por Rafael Donadio
Sem medo da música e do experimento, o maranhense radicado no Rio de Janeiro Negro Leo navega por águas ainda mais revoltas, trilhando caminhos retorcidos e marcando mais o seu espaço na Música Torta Brasileira. Em agosto deste ano, com 33 anos, o músico autodidata lançou o sexto álbum de sua carreira, “Água Batizada”, produzido por ele, Estevão Casé e Eduardo Manso. Com “sessões movidas a psicoativos”, o trabalho se difere dos dois anteriores, “Ilhas de Calor” (2014) e “Niños Heroes” (2015), pela pegada mais pop e a exploração de timbres e texturas sonoras.
Enquanto “Niños Heroes” expunha letras e melodias sobre pequenos trechos de uma extensa gravação de improvisação livre, em “Água Batizada” o processo foi clássico, começando pelas bases e seguindo com overdubs, dobra de vozes, summing analógico, mix e master. Além de Leo, Casé (sintetizador) e Manso (piano e guitarra) participam da gravação Pedro Dantas e Bruno di Lullo (dividindo o baixo), Domenico Lancellotti e Marcelo Callado (nas baterias) mais Ricardo Dias Gomes (órgão), Bruno Schiavo (violão) e Roberto Pollo (órgão).
Outra novidade foi o papel de intérprete exercido pelo cantor em seis das 13 músicas do álbum, três delas compostas por Ava Rocha, com quem é casado e também trabalha em um novo projeto com a banda colombiana Los Toscos, previsto para ser lançado no ano que vem. Depois de 23 dias na Colômbia com a filha e a mulher em uma viagem descrita por ele como “Chimba!” (gíria colombiana para algo como ‘do caralho’), e um pouco antes dos shows de estreia do novo trabalho, conversamos com Negro Leo sobre o disco, águas batizadas, novos projetos e os shows.
Como surgiu o nome “Água Batizada”?
O título surgiu naturalmente em decorrência das nossas sessões movidas a psicoativos. Lembro que Marcelo (Callado) perguntou se uma garrafa d’água que lhe deram estava batizada e (Eduardo) Manso disse ‘é um ótimo título pra disco’. Por outro lado, o resultado sônico do disco parece ecoar perfeitamente o título e diria que até antecipa meu próximo projeto: ‘meu reino não é desse mundo’.
E já pode adiantar algo sobre o projeto novo?
Ainda não, até porque não estou totalmente seguro de todos os desdobramentos do lance, quer dizer, ainda não calculei os efeitos do que vou fazer, digo isso porque é um movimento perigoso.
Você já disse que aprendeu a fazer música sozinho, sem aprender técnicas e tal. Como foi o processo de aprendizado?
Não tive formação musical convencional, muito embora tenha tentado. Desde que comprei o primeiro violão minha ambição sempre foi compor coisas parecidas com o que eu gostava de ouvir, desvinculando ‘a grande novidade’ do ofício criativo.
E o que você gostava de ouvir?
Michael Jackson, Madonna, Diana Ross, The Comodores, Legião Urbana, Beatles.
O processo de produção do “Niños Heroes” foi feito com uma gravação de improvisos e, posteriormente, cortada em diversas músicas que compuseram o álbum. No “Água Batizada” como foi o processo de composição e gravação?
O “Água Batizada” tem que ser enfocado do ponto de vista da produção, dos sons maravilhosos que Manso, Estevão Casé e Fabiano França esculpiram. Mas também da instrumentação luxuosa de Pedro Dantas, Eduardo Manso, Domenico Lancelotti, Marcelo Callado e Bruno di Lullo. Dei voz a composições de Ava Rocha, Bruno Schiavo, Luiz Antônio Andrade, Pedrinhu Junqueira, que de alguma forma as sentia minhas.
A respeito dessas músicas de outros compositores, como foi passar para um papel de intérprete? Algo que não foi comum nos outros discos.
É um luxo poder se identificar com artistas da sua geração, aconteceu assim. Tem uma coisa nessa geração mais jovem, dos anos 1990 e muitos dos 2000 e poucos que é uma nostalgia não-nostálgica, uma relação de cuidado-descuidado com os cânones que me conforta no mundo.
Diferente dos outros, com músicas mais barulhentas e ruidosas, “Água Batizada” traz algo mais pop. Como foi essa transição?
Quando você faz alguma coisa que tem um valor popular, tá trabalhando no nível subconsciente das bandeiras, dos brasões, das logomarcas, dos times de futebol, da euforia. É isso que eu tô tentando fazer, modestamente.
Quais foram as principais influências musicais para o “Água”?
Lá no fundo no fundo, retrospectivamente, Legião Urbana e Beatles.
Quais foram as principais questões levantadas nas canções de “Água Batizada”?
É uma pergunta difícil, eu nunca sei responder. Eu diria como Kike Mendonza, é ‘um disco otimista’.
Você também teve bastante participação nas composições do disco da Ava Rocha, assim como ela teve no seu. Como é o processo de criação entre vocês?
É uma maravilha total, o brilho e a intensidade que vocês veem no palco.
O que foi produzido com o Contrapedal e Los Toscos, em Bogotá?
Ava fez um show pelo Contrapedal no Valle del Viento, mas na verdade a gente foi para Bogotá trabalhar num disco com Los Toscos que deve sair em 2017 e do qual participaram Thomas Harres, Eduardo Manso e Edson Velandia até o momento.
– Rafael Donadio (Facebook: rafael.p.donadio) é jornalista do Diário do Norte do Paraná