ocuparia alguma das mais altas posições eclesiásticas.
Jorge Otávio Pinto Pouey de Oliveira, que completa 51 anos no próximo dia da Revolução Farroupilha (20 de setembro), casado e pai de três filhos (todos inclinados à música, como ele), tem duas bandas aposentadas (Os Cascavelettes, com o qual lançou o primeiro EP, homônimo, em 1988; e a Cowboys Espirituais, participando do álbum de estreia, de 1998, e de algumas faixas do segundo disco, “Deluxe”, de 2000), uma em atividade ocasional embora frequente (Graforréia Xilarmônica, com quem já lançou dois álbuns de estúdio, um ao vivo e três fitas demo) e quatro discos solos.
Frank também é escritor, foi apresentador de TV e gestor de cultura no município de São Leopoldo, e hoje concilia música e família com academia. Coordena e leciona no curso de Produção Fonográfica da Universidade do Rio do Sinos, também em São Leopoldo, e prepara para a defesa de sua dissertação do mestrado no Programa de Ciências da Comunicação da Unisinos. O tema pesquisado por Frank é o algoritmo do Spotify. A banca está marcada para junho. Esta entrevista ocorreu após um compromisso de Frank com a preparação do ano letivo da graduação, em fevereiro deste ano. O primeiro assunto a surgir naturalmente foi a graduação…
Frank -… o nome atraiu muita gente e foi muito passível de chacota (o primeiro nome do curso foi Produção de Rock). Hoje em dia, o rock perdeu totalmente aquela prioridade que tinha. Como o Mini Bittencourt (Gustavo Bittencourt, da Walverdes) diz, e eu adoro, o rock era o nosso principal código cultural. O jeito que tu ia ser, falar, se vestir, passava pelo que as bandas de rock que tu gostava faziam. Isso mudou totalmente. Hoje em dia é um ator de um seriado, um youtuber, um cara do hip hop. O rock não acabou, ele segue existindo e tendo muitos fãs, tem turnês do Black Sabbath, do AC/DC, do Arctic Monkeys ou do Queens of the Stone Age, mas já não é mais a bandeira principal de identificação jovem. Atualmente pode ser o rap, o grafite, o cara que faz quadrinhos. Pulverizou o que antes era, digamos, o código cultural principal. Não é nem pro bem nem pro mal, acho que até mais pro bem, pra se reinventar também. Volta e meia vai surgir banda fazendo rockabilly dos anos 50, coisa tipo anos 60, e bandas fazendo som de hoje. Nunca fui dos profetas do apocalipse, de achar que está tudo horrível. Sei respeitar, entender o que é o showbussines e que quem acaba aparecendo muito é porque se empenhou, não só pelo talento, mas pela parte executiva. Acredito muito nisso.
E foi por isso que o nome do curso mudou?
Não, o nome mudou há uns quatro ou cinco anos. É que no contexto em que ele surgiu, o rock como código cultural fazia muito sentido ainda, lá em 2005, 06, 07. Então o que aconteceu é mais uma medida institucional, acadêmica, porque existem cursos do Brasil com essa denominação, que é curso tecnólogo de Produção Fonográfica do catálogo do Ministério da Educação, que é amplo e tem em Recife, no Rio, tem ali, tem aqui. Tinha uma cadeira chamada História do Rock, mas eu ia ver música popular, jazz, blues, country, bossa nova, jovem guarda, tropicália. O nome não era de maneira alguma reducionista, “ah só fala em rock aqui”, não era isso, é um curso que fala sobre gestão da carreira musical.
Qual é o perfil dos alunos?
Talvez a primeira turma tenha sido a que veio mais roqueira, que era fã de rock and roll, de heavy metal, tudo em função de certo marketing e do título do curso. E foi super legal, uma turma bem legal, 29 alunos, mas com o tempo foi começando a aparecer aluno DJ, que tem empresa de locação de equipamento, que adora música eletrônica, mas é fã de MPB, aluno do sertanejo, foi pintando de tudo que tu pode imaginar. Então não tem um perfil. Quem deve procurar curso de Audiovisual, também é a mesma coisa. Tem gente que adora comédia, drama, musical, é a mesma coisa. Quem busca literatura, o cara gosta de, sei lá, narrativa, ficção, conto, poesia, romance, enfim. Então acho é normal num curso que lida com música, que cada um tenha uma bagagem, um gosto bem diferente. E isso é o legal! O colorido que o curso acaba proporcionando. Tem uma aluna muito boa compositora, que é de Canela (Serra Gaúcha), que está se formando agora. Ela tem uma banda indie rock muito boa, canta em inglês, compõe em inglês. Na mesma turma dela tinha um cara de Guaíba (região metropolitana de Porto Alegre) que é sertanjeo universitário. São amigos, são colegas.
A banda que Frank menciona chama-se Urso Polar, um trio autor do EP “We Don´t Mean That Much”, que pode ser ouvido aqui https://ursopolar.bandcamp.com. Bianca Rhoden, uma jovem aluna da graduação, canta e toca na banda.
E os alunos vêm de onde? Tem algum de fora do Estado?
Já teve gente do Paraná, do interior de São Paulo, mas a maioria é região metropolitana de Porto Alegre, Vale do Sinos, gente da Serra, tudo que é lugar que tu imagina. Tem quem veio do interior e se mudou para São Leopoldo (onde fica o campus principal da Unisinos), tem alunos de Santa Maria, que vieram morar em São Léo e depois, para Poa, trabalhando e se inserindo em estúdio.
Esse mercado tá onde?
Não é só pra vender o peixe, mas não tenho como não falar de modo otimista. Uns entram no curso, aproveitam, conseguem fazer amizades. As nossas aulas de produção de gravação são em estúdios verdadeiros em Porto Alegre. A gente aluga por X encontros, pros alunos terem aula. E os mais aplicados se entrosam, se enturmam com os donos, com os operadores. Isso é um mercado. Não que tenha um mega volume de estúdios, suficiente para inserir alunos em todas essas situações, mas é um mercado, se tu for procurar tem alguns. Na verdade é o aluno que tem que se enxergar querendo trabalhar em tal lugar e querendo construir uma condição de poder trabalhar na Tech Audio, no Soma, no Music Box, no Audio Porto (todos estúdios de Porto Alegre). Alguns vão poder receber os alunos. E tem os (alunos) que vão trabalhar em rádio, de operador de som, que vão para produtoras de áudio. Os que vão criando as suas escolas de música. Então isso é bacana. Um curso de música por si só já gera essa perspectiva da ansiedade: “Ah, ele consegue emprego?” Mudou muito essa noção. Os caras conseguem trabalhar, conseguem estágios, não necessariamente um super emprego, mas uma inserção, e dali ele vai talvez criar o seu próprio trabalho, ser seu próprio chefe, ou cogitar um curso no exterior, contar com mais experiência. São coisas interessantes de se observar. Daria pra dizer de uma forma bem otimista que tem mercado para caramba.
É uma questão de pessoa ir atrás…
O cara pode cursar Unisinos, IPA, UFRGS, seja o que for: se ele não se dedicar, criar um bom networking, milagre não se faz. O cara tem que se puxar, não tem que achar que é mega talentoso e precisam bater na porta dele: “Ah como tu é bom”. Tem que botar as caras. Hoje em dia, ainda que existam gravadoras, plataformas de streaming, etc, os caras podem já independer de gravadora. Compõe, grava, lança. Acho isso bem importante, é realmente outra época, tu tem mais ferramentas, mas tem que correr bastante. As oportunidades não caem no colo.
Bem, e tu é formado em Letras. Se tivesse tido a oportunidade de fazer esse curso…
Ah eu faria.
…e tu acha que algo teria sido diferente na tua carreira?
Essa pergunta já me fizeram e ela é boa. Basicamente procurei Letras porque gostava muito de literatura e me enxergava muito mais escritor do que professor. Não me arrependo de ter feito Letras, por mais que não tenha seguido como professor na área de literatura, redação, língua portuguesa. Mas tive aula de didática, prática de ensino, tive que dar aula pra ensino fundamental e médio, estágio. Elas (as aulas) ficaram lá bem guardadas. Então muito do surgimento desse curso tem a ver com a quantidade de coisas que a gente foi desenvolvendo e aprendendo a fazer na carreira artística, no andar da carroça. Foi aprendendo a fazer um bom release na imprensa, a editar uma música tua na editora, a negociar com uma gravadora, a ler um contrato. A se relacionar com plateia, com dono de casa noturna. Então todos esses saberes que tanto eu quanto um monte de gente fomos aprendendo, como se diz, “na lida”, tudo isso a gente transferiu, não só eu mais vários professores, para essa grade curricular desse curso, onde tu tenta dar uma boa ideia de como funciona esse mercado. Independente de ser um mercado que se reinventa muito. Às vezes o aluno pode ter boas ideias de como fazer isso ou aquilo, então o que te digo, e não é exagero, puxa-saquice nem nada, mas se eu tivesse lá… eu entrei no curso de letras em 86. Formei em 92, levei um tempinho a mais, tive filho nesse meio tempo, e tocava nos Cascavelletes. Então, se tivesse lá com 19 pra 20 anos em 86, e tivesse esse curso, nessa época, teria feito esse curso. Tranquilamente. Essa noção pedagógica que o curso de Letras tem me serviu muito agora, nesses 10 últimos anos. Mas fiz um monte de outras coisas, trabalhei na Secretaria de Cultura, em produtora de áudio, na Usina do Gasômetro como gestor, no Sarau Elétrico. Nunca parei, sempre fui um cara dizendo sim para oportunidades que apareciam, coisas que eu nem estava procurando e surgiam. Mas não que eu não corresse atrás. As oportunidades surgiam porque eu me mexia, ia pra cá, pra lá. Mas acho isso bem claro: é um curso que eu faria se ele existisse lá na minha época.
E tu acha que isso mudaria alguma coisa na tua carreira?
Acho que sim. Vou te dar um bom exemplo. Uma das bandas em que atuei, que é a minha banda do coração, a Graforréia Xilarmônica. Causalmente tem essa falha, tu já vai entender onde quero chegar. A Graforréia Xilarmônica tem dois discos de estúdio e um ao vivo e nenhum dos três está nas plataformas de streaming. E eu tenho lá os meus quatro (discos) solo, direitinho.
Mas (os discos da Graforréia) estão no YouTube!
Estão no YouTube, é um outro streaming, ok. Mas, voltando: o que que eu mudaria? Sempre foi uma coisa de não fazer lá grandes planejamentos, as coisas que a gente conseguiu, por mérito próprio e por amizades também, de lançar pela Warner/Banguela. Foi um momento muito bom, um certo ápice, auge da banda. Só que o que a gente não fez? Diferente de Raimundos, Mundo Livre SA, a gente não foi morar em São Paulo por um período da vida.
E tu acha que isso fez diferença?
Fez toda a diferença do mundo para essas bandas. E para a gente fez. Não que isso seja um reconhecimento de um fracasso. Acabou rolando, tem maneiras e maneiras de encarar as coisas que tu realizou, tu não tem que fazer uma terra arrasada, né. Todas essas bandas (do selo) de uma forma ou outra moraram um período em São Paulo, porque é onde tinha a MTV, a Editora Abril, a revista Bizz.
E um público muito maior, também…
Um público maior, né. Ou tu ia pro Rio também, tem todo um cenário, TV Globo, gravadoras. Até o Odair José, de Goiás foi morar no Rio. Ele dormia na praia. O artista, quando acredita no seu trabalho e quer levar a carreira adiante, ele tem que ficar um tempo (fora). Por mais que tenha mudado bastante essa descentralização, tem polos legais em todo o país. Era e ainda é fundamental essa repercussão e aceitação que vai ter para o resto do país por tu estar lá no Rio ou em São Paulo. Se a Graforréia na época tivesse um pouco mais de maturidade, pesasse com mais seriedade… o Carlo (Pianta, guitarrista) e eu já tínhamos filhos pequenos. Mas ainda era um contexto em que valeria a pena ter tentado ir pra lá, ficar um pouco afastado, mas plantar algo. Isso posso dizer seguro. A gente fez coisas bacanas ficando aqui igual, mas se tivesse ido pra lá, o nome da banda Graforréia Xilarmônica, em termos de alcance, seria maior.
Como fez o Engenheiros…
Engenheiros mata esse assunto de uma maneira legal porque eles foram morar no Rio de Janeiro, já que a gravadora deles era de lá. Então, o que estou falando não é exagero, não é caduquice. Tenho amigos que fazem um monte de coisas legais no cenário underground, com festivais, e que são contra essa máxima, que não é necessário ir pra São Paulo. Acho que é legal no mínimo o questionamento, nem que seja em termos de circulação. É legal tu volta e meia ir tocar em SP. Não só de aventura, botar quatro ou cinco guris num kitinete. Tem que estar com um produtor, alguém que faça a coisa acontecer lá. Daí se já se organizou, fez show aqui seis meses, guardou grana, sei lá, conseguiu um patrocínio, pra bancar seis meses. Tenta seis, oito meses, se não der certo aí sim, volta. Mas acho que não tem regra. A história do rock universal tem a ver com isso que estou te falando. Bob Dylan era de uma cidadezinha chamada Dulugh, lá do interior, uma cidade de mineiros (fica no estado de Minnesota). E trabalhava na loja de eletrodomésticos do pai dele. E se deu conta: “Bah, tenho que sair daqui”. Ele se tornou Bob Dylan porque foi pra Nova York (em 1961). Beatles é a mesma coisa, só que eles tiveram outro jogo, saíram de uma cidade portuária, iam para Hamburgo, e depois sim, tiveram que plantar uma sementona e se desenvolver na capital, Londres. Então, tu enxerga essa teoria?
Outro que fez isso foi o Kurt.
O Kurt era de Aberdeen daí foi pra Seattle…
...e antes passou um tempo em Olympia.
Isso! Os Smiths eram de Manchester, tiveram que se consolidar em Londres. Essa minha teoria não é exagerada.
O máximo que a banda passou em termos de permanência em São Paulo para trabalhar, como lembrou Frank, foi durante a gravação da participação em uma coletânea chamada “A Vez do Brasil”, lançada pela gravadora Eldorado junto com a rádio 89FM, capitaneada por Carlos Eduardo Miranda, que mais tarde lançaria a banda pelo Banguela. A faixa gravada na coletânea é “Eu”, que consta na demo da banda, “Com Muito Amor, Com Muito Carinho”, que havia saído em 1988. O trio ficou por cerca de três semanas trabalhando em São Paulo.
Uma pausa nesse raciocínio pra voltar, de novo, à questão do curso. Se tu tivesse feito o curso (de Produção Fonográfica), tu acha que vocês teriam essa visão sobre se mudar pra São Paulo, na época da Graforréia?
Sim. A gente era muito os guri da cidade, os cara que gostam de estar com a família, a namorada, churrasco no final de semana, futebol, colorado. Não tinha um olhar um pouco mais sério sobre a carreira musical. Seria importante ir pra São Paulo: “Vamo lá, vamo juntar os troco”. A gente acabou não tendo essa maturidade de ver que isso seria muito importante. Pega artistas como a própria Adriana Calcanhoto, Cachorro Grande, Fresno, pô, são artistas que foram morar (fora). É diferente. Não que não tenham músicos radicados aqui que saibam fazer essa circulada. Também tenho bons exemplos de caras que são daqui, gostam daqui, mas circulam bem. Três nomes: Vitor Ramil, que circula muito por Argentina e Uruguai, não sei se já fez Europa. Borghetinho (Renato Borghetti, gaitista), que toca todos os anos na Europa, no resto do Brasil, e é um cara daqui, bagual. E Nei Lisboa. (Ainda tem) Nenhum de Nós, Papas da Língua, caras que são daqui e acabaram achando melhor ficar aqui, e têm um nicho do mercado no interior do Estado. O Humberto (Gessinger) é um cara que mora aqui, esse sim pra música pop e rock é o grande cara que faz show em todo Brasil. Tem fãs no Brasil inteiro e isso é um mérito. Mas ele teve um período de morar bastante lá (no Rio).
Bom, mas voltando à Graforréia. A fita demo, “Com Muito Amor, Com Muito Carinho”, vai fazer 30 anos ano que vem…
Por mais que a gente tenha repertório, shows, discos… a banda sempre foi um pouco out. A gente tem uma capacidade de criação muito grande, mas nenhuma banda sobrevive se não tiver um produtor, um empresário, alguém que faça de maneira bem feita não só a parte de shows como de imprensa. Isso tudo a gente foi fazendo de acordo com as nossas condições, não que a gente não fizesse bem, mas sendo sempre uma sobrecarga. Então a banda teve méritos do ponto de vista de surgir num clima muito interessante, de ter uma linguagem muito própria, e isso desde cedo foi uma marca. A gente foi muito bem recebido pelo público, me atreveria a dizer que mesmo a gente sendo uma banda meio esquisita, meio doida, sempre tivemos um excelente público fã. Mas mesmo que a gente tivesse amizade, prazer em existir como banda, a gente sempre foi indo meio… às vezes com período de mais mobilização, mas normalmente era uma atividade a mais nas nossas vidas. Em alguns momentos tinha uma mobilização X: “Vamos gravar com o Miranda aqui no estúdio que nem existe mais, perto do Zaffari Higienópolis, na Eduardo Chartier (em Porto Alegre). Vamos ensaiar antes tantas semanas pra entrar em estúdio e ficar só concentrado em gravação”. Ok. E todo mundo se organizava, se estruturava. A Graforréia teve um período na sua formação com um de seus criadores presente na banda, que é o Marcelo Birck. Boa parte do repertório que a banda tocou foi feito pelo Marcelo e por mim. Há exceções, uma só minha, uma só dele e algumas com o Carlo Pianta, mas a banda teve um primeiro momento como um quarteto, o Alexandre e o Marcelo Birck, Carlo Pianta e eu. O Marcelo em seguida saiu.
Isso era na época da demo?
Sim. A banda teve, entre 87 e 88, uma existência em Porto Alegre, mas acho que por 89, 90, meio que terminou oficialmente. Mal sabíamos que a gente ia voltar três, quatro vezes. O trio (Frank, Alexandre, Pianta) é que vai gravar a tal da coletânea com a Eldorado e a 89FM. O disco saiu em vinil e CD, ainda tinha vinil, era 91, 92. Foi a nossa ponte pra gravar o disco (“Coisa de Louco 2”) pela Banguela, mas teve show de lançamento em São Paulo, pelo selo. E esse trio, nesse período, trabalhou um monte a banda. Divulgou, fez show, gravou clipe. A gravadora pagou. Mesmo com o orçamento apertadinho, se estruturava pra fazer a gravação do disco, a locação de estúdio, a concepção toda do disco, um clipe e um show de lançamento. O Banguela estava vinculado a uma major, mas tinha uma formatação muito a fim de trabalhar bem bandas alternativas com pouco orçamento. Bom, então a Graforréia dos 90, 2000 em diante, seguiu se divulgando. Teve um período que entrou um amigo na guitarra, o Eduardo Christ, que, embora não fosse compositor, era bacana, instrumentista, compositor de um modo geral, mas não muito na banda. (Ele) Agregou por ter outra guitarra. Foi legal. Ele é advogado e foi divertido tocar com ele, mas ele não seguiu com a carreira musical, acabou saindo. É um cara muito bacana, muito querido, está no “Chapinhas de Ouro” (segundo disco oficial da banda, de 1998). E daí, tchê, no início dos 2000, fim dos 90, volta e meia quando as bandas davam uma esfriada, eu inventava outras bandas, como o Cowboys Espirituais, com o Júlio Reny (de Júlio Reny e o Expresso Oriente) e o Petracco (Márcio Petracco, ex-TNT). Dei início ao meu trabalho solo, que eu achava que era mais um hobby, de gravar uma músicas minhas com o Thomas Dreher (produtor gaúcho) no estúdio. O Iuri Freiberger, produtor e cara da Tom Bloch, disse: “Cara, esse teu repertório aí… Tem um trabalho solo do Frank Jorge, mesmo que tu não queira”. E eu: “Puta merda, é verdade”. Acabei encarando, e saiu lá o primeiro disco, “Carteira Nacional de Apaixonado” (2000). Em meio a tudo que fiz nesse meio tempo na vida, e ainda gerenciar filhos, eu vejo com muito orgulho que tenho quatro discos gravados de estúdio, já muito pilhado em fazer o quinto, ainda que tenha que terminar o mestrado logo. Tenho muita música composta, e não falo de bobalhão pra dizer que tenho quantidade. Tenho regularidade de compor, leio e toco em meio a tudo que tenho que fazer durante o dia. Sempre leio e toco violão….
…é uma coisa da tua rotina?
É. Tocar, compor, ler são coisas da minha rotina. Como caminhar, respirar. E daí o caso da Graforréia Xilarmônica, pra tentar sintetizar. Rolou um festival, Morrostock, que é no meio do mato, lá em Sapiranga (região metropolitana de Porto Alegre). Não sei se foi em 2011, 12… A gente convidou o Marcelo (Birk) pra tocar com a gente num show…
Mas a Graforréia tava existindo nessa época?
Ela existia desse jeito, aparece, faz um show, ou às vezes o cara do interior liga: “Quero fazer um show de vocês aqui na Festa das Rosas, aqui no pub tal”, e a gente acabava indo. Nunca teve a onda de não querer tocar. E daí rolou uma coisa natural de a gente se encontrar na casa dele, onde já tínhamo,s em outros anos, ensaiado com a Graforréia. Rolaram algumas sessões de compor, um método graforréico de composição que tem muito a ver com artes plásticas. Pega uma música de um, a de outro e cola, assim como tu vai fazer uma colagem de artes plásticas. As nossas músicas eram muito assim, tu mistura um andamento, uma levada aqui, põe uma coisa diferente no refrão, uma coisa diferente no final. O processo da Graforréia tinha muito a ver com esse processo de elaboração artística de artes plásticas. Daí a gente começou a fazer repertório e gravou umas quatro músicas, mas fizemos alguns shows, tocamos em Chapecó (SC), em São Paulo…
Foi quando vocês tocaram no Lollapalooza…
Exatamente.
A Graforréia então voltou com a formação original, como quarteto, até 2015, quando entrou em recesso de novo. Teve convites para tocar no ano seguinte, mas não os aceitou. Em janeiro de 2017, o chamado de um dono de bar motivou o primeiro retorno da banda em dois anos. O empresário, com mudança marcada para fora do país, chamou a banda para um show de despedida. O local era o Batmacumba, incrustado na movimentada rua João Alfredo, coração da boemia portoalegrense. Agora, a banda está em formato de trio, sem Marcelo Birck.
(O show) Foi em janeiro. Abarrotou o lugar. 250 pessoas é o que cabia, tinha 253. E foi legal. Agora tem o show do Sesc, em maio (dentro do Festival Magnéticos 90). No dia do show do Batmacumba, recebi uma mensagem desse amigo, que está produzindo esse show em São Paulo, de fazer na mesma noite Graforréia Xilarmônica e Pato Fu. Esse evento não é solto, o Gabriel Thomaz lançou o livro “Magnéticos 90”, em que fala sobre a cena dos anos 90, fanzines, fita demo. E Graforréia e Pato Fu são duas bandas dos anos 90. Nunca teve esse show em nenhum lugar. Eu já participei do show deles. Teve uma vez no Gig Rock (festival extinto em Porto Alegre), do Beco, na Casa do Gaúcho. Mas foram em dias separados. Esse shows (agora) serão na mesma noite. E tchê, na real é isso, a gente tem muito carinho, respeito, muita gratidão pela Graforréia, mas não tem cobrança. Quando falo sobre não ter ido pra São Paulo é uma reflexão, acho que as coisas teriam sido diferentes se a gente tivesse seguido, mas já consegui refletir e administrar bem o que seria uma decepção, uma mágoa. Tanto é que a gente se dá bem e consegue se organizar quando pinta uma oportunidade de show. Tipo isso agora.
E tem mais algum outro show, alguma ideia…
Da Graforréia não, mas solo segue tendo coisas por acontecer.
O solo “Escorrega Mil Vai Três Sobra Sete” saiu em agosto de 2016…
Saiu em agosto e é muito interessante até pra entender como as coisas estão constituídas hoje. Faltou fazer muita coisa pela divulgação desse disco, coisas que ainda vão acontecer. Uma delas, meio básica, é lançar o clipe, que está sendo produzido em animação por um cara que é genial, o Gabriel Renner (quadrinista gaúcho). Ele é fã do meu trabalho, eu sou fã do dele, a gente ficou muito amigo. Vai ser da música “Não é Tão Real”. Mal ou bem, o que fiz junto com a gravadora, que é lá de Passo Fundo (Selo 180), são coisas bem importantes. Rolou o lançamento dele em todas as plataformas em um dia só, organizadinho, estava lá no YouTube, no Google Play, Spotify, Deezer, umas 15 plataformas. O cara me mandou o e-mail com o link, testei todos, vou te mandar. Tu fica impressionado. Deve ter plataforma que eu não conheço
Frank me mandou o e-mail uns dias depois da entrevista. São 13 plataformas com o disco, das famosas como Deezer, Spotify, Google Play e YouTube, até as que, bem, eu, pelo menos, não conhecia: KKBox, OneRPM e 7Digital.
O primeiro lançamento foi virtual foi 26 de agosto, de acordo com o consumo mais presente. As pessoas ouvem música pelo celular, pelo Spotify, seja usuário premiun ou freemium. Daí teve a chegada do CD, atrasou um pouco. Era pra ser 9, 10 de setembro, mas chegou 20 e tantos de setembro, daí abastecemos algumas lojas de Porto Alegre, e o show de lançamento foi em 27 de outubro no Teatro Renascença.
Frank iniciou então a breve turnê de divulgação, que chama de “Escorrega Tour”. Foram shows em Porto Alegre, Gravataí, Passo Fundo, Novo Hamburgo. “Em quatro meses rolaram cinco, seis shows. Não é nem muito nem pouco, é um número”, diz.
Tem que tá permanentemente divulgando, contatando, bolando uma coisa nova. Para o show da Graforréia no Batmacumba gravei pela primeira vez, coisa que eu não fazia, vídeos tocando em casa e postei. Deu bastante visualização. Toquei os baixos da Graforréia sozinho, sem a banda e cantando. E ficou interessante porque são baixos complicados de fazer cantando ao mesmo tempo. Então ficou muito interessante. Fiz aquilo pra divulgar o show. Umas duas, três músicas, baixo e voz. Depois compus outra música pra divulgar o solo, homenageando Santana do Livramento (também foi postada na rede social).
O “Escorrega” é o teu primeiro disco solo com o suporte online. Como impactou na recepção?
Dá pra notar uma baita diferença. Os outros tinham muito a questão de depender da rádio tocar. A ferramenta principal era o rádio, tu lançava o material e ia na Ipanema, na Pop Rock, na FM Cultura, dependia da rádio.
E essas rádios nem existem mais (na verdade a Pop Rock mudou de nome e programação, e a Ipanema foi extinta. A FM Cultura continua transmitindo)…
A Unisinos FM (emissora ligada à universidade) segue cumprindo esse papel. A União FM (rádio de Novo Hamburgo) também. Não é exagero, muita gratidão ao rádio. Hoje está muito virado em notícia, embora tenha rádio de sertanejo, de funk, mas para o rock mudou muito. E pra mim fez toda a diferença ser disseminado pelos meios digitais. Estou no Spotify e mantenho uma média de 10 mil monthly listeners, 10,600 ouvintes-mês. E tem uma música, “Não é Tão Real”, que abre o último disco, que está quase com 60 mil audições (no início de maio, esse número já tinha pulado para 70.300). Acho que são números muito legais para quem não vive só envolvido com a carreira musical. Tenho uma frequência no Spotify, não só colocando conteúdo meu, do meu disco, (mas também) fico fazendo uma interação meio galhofeira meio irônica (falando agora do Facebook), postando frases engraçadas e inusitadas. Não fico fazendo marketing pessoal frequente no Facebook, acho uma coisa muito chata, não que não ponha de vez em quando o link do meu disco, mas 10 vezes mais conteúdo de outras coisas. Gosto de colocar coisas que sejam informações que agreguem algo ao dia daquelas pessoas que estão me acompanhando ali. E acho que isso é uma estratégia boa. Ajuda a dizer que estou vivo, estou pensando sobre isso e sobre aquilo, não falando diretamente sobre política, embora eu poste às vezes coisa de política também, não posso ficar em cima do muro. Mas tento não fazer com que as pessoas recebam uma carga pesada, a vida já está pesada, o dia a dia já está ruim, politicamente, financeiramente, então tento levar algo galhofeiro. E eu acho que isso repercute lá no cara ter uma curiosidade de te ouvir, tipo: “Esse cara não me empurrou goela abaixo a música dele. Já que estou aqui no Spotify ouvindo Anitta, Papas da Língua, vou dar uma espiada aqui no Frank”. Na faculdade, tem o pessoal da comunicação digital, da publicidade. Tu fica observando eles, como interagem, que conteúdo postam. Acho que é um aprendizado grande, a rede social pede pra ser bem utilizada. Mas a rede social não faz milagre. Tu cria o evento no Facebook, cento e tantas pessoas confirmam presença, 300 têm interesse. E isso repercute em tipo 40 pagantes, 20 e tantas cortesias. Às vezes tu acha que vai ter público de 200, 300 pessoas num bar pequeno, e acaba tendo muito menos do que parecia, de acordo com a interação das pessoas lá (no evento do Facebook). Acontece isso às vezes. Ter grana pra investir no teu trabalho, seja num bom instrumento, seja numa boa divulgação, faz toda a diferença ainda. Tu ter cartaz de rua. E tem que pagar o cara. Então às vezes tem que fazer isso também, captar recurso aqui e ali, com amigo, empresa. Tem custo mínimo pra botar um show na rua, roadie, transporte, chamada na rádio, anúncio pago no Facebook, mas são coisas que mostram essa complexidade. Na rede social parece que é tudo de graça. Não, se tu tiver grana pra investir no trabalho, o retorno vai ser muito maior. É meio que uma ilusão que “hoje é tudo de graça”. Não, tu precisa investir. Quando aparece um banner de alguém em destaque no Spotify, aquilo não foi de graça. Material do Prince, por exemplo. O cara tinha morrido lá em abril do ano passado, tinha nada dele no Spotify. Daí agora na semana passada, até em função do Grammy, rolou. Tem um puta banner do Prince (conversamos uns dias depois da chegada dos discos de Prince no Spotify). Alguém pagou. Às vezes aparece assim: “Fábio Junqueira, Só Teu” num banner. Esse cara pagou ou a gravadora, amigos ricos, sei lá. Um cara que tu nunca ouviu falar, mas talvez na cidade dele, é tri conhecido, e resolve dar uma cartada.
O Fábio Junqueira que Frank menciona na entrevista não existe, ao menos não como um artista e autor de um disco chamado “Só Teu”. Foi um exemplo, um personagem fictício criado, aparentemente ali na hora, para exemplificar o que falava. Pesquisei, mas não há menções deste músico, sequer deste disco. Fica para a imaginação de cada um de nós elaborar quem seria e o que cantaria o Fábio Junqueira de Frank Jorge.
Tu vê do nada. Tu tá ouvindo LCD Soundsystem, vê bandas fodas no banner, sei lá, Ed Sheeran, Lady Gaga, e daí… Fabio Junqueira. O cara bancou. Então a grana faz toda a diferença. Isso é uma ilusão das pessoas acharem que não, mas faz toda a diferença. Não que não tenha milagres, coletivos. Teatro Mágico fez isso, é um case, os caras são mega organizados, compraram o próprio som e vendem a sonorização junto, então não existe essa mística só do coletivo, mas é uma ilusão pra achar que ninguém precisa de dinheiro pra divulgar.
E tu ouve música só pelo Spotify? Ainda ouve mídia física?
Sou um cara fominha de leitura, de audição de música, seriados, mas não me canso de ouvir música diariamente. Tenho um amigo que tem muito menos pilha de ouvir música diariamente e que trabalha com música. Ele não tem saco de ouvir banda nova, não está nem aí. Eu não, tenho curiosidade de bandas novas. Aparece Imagine Dragons lá num puta festival: “Da onde saiu essa banda com tanto fã?” Daí tu vai lá e vê que a banda existe desde 2009, 10, já tocou aqui, já tocou ali, blablabla. Se tu trabalha com música e sendo também professor, tu tem que ir assimilando novos fenômenos, novos repertórios, novas bandas. Eu tenho um filtro muito legal, porque tenho filho de 25, 17 e 12 anos. Então eles têm outra maneira de acessar música. Eles sofreram, no bom sentido da palavra, tendo que ouvir uma diversidade de coisas que eu e a minha esposa mostramos. Ouviram Beatles, Roberto Carlos, Odair José, mas foram chegando às bandas que acabaram curtindo mais, RHCP, Eric Clapton. O Erico, meu filho do meio, é muito fã da Gal, via Céu. Ele acabou descobrindo a Gal tropicalista, adora ouvir o primeiro da Gal, e curte Apanhador Só também. Voltando a mim, eu tenho assinatura do Spotify, que normalmente depende de uma boa internet, mesmo que tenha um bom plano de dados. Se tu anda de trem pela cidade, não ouve direito Spotify pelo celular, por mais que queira. Ouço mais em casa. Mas ouço rádios, Unisinos FM, um pouquinho de notícias. E coloco quatro, cinco discos aqui (apontando para o celular). Tenho um IPod também, não ando tanto com ele por medo de assalto. Um IPod com 160 giga. Devo ter abastecido 30 giga. Adoro ele. Já perdi ele mais de uma vez na mesma estante, botava na estante e caía, daí eu ia arrumar uns livros e ele aparecia lá, coitadinho. Mas eu ando aqui com uns cinco, seis discos. Já rolou de ter 30 discos, mas não ouvia nenhum direito. Vou te dar o exemplo do que eu tenho aqui.
Nessa hora, Frank pega o celular e me mostra os discos que tem salvo offline para ouvir, no celular:
Tenho meu último disco, que fico ouvindo, tem letras que eu ainda me atrapalho pra cantar. Sério, a cabeça tem um pouco duma sequela, fui escrever uma letra x e acabei fazendo um jogo de palavras, daí pra decorar aquela porra… Então volta e meia eu ouço as músicas não por narcisismo, mas pra decorar direito as letras, é uma tentativa. Mas no trem tu te dispersa né, tu olha o movimento. Tem uma banda (dos anos) 60 que adoro que é o Sonics, uma banda bem garage. Às vezes tem algo em língua espanhola, o Andrés Calamaro, que é um icone pop argentino e mundial. Um disco que era da minha mãe, “Dalva de Oliveira canta Boleros”, música brasileira dos anos 50, 40. Uma coletânea do Smiths, banda que adoro. “Concertos de Bradenburgo”, do Bach, também algo do Beethoven. Teenage Fanclub, eu adoro. War on Drugs, uma banda bem legal, tem uns três discos. E é isso. Às vezes ouço o disco inteiro, às vezes por música. Mas dura duas, três semanas, daí excluo e abasteço com outras. No notebook tenho um acervo de CD. Em casa, ouço Spotify de fone. Uma coisa que adorava fazer, e hoje faço menos, é ouvir música botando o CD no aparelho de som Sony, mas não tenho tempo. Ou às vezes, bebendo uma cerveja no fim de semana tu dá uma louqueada, põe alto um faixa e outra, mas isso eu faço muito menos hoje. Aquele menu do Spotify Discovery, coisas que te sugerem, aquilo ali dá vontade de passar um dia só ouvindo tudo o que te indicaram de cabo a rabo, é muita coisa boa. Eu estou fazendo mestrado sobre isso, curadoria no Spotify. Tenho que defender em maio, mas sinto que tem tanta coisa legal pra falar sobre isso ainda que parece que estou na metade da metade. Voltando ao que eu ouço em casa, tenho um aparelho muito chulepa. Eu tinha um dos anos 80 que foi se destruindo e doei pra um guri que eu conheci na Ipanema (extinta rádio porto-alegrense), o Juliano Oster, um cara muito querido. Ele trabalha sonorizando com vinil em festa, daí pensei: “Taí um cara pra eu dar esse aparelho”. Um Gradiente, prato, receiver e deck. Pra não dizer que não tinha um prato em casa pra ouvir vinil, comprei num sebo na quadra de casa, na João Pessoa (avenida em Porto Alegre). Mas ele é muito ruim, as caixas são muito ruins. Ainda devo ter uns 60, 70 vinis, fui me desfazendo pra caramba, cheguei a ter uns 500 acho. Fui me desfazendo nas lojas de amigos na cidade, às vezes por aperto, às vezes pra pegar outros. Então ouço música mais de fone, no Spotify, no notebook. Ouço eventualmente CD, tenho uma coleção muito boa. Não sei quantos. É mais difícil de tu negociar na rua, os caras não se interessam muito, é mais por vinil nas lojas Tenho bem guardada uma coleção. Comecei a investir numa de CDs eruditos. Passei a vida inteira comprando música popular, música brasileira, instrumental, muito rock, muito pop, mas de uns dois, três anos pra cá comecei a investir em CD de música erudita. Do mesmo sebo onde eu vendia o vinil, levava Bach, Beethoven, Chopin, e acho isso legal. Parece coisa de velho – assim como tenho uma coleção boa de Frank Sinatra em CD, alguma coisa em vinil. Que também é coisa de velho, ouvir Sinatra tomando um uisquinho. Chega uma hora que, por mais que adore rock, adore Sonics, tu quer ouvir outra música e fico muito apavorado de imaginar que o cara no século 16, sem luz elétrica, passando frio, fome, tinha doenças, e escrevia uns negócios brilhantes, cheio de melodias, de polifonias. A obra do Bach é um negócio assim, não canso de ouvir o Concerto de Bradenburgo. Os filhos em casa já se acostumaram. É um negócio muito sublime, uma materialização humana muito foda. Ah, adoro ouvir as loucuras do Sonics, a bateria tosca, umas coisa afudê de ouvir. Mas daí tu põe um Bach, um Beethoven e fica: “Isso saiu de uma cabeça humana! O cara pensou isso!”. E o cara vivia tri mal, morria novo. Então essas coisas me impactam, me emocionam. Não tem um dia que eu não me programe pra parar, ouvir música e ler, ou dar risada, ver uma comédia, Peter Sellers, Irmãos Marx, porque eu gosto e aquilo vai fazer bem. Eu tenho prazer em ouvir musica. Não importa o horário ou suporte, me sinto bem sintonizado com essa época. Ouvir música que está na nuvem, digitalmente. Tem aquela coisa do fetichista: “Ah, abrir o vinil, botar pra tocar”. Ok, isso é legal, mas é bacana não depender disso pra ouvir música. Fui ver o “La La Land”, saí (da sessão) e já perguntei na Multisom (rede de lojas de CDs do Rio Grande do Sul): “Tu já tem a trilha desse filme?” Não tinha. Óbvio, cheguei em casa, fui no Spotify, e estava lá. Pronto, no domingo de manhã pude ouvir aquela trilha de novo mostrando pras pessoas: “Ó aqui as músicas que ouvimos ontem”. Assisti com a esposa e dois filhos.
É uma coisa que nos anos 80 tu não podia fazer, tipo ver o “Purple Rain” e logo comprar o disco…
Se tu fosse comprar ele na Pop Som, na Galeria Chaves (no Centro de Porto Alegre) ia ser caro. Daqui a pouco ele aparecia nas Americanas e “uau, puxa, na Pop Som o disco é 50, nas Americanas veio por 18,90”. Isso rolava direto. Quando apareceu o “Rocket to Russia”, dos Ramones, nas Americanas a capa parecia um guardanapo, mas tu tinha como comprar.
E dependia disso para ouvir.
Nos 80 tinha loja de locação de fita cassete e de CD. Tu pegava as noventeira lá, Shonen Knife, o Melvins, as banda shoegaze, tu alugava na loja o CD, gravava no cassete em casa e ouvia. Logo logo deu pra gravar e passar pro HD. Então hoje, não que não exista uma raridade ou outra que não tá nas redes, no Spotify…
Sim, a própria Graforréia!
Nesta hora, Frank ri, e ri alto.
Como é que as pessoas vão ouvir a Graforréia!
Um dia a Fernanda Takai (na foto acima participando do show de Frank Jorge em 2001 no Bar Ocidente) postou um tweetzinho lá: “É um absurdo que a Graforréia não esteja no Spotify”. E eu achei aquilo divertido. Nenhum dos três vai se coçar voando pra mudar isso. Em algum momento a coisa vai acontecer… Os dois do meio (da carreira solo, “Vida de Verdade” e “Volume 3”) saíram no streaming porque eram de outros selos, que abasteceram com seus catálogos (e hoje é possível achar também a estreia solo de Frank, “Carteira Nacional de Apaixonado”). E dá gosto de ver os quatro lá.
É tipo tu chegar na loja…
…e tá lá os meus discos pra vender. Eu passei uma vida sofrendo por ir à loja e não ter os meus discos pra vender. Só vendia em show. Isso sempre foi um problema, hoje em dia mudou. Teve um comentário do meu irmão que foi bizarro, ele é 10 anos mais velho: “O teu disco está nesses lugares (plataformas de streaming), mas tu ganha algo?”. E eu: “Cara, eu ganho mais é uma puta divulgação por estar lá”. Se a pessoa quer me recomendar para o amigo que está no Japão, na Austrália, na Islândia, ele tem como mostrar porque está no Spotify. Isso que falei: “Tu não imagina a importância e o alcance que isso tem”. Porque antes dependeria de comprar um disco, ou acessar isso, ou aquilo. Não. Está na plataforma de streaming, está no mundo. Acho isso belíssimo. Se a Graforréia estivesse no streaming ia estar pintando convite pra show a rodo. Então o primeiro (solo) saiu pela Barulhinho, de Porto Alegre. O segundo YB Music e Trama, a YB existe ainda, devem ter posto lá todo o acervo deles. O terceiro foi da Monstro, também superligada ao streaming, Tu vai achar tudo da Monstro no Spotify. Entrou lá. E o último entrou sendo lançamento já. É isso.
Ao fim da entrevista e após Frank se despedir de mim e ir para casa, um conhecido seu, que havia entrado no café onde estávamos um pouco antes, me perguntou sobre a entrevista. “Vai ficar muito boa! Esse cara sabe muito”, me disse ele.
– Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista. A foto que abre o texto é de Raul Krebs. A foto de Frank Jorge no Lollapalooza é de Liliane Callegari. A foto do encontro de Frank Jorge e Fernanda Takai no Bar Ocidente, 2001, é dos arquivos de Iuri Freiberger.
Veja também:
– Entrevista (2000): “Acho as letras do rock nacional pura merda” (aqui)
– “Coisa de Louco 2”, da Graforréia: 8º melhor disco nacional dos anos 90 (aqui)
– Download: Baixe “Primavera Punk”, de Gustavo Kaly & Frank Jorge (aqui)
– “Ao Vivo”, da Graforréia Xilarmônica, garante a felicidade do ouvinte (aqui)
– Frank Jorge ao vivo em SP (2009): “A guitarra em primeiro plano” (aqui)
– “Volume 3″: Frank abre o disco cantando: “Sim, você esperava muito mais de mim” (aqui)
porra que entrevista massa!
e o hoje o cara vai abrir o show do Paul, que belo dia pra se estar vivo!