por Bruno Lisboa
Murilo Sá é um multi-instrumentista baiano radicado em São Paulo que tem a música como paixão desde os 7 anos, época em que ganhou um teclado Tonebank da mãe. De lá para cá, Murilo desenvolve desde 2009 uma extensa e prolífica discografia composta EPs, parcerias e dois álbuns: “Sentido Centro” (2014) e o novíssimo “Durango!” (2016), ambos lançados pelo selo gaúcho 180 e liberados para download gratuito no site oficial de Murilo.
Se no primeiro álbum, Murilo Sá estava imerso numa sonoridade 60’s, com ares psicodélicos e lotado de camadas, no disco mais recente ele continua a explorar este terreno, porém estende o seu leque musical a algo mais cru e visceral e como também se rende ao pop oitentista. Ou, como definiu o capo do Selo 180, Rodrigo de Andrade, em entrevista ao Scream & Yell, “’Durango!’ é mais diversificado. Ele olha para fora, para a metrópole e se aventura por novas paisagens sonoras: 80, synth, indie”…
Nesta entrevista ao Scream & Yell, Murilo Sá fala sobre o seu modo operante de trabalho, a gravação de “Durango!” (“Comecei basicamente gravando sozinho, mas ao longo do processo rolaram várias participações especiais que foram fundamentais”), o lado cronista de suas letras (“Acho que metade do tempo estou em movimento e em busca de algo”), suas influências, a sua relação precoce com a música, o mercado musical atual, planos futuros e muito mais. Confira o papo e baixe os dois discos! Valem a pena!
Em “Sentido Centro”, seu primeiro álbum, sua musicalidade estava imersa numa sonoridade mais psicodélica e cheia de camadas. Já em “Durango!”, o novo disco, você ainda segue essa linha, mas também aposta num formato cru e direto ao ponto – como no single “Modo Automático”. Como foi o processo de criação e gravação do disco?
Eu acredito que a maioria das faixas do novo disco “Durango!” ainda se utilizam desses recursos de camadas e elementos psicodélicos, mas, realmente, nessa faixa que você citou (que, inclusive, acabou de ganhar videoclipe) a ideia foi fazer um rock mais visceral e cru, com uma letra ácida e direta. Gravar “Durango!” foi um processo diferente do “Sentido Centro”. No primeiro, os arranjos de base foram definidos em formato trio (que era eu na guitarra base / Pedro Falcão na bateria / Felipe Faraco no baixo) e a gente chegou no estúdio e gravou tudo junto, com exceção da faixa título, que gravei depois sozinho. No novo álbum, comecei basicamente gravando sozinho, mas ao longo do processo rolaram várias participações especiais que foram fundamentais para o trabalho.
Aliás, sobre o videoclipe de “Modo Automático”, a direção de arte ficou muito legal! De quem foi a ideia de utilizar aquela estética retrô?
O diretor do clipe é um amigo meu, Felipe Milward, um cara muito interessante, meio hacker e que é total adepto dessa estética de vídeo analógica, o ruído é uma característica do trabalho que ele faz. Eu me identifico muito com todo esse universo e acho que funciona bem com a música que faço. Foi uma parceria que começou no disco anterior (fizemos um clipe da faixa “Dois Mundos”) e a gente repetiu a parceria nesse agora com um plano de filmagem mais urbano e dessa vez colorido, mas gravando em VHS. Já estamos planejando um próximo!
Falando em formato, geralmente quem adota uma sonoridade mais retrô tem por predileção gravar num formato analógico, mas há quem prefira o digital. Você é partidário de segmento?
Há anos atrás comecei gravando em casa no computador, e ainda gravo em formato digital, só que hoje em estúdio. Sempre usei o que estava ao meu alcance, sem muita obsessão por equipamentos analógicos, mas de fato é um desejo meu futuramente gravar um disco em fita, pra sentir como soa, pois pelo que sei existem algumas diferenças técnicas que acabam conferindo uma sonoridade particular ao som, o que me agrada. No álbum “Durango!” a gente até utilizou alguns recursos como overdrive na voz passando pelo cabeçote de um gravador de rolo e também fizemos uma espécie de loop com ele que gera um delay de fita.
Para além do universo 60’s em sua musicalidade também é perceptível um ar meio 80’s como em “Sufoco (Parte II)”, faixa conduzida por teclados. Quais as influências norteiam o seu trabalho?
Com certeza, a faixa que você citou tem mesmo um DNA oitentista, referências que também são parte do meu repertório, embora eu não tenha explorado muito essas facetas no disco anterior, que tem um sotaque mais sessenta. Gosto muito de música pop desde os anos 50 até os dias de hoje. Não pretendo me prender a algum rótulo ou década, a ideia é sintetizar isso tudo que me influencia e que gosto, e fazer algo que soe atual e com uma identidade própria.
Você em estúdio basicamente grava tudo sozinho e produz. Mas ao vivo quem lhe acompanha?
Na verdade produzo e gravo muita coisa sozinho, mas não tudo. A banda que me acompanha ao vivo atualmente é formada por Gabriel Guedes (guitarra), Pedro Falcão (bateria), Rob Ashtoffen (baixo) e Tomas Oliveira que foi recentemente incorporado nos teclados. Todos eles participaram do disco novo, e essa formação ao vivo pode variar de acordo com a disponibilidade de cada um, uma vez que todos são bem ocupados. Entre os músicos que também participam comigo ao vivo, poderia citar João Rochetti (Vitreaux), Otávio Cintra (Hammerhead Blues) e o baterista Felipe Maia (Marrero/Tarântulas).
Você é um baiano radicado em São Paulo. A cidade interfere no seu fazer musical?
Com certeza! Mas não é só a cidade em si, mas especialmente as experiências que vivo e as coisas que me rodeiam são o que de certa maneira me guiam no processo. Acho que se morasse no campo eu ia escrever sobre coisas como a vida dos pássaros e sobre cavalos (risos), mas como moro na cidade ela acaba sendo uma fonte de inspirações e experiências que acabam resultando em canções.
Suas letras de certa forma funcionam como crônicas urbanas, pois falam de alguém sempre em movimento, em busca de algo. Procede?
Acho que tem um pouco disso, crônicas urbanas. Mas falando por mim, acho que metade do tempo estou em movimento e em busca de algo, a outra metade do tempo eu estou tentando fugir de tudo e desacelerar a mente (risos).
Você tentou viabilizar o lançamento em cd de “Durango!” via Catarse. Como foi a experiência de utilizar uma plataforma de crowdfunding?
Na verdade consegui sim viabilizar os CDs e K7s via Catarse (apesar de não ter batido a meta completa, passamos da metade e os CDs e K7s vão rolar), Os itens estão em fase de produção e em breve irei entregar as recompensas. O financiamento coletivo é um processo que aproxima muito o artista do seu público, olhando por esse ponto de vista acaba sendo algo bem interessante e que acaba sendo uma divulgação do próprio álbum.
O disco foi remasterizado por Arthur Joly, um mestre. Como foi o trabalho nesse sentido?
Foi demais, o Arthur é um cara incrível e a gente acabou fazendo uma parceria de trabalho bem legal. Se eu puder futuramente, quero gravar algo nos estúdios Recohead.
Além do formato digital, “Durango!” sairá nos formatos CD e K7 (via 180). Você acredita que viabilizar o seu trabalho de várias formas é a melhor maneira de divulgá-lo?
Acho que sim! Existe uma discussão muito grande sobre isso, minha opinião é de que ainda existem pessoas que se interessam em ter um disco em formato físico, seja vinil, CD ou k7, e acredito que essas pessoas são aquelas que tem uma relação mais profunda com a obra, e fazem questão de possuir esse material. Por isso penso que ainda vale a pena investir em formatos físicos, e se eu puder em breve quero disponibilizar o disco também em vinil. Mas de todo modo, estamos em todas as redes de streaming!
Ainda falando sobre o selo: qual a relação estabelecida entre você e a 180? De que forma o fato de ter seu trabalho veiculado ao mesmo contribui para o desenvolvimento de sua carreira?
É uma relação muito de parceria muito produtiva, que começou em 2014, quando lançamos o primeiro álbum em CD e formato digital. O Rodrigo de Andrade (também conhecido como Garras) é um dos maiores divulgadores do meu trabalho e o Selo 180 tem ampliado muito o seu catálogo, sempre trabalhando com bandas muito boas. O selo tem uma dinâmica de lançamentos e divulgação além de parcerias com plataformas digitais, o que acaba contribuindo bastante para o desenvolvimento do meu trabalho.
Voltando a falar de parcerias, “Durango!” tem várias participações especiais. Como rolaram os convites?
Não foi bem uma seleção, a coisa se deu de uma maneira bem natural. Todos os músicos que participaram são meus amigos, e a maioria deles já tinha participado do meu álbum anterior. Meu método de produção é tentar entender o que a música está pedindo, o que funcionaria melhor ali, e assim surge a ideia de convidar alguém que eu admiro e que possa emprestar seu talento pra engrandecer a música. Foi assim no caso do Pedro Pelotas, pianista da Cachorro Grande, que gravou em cico faixas do álbum, e Gabriel Guedes, guitarrista fundador da Pata de Elefante, que gravou no disco e me acompanha na maioria das apresentações.
A cena independente brasileira vive um grande momento com vários artistas em destaque. Você acompanha o que tem rolado? O que você tem ouvido e recomenda?
Com certeza estamos num momento de efervescência musical e tenho ido a muitos shows aqui em São Paulo e ouvindo boa parte dos lançamentos desse ano como: Pedro Pastoriz, O Terno, Tatá Aeroplano, Vitreaux, Baby Budas, Wallacy Willians, The Baggios, Laia Gaiata, Molodoys, Mescalines, Angela Carneosso…. foi muita coisa legal esse ano e sinto que ainda vem mais por aí!
Curiosidade: você é um multi-instrumentista autodidata. Qual instrumento você se interessou primeiro? E como se deu a relação para com os outros?
Quando eu tinha uns 7 anos de idade ganhei da minha mãe um teclado Casio daqueles pequenos, Tonebank. Talvez não por acaso estou com um Casiotone numa das fotos de divulgação do novo álbum, esse disco faz muito uso de teclas e sintetizadores. Esse teclado que ganhei quando criança foi minha porta de entrada pra a música, e então minha mãe percebeu que eu tinha uma certa facilidade em tirar as coisas de ouvido, e eu ganhei um teclado um pouquinho maior, que em pouco tempo acabei trocando por uma guitarra velha e um pedal de drive e montei minha primeira banda, na adolescência. Os outros instrumentos que aprendi a tocar foi por insistência ou necessidade, ou um pouco das duas coisas, mas em resumo foi tudo na raça, tipo enchendo o saco na batera enquanto o baterista foi fazer um lanche (risos)…
Quais são seus planos futuros?
Pretendo em novembro fazer o lançamento oficial do disco em São Paulo e em seguida armar uma turnê pra tocar esse novo show em outras cidades e festivais. Também comecei a pré produzir em casa algumas faixas que no próximo ano poderão surgir em um novo disco.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. A foto que abre o texto é de Jack Rubens / Divulgação.